Stephen Jay Gould foi paleontólogo no Museu de História Natural de Nova York e professor em Harvard, mas também teve uma carreira paralela prolífica como divulgador de ciência: escreveu centenas de textos para o público não especialista em sua coluna na revista Natural History.
No ano de 1972, em parceira com seu colega Niles Eldredge, Gould publicou um artigo apresentando uma ideia pouco ortodoxa no campo da biologia evolutiva, que ele batizou de equilíbrio pontuado.
Essa ideia constrastava com uma posição muito mais popular entre especialistas da área, o chamado gradualismo filético, o que rendeu a Gould uma boa dor de cabeça nas discussões com seus colegas.
Gould morreu em 2002, mas a polêmica permanece viva. Volta e meia, ainda saem artigos com conclusões favoráveis ou contrárias a suas ideias. Foi o caso desta última quarta (16), em que pesquisadores espanhóis publicaram seus resultados mais recentes sobre minhocas no periódico Nature Ecology & Evolution.
Para entender a importância desse artigo, precisamos voltar algumas páginas.
A seleção natural ocorre porque existe uma variabilidade natural entre os indivíduos de uma população qualquer de seres vivos – que podem ser animais, plantas, fungos, bactérias etc.
Alguns nascem com características boas para sobreviver em um certo habitat – como, por exemplo, um camelo muito bom em armazenar gordura nas corcovas. Enquanto isso, outros vêm de fábrica com traços deletérios. É uma má ideia, por exemplo, ser um camelo que sente muita sede.
Com o tempo, os indivíduos mais aptos acabam tendo mais bebês, que nascem com as mesmas características benéficas dos seus pais. De geração em geração, os traços positivos acabam aparecendo em cada vez mais filhotes, enquanto e os traços negativos vão sumindo. Isso muda o genoma e a cara da espécie como um todo.
Não há, porém, um momento exato no tempo em que se pode dizer que uma espécie se transformou em outra. Para entender por que, imagine que você organizou uma fila com todos os animais que existiram entre um lobo ancestral e um cachorro atual.
É evidente que espécimes mais antigos da fila parecerão mais com lobos, enquanto os mais recentes já terão a cara de pidão dos nossos cãozinhos. Mas a transição de um para o outro é como um degradê entre duas cores. No meio da fila, haverá um montão de bichos que são um claro meio-termo, talvez parecidos com huskies siberianos (rs).
Essa constatação de que evolução se dá de maneira gradual é justamente o que os biólogos chamam de… (rufem os tambores) gradualismo. É assim que Darwin propôs que a seleção natural atua – afinal, se trata de uma conclusão lógica –, e pouca gente da área discordou dele desde então.
A novidade de Gould foi propor que esse processo, na verdade, rola de maneira mais tropeçada. No modelo do equilíbrio pontuado, as espécies passam por longos períodos estáveis, sem o degradê biológico. Às vezes, porém, rola uma mudança brusca, que envolve vários genes simultaneamente e cria uma quebra clara entre duas gerações.
Feita essa explicação, vamos à notícia.
A equipe do Conselho Nacional de Pesquisas da Espanha (CSIC) e da Universidade Pompeu Fabra (UPF) começou sequenciando o genoma de minhocas comuns para compará-lo com o de dois parentes próximos desses anelídeos: sanguessugas e poliquetas. Isso permitiu inferir quais genes já estavam presentes no ancestral que todos esses seres rastejantes têm em comum: uma espécie (naturalmente, já extinta) que viveu há mais de 200 milhões de anos.
Essa é uma época interessante porque muitos anelídeos estavam saindo do habitat marinho e colonizando a terra firme, o que exige várias transformações no genoma. E o que os pesquisadores descobriram é que essas transformações ocorreram rápido demais para serem explicadas pelo gradualismo.
“A enorme reorganização dos genomas que observamos nos vermes à medida que eles se moviam do oceano para a terra não pode ser explicada pelo mecanismo parcimonioso proposto por Darwin; nossas observações estão muito mais em sintonia com a teoria do equilíbrio pontuado de Gould e Eldredge”, diz Rosa Fernández, que liderou o grupo.
“Todo o genoma dos vermes marinhos foi desmontado e reorganizado de forma completamente aleatória, em um período muito curto na escala de tempo evolutiva. Fiz minha equipe repetir a análise várias vezes, porque eu simplesmente não conseguia acreditar.”
É comum imaginar que uma espécie só consegue desenvolver novas características por meio de mutações genéticas que lhe dão novas capacidades. Mas reorganizar os genes dentro dos (e entre os) cromossomos permite novas interações entre eles, e os anelídeos têm uma plasticidade muito maior que a nossa nesse aspecto: é mais fácil embaralhar seu DNA sem maiores consequências
Essa descoberta demonstra que o equilíbrio pontuado tem potencial para explicar alguns episódios de rápida diversificação ou transformação da vida na Terra com que o gradualismo encara dificuldades. No final das contas, não precisa existir uma ideia certa e outra errada: dada a multiplicidade de habitas e genomas que existem, é provável que os dois processos possam ocorrer na natureza.
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Fonte: abril