Via @jornaloglobo | Em 1965, Choi foi condenada a prisão por ter mordido meio centímetro da língua de um homem durante uma tentativa de estupro. Na quarta-feira, o tribunal distrital de Busan a absolveu em um novo julgamento, seis décadas depois. “Eu, Choi Mal-ja, sou finalmente inocente!”, exclamou a mulher de 79 anos após a decisão, que considerou seu ato “justificado como legítima defesa.”
Em maio de 1964, quando tinha 18 anos, Choi foi sexualmente agredida por um desconhecido de 21 anos. Ele a derrubou no chão, a estrangulou e tentou forçar a língua dele em sua boca. Ela conseguiu escapar mordendo sua língua.
Dezessete dias depois, o homem e amigos invadiram a casa de Choi em Gimhae, no sul do país. Ele ameaçou esfaquear o pai dela e, posteriormente, processou Choi por lesão corporal grave. Ela, por sua vez, o denunciou por tentativa de estupro, invasão de domicílio e extorsão.
A polícia considerou Choi inocente e prendeu o agressor, mas os promotores o liberaram e permitiram que fosse a julgamento como homem livre. Ele acabou sendo acusado apenas de invasão e extorsão, enquanto Choi foi acusada de “causar lesão corporal grave”.
Durante o processo, Choi passou por exame de virgindade, cujo resultado foi tornado público. Segundo relatos, promotores e juízes a responsabilizaram por “aleijar um jovem” e chegaram a sugerir que ela se casasse com o agressor para encerrar o caso.
‘Sociedade repleta de preconceitos’
Choi permaneceu presa por seis meses até janeiro de 1965, quando foi sentenciada a 10 meses de prisão, mas teve a pena suspensa. Seu agressor recebeu seis meses de prisão, também suspensos. Na época, o tribunal considerou que a ação de Choi excedeu os “limites razoáveis” da legítima defesa.
A injustiça marcou sua vida. Ela retomou os estudos na casa dos 60 anos, se formando em uma faculdade à distância, e em 2020 solicitou um novo julgamento inspirada pelo movimento #MeToo, 56 anos após o ocorrido.
Na Coreia do Sul, onde o machismo ainda é recorrente, sua luta se tornou uma causa célebre, apoiada por grupos de defesa dos direitos das mulheres.
O tribunal distrital e o de apelação rejeitaram seu pedido, alegando falta de provas, mas em dezembro a Suprema Corte ordenou um novo julgamento, reconhecendo que o direito de Choi à justiça havia sido comprometido por investigações e julgamentos injustos, além de uma “sociedade profundamente patriarcal, repleta de preconceitos contra mulheres.”
O novo julgamento começou este ano e a absolvição já era esperada desde julho, quando os promotores pediram desculpas pelo tratamento dado a Choi, reconhecendo “sua dor e sofrimento imensuráveis” e declarando-a inocente.
O agressor não participou do novo julgamento e não teve seu nome divulgado nos documentos do tribunal.
— As pessoas diziam que o que eu estava fazendo era tão inútil quanto bater em uma pedra com ovos — disse Choi durante coletiva de imprensa: — Mas eu não podia deixar isso enterrado. Queria dar esperança às vítimas que enfrentaram a mesma situação que eu.
Em 2020, outro caso semelhante aconteceu: uma mulher mordeu parte da língua de um homem durante uma tentativa de estupro. Nesse caso, apenas o agressor foi preso e condenado a três anos de prisão.
Por O Globo e The New York Times — Busan
Fonte: @jornaloglobo