Mais de mil meninas em idade escolar no sofreram com suspeitos ataques de “veneno leve” por todo o país desde novembro de 2022. As investigações sobre os incidentes dividem opiniões de especialistas e da comunidade internacional.
Os primeiros casos de envenenamento ocorreram em Qom, uma cidade altamente religiosa a cerca de 130 quilômetros de Teerã.
Alguns observadores dizem que os envenenamentos podem ser ataques – uma resposta dos conservadores aos protestos liderados por mulheres e meninas que convulsionaram o Irã desde a morte de Mahsa Amini, em setembro. Porém, outros afirmam que os casos podem se tratar de “doenças sociogênicas em massa”.
“Ninguém acredita que seja coincidência que tenha seguido os protestos”, disse Deepa Parent, jornalista de direitos humanos que cobriu a história para o jornal britânico The Guardian. “O que você ouve de ativistas e nas redes de protesto é que isso é vingança contra essas meninas e suas famílias.”
A jornalista conta que depois da morte de Mahsa, uma jovem curda que morreu sob custódia da polícia da moralidade iraniana, os universitários foram os primeiros a sair às ruas. Logo depois, três adolescentes morreram com golpes na cabeça: Setareh Tajik, Sarina Esmailzadeh e Nika Shahkarami. As mortes aumentaram a tensão no país e mais estudantes começaram a faltar às aulas para ir aos protestos.
A educação das meninas tornou-se uma parte aceita e bastante comum da vida no Irã. Desde 2011, as mulheres superaram os homens nas universidades e, segundo o Banco Mundial, a alfabetização feminina aumentou de 26% em 1976, antes da Revolução Islâmica, para 85%, em 2021. No entanto, a educação feminina ainda é alvo da ala mais conservadora do país.
“Um médico me disse que, com base nos sintomas que estão vendo, é provável que seja um agente organofosforado fraco [amplamente usado na agricultura como pesticida]”, disse Parent. Segundo o médico, os sintomas seriam semelhantes aos de pessoas que trabalham em ambientes agrícolas ou militares.
Entre os observadores, também existem alegações de que os incidentes são manifestações de uma “doença sociogênica em massa”, ou seja, fenômenos nos quais os sintomas se espalham sem uma causa biomédica clara. Os defensores desse argumento destacam a repressão dos protestos como um possível gatilho.
Segundo a emissora britânica BBC, os exames de sangue de algumas estudantes iranianas não mostraram evidências de toxinas, mas a possibilidade de envenenamento ainda não pode ser descartada.
Ainda que alguns casos possam ser explicados pelo “efeito em massa”, também existem relatos de objetos suspeitos jogados em pátios de escolas. Dan Kaszeta, especialista em armas químicas do instituto de estudos Royal United Services Institute, disse à BBC que substâncias venenosas podem se degradar rapidamente, tornando muito difícil tirar conclusões firmes.
As autoridades iranianas passaram meses ignorando os eventos, mas o aumento no número de casos e a atenção internacional forçaram a tomada de atitudes. Nesta segunda-feira, 6, o líder supremo do país, Ali Khamenei, falou publicamente que os culpados deveriam ser condenados à morte por terem cometido um “crime imperdoável”.
Porém, mesmo com as investigações em andamento, poucos observadores devem ter confiança nos resultados. “As autoridades iranianas têm um histórico terrível de investigação de violência contra mulheres e meninas”, disse a Human Rights Watch na semana passada.
A enxurrada de casos de envenenamento chegou ao país em um momento de comoção social e está causando ainda mais indignação nos manifestantes. Na próxima quarta-feira, 8, Dia Internacional da Mulher, novos protestos estão programados.
Fonte: Veja