O Brasil registrou aumento de 33,8% no número de mortes violentas de policiais: foram 127 ocorrências em 2023, contra 170 em 2024. O total de suicídios também cresceu 6,8%, passando de 118 para 126 óbitos. Com isso, a soma dos incidentes fica próxima de 300 – crescimento considerável, de 28,8% em relação ao ano anterior. Os números foram publicados no final de julho, na 19ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
Em relação às mortes violentas, o documento, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), aponta amplas divergências regionais: “A média nacional de policiais civis e militares mortos, em serviço ou fora dele, é de 0,3 por 1.000 profissionais da ativa. No entanto, seis estados registraram taxas de mortes em confronto superiores a essa média: Rio de Janeiro (1,1), Tocantins (1,1), Pará (0,8), Ceará (0,5), Piauí, Alagoas e Pernambuco (0,4).
Entre os estados que registraram as maiores elevações de um ano para o outro estão:
- Minas Gerais (200%)
- Alagoas e Piauí (100%)
- Ceará (33,3%)
- Bahia (22,2%)
- São Paulo (10,3%).
O documento também aponta para uma tendência: “a quantidade de suicídios desses profissionais vem aumentando de maneira mais ou menos constante desde 2018, primeiro ano da série histórica analisada”, diz trecho do relatório.
Os índices de suicídio acima da média nacional foram registrados no Rio Grande do Sul, Paraná, Mato Grosso do Sul, Piauí, Ceará e Distrito Federal. Por outro lado, alguns estados apresentaram aumentos bastante expressivos no período, como Distrito Federal (400%), Alagoas (200%), Ceará, Paraíba, Paraná e Sergipe (100%).
Governo federal se mostra opositor das forças policiais, diz especialista
Autor do livro “A guerra civil do crime no Brasil”, o tenente-coronel Olavo Mendonça, da Polícia Militar do Distrito Federal, considera que há em curso um ataque institucional às corporações e aos policiais, em especial por parte do governo. Como ele explica, quando o próprio Estado atua contra os agentes da lei e não prioriza o combate sistemático ao crime organizado, naturalmente a violência contra eles tende a aumentar.
“Está em curso um movimento de criminalização e cerceamento da atividade policial, com inúmeros entraves legais, com medidas e restrições a suas ações, incluindo as câmeras corporais, que limitam a atividade policial, e as audiências de custódia, que diariamente libertam presos em flagrante, o que facilita a ação das facções lideradas pelo PCC e pelo Comando Vermelho”, diz Mendonça.
Com relação às câmeras, Eduardo Matos de Alencar, doutor em sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e presidente do Instituto Arrecife, também considera seus efeitos danosos às corporações. “Alguns levantamentos mostram um efeito perigoso: cresceu a violência contra policiais usando câmera. Isso porque o equipamento muda o comportamento em campo. O policial, sabendo que cada movimento vai ser analisado depois, tende a hesitar em situações de risco extremo. Só que, na rua, dois segundos de indecisão podem ser a diferença entre neutralizar uma ameaça e levar um tiro. E o criminoso percebe essa hesitação”.
O tenente-coronel considera que existe uma política proposital na base dessas ações. “A esquerda brasileira concluiu que o inimigo público número um, que precisa ser excluído, é a Polícia Militar. Então o policial se sente acuado, hiper monitorado, difamado, com pouco apoio do tecido social e pouco suporte para combater o crime com efetividade. Ele não tem incentivo para atuar. E, quando ele perde colegas de serviço, não conta com apoio psicológico”, explica.
De fato, desde que assumiu a nova gestão, em janeiro de 2023, o governo Lula têm expressado uma visão predominantemente negativa sobre a polícia e registrado casos de conexão suspeita ou mesmo tolerância com o crime organizado. Daí surge a tendência de agravamento dos casos de mortes violentas e suicídios, na medida em que os agentes não se sentem apoiados, diz Mendonça.
Procurado, o Ministério da Justiça e Segurança Pública não se manifestou.
Estresse e pressão contínuo contribuem para mortes violentas e suicídios
Alencar aponta que os incidentes violentos costumam acontecer em situações em que o agente é pego de surpresa. “A maioria ocorre em contextos táticos de alto risco: emboscadas, paradas de trânsito e respostas a crimes em andamento. O denominador comum é a assimetria de iniciativa, quando o agressor controla o momento e o espaço, a reação policial fica limitada a segundos”.
Mas o risco não começa no instante da ocorrência, aponta o sociólogo. “O estresse organizacional crônico – turnos longos, falta de controle sobre decisões, pressão por produtividade – já compromete antes a prontidão física e mental. Esse desgaste reduz atenção, velocidade de reação e tolerância ao estresse, criando um terreno fértil para que uma ocorrência de rotina escale para algo letal”.
No caso dos suicídios, analisa ele, os mesmos fatores estão atrelados, com uma diferença: “em vez de um agressor externo, o gatilho é interno”.
“Em vários locais, especialmente no Rio de Janeiro, policiais vivem rotina literalmente de zonas de guerra. Só que em zonas de guerra costuma haver mais tempo de afastamento do conflito cotidiano do que nas polícias brasileiras. O desgaste psíquico e físico crônico provocado por esse tipo de situação se reflete diretamente na deterioração da capacidade de tomar boas decisões e na saúde psíquica dos policiais”.
Caminhos para reduzir mortes de policiais
Para o capitão José Eleutério da Rocha Neto, policial militar da reserva que há um ano é pesquisador do ALERRT Center, da Universidade Estadual do Texas, algumas ações poderiam contribuir para melhorar a rotina dos policiais e proporcionar maios segurança para a atividade.
“Regulamentar a atividade de segurança privada é urgente. Se o agente realiza essa função fora do expediente, com segurança jurídica e informando a corporação, ele reforça a própria renda e aplica o melhor de seu treinamento para outras situações”, diz.
Em paralelo, seria recomendável mudar a dinâmica dos turnos, diz ele. “Da maneira como a carga horária é distribuída hoje, a rotina do agente fica comprometida no sono, na alimentação e no convívio familiar. E não há muita clareza a respeito do pagamento de adicional para as atividades realizadas em períodos noturnos”.
Já Olavo Mendonça aponta que em primeiro lugar, o efetivo precisa ser bem remunerado, bem treinado e bem equipado. “Para além disso, o Brasil precisa fazer os criminosos cumprirem pena, conter o consumo de drogas e parar de criminalizar a atividade policial. Todas essas mudanças precisam ser ancoradas por uma política pública decisiva, enfática, que coloque o criminoso dentro de uma perspectiva de que ele é o agente desestabilizador da sociedade, e não o policial”, diz o tenente-coronel.
Anuário da Segurança Pública revisou dados de mortes de 2023
O aumento drástico em mortes de policiais no último ano é resultado da comparação dos dados apresentados no relatório atual do Anuário Brasileiro de Segurança Pública com o documento publicado no ano anterior.
Mas a edição mais recente do estudo aponta para uma conclusão diferente: com base em dados modificados a respeito de 2023, que indicam 178 mortes violentas e 137 suicídios, estipula que teria havido uma redução no total das mortes policiais no Brasil, tanto por confronto em serviço e fora de serviço, quanto por suicídio. Em outras palavras, no relatório deste ano o FBSP aumentou os números de mortes que teriam ocorrido em 2023.
O coronel da reserva da PM da Paraíba Onivan Elias de Oliveira, doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, explica que esse ajuste nas estimativas é comum. “Em todos os anuários existe uma atualização, com base no andamento das investigações que aconteceram depois da publicação. O problema, no caso deste levantamento, é outro: muitos estados simplesmente não fornecem informações, o que indica que os dados são subnotificados”, diz o oficial.
Fonte: gazetadopovo