Friedrich Merz, 69, advogado, casado, pai de três filhos, católico e milionário, está prestes a se tornar o próximo chanceler da Alemanha. Embora a campanha eleitoral seja marcada por episódios inusitados, nada indica que o resultado das eleições de 23 de fevereiro será uma surpresa. O que virá depois, no entanto, ainda é uma incógnita.
Com cerca de 30% das intenções de voto, a , partido de Merz, deve conquistar a maior bancada no Parlamento alemão e se tornar premiê. No entanto, ele precisará formar uma coalizão para garantir a maioria e, de fato, governar.
Se fosse um candidato tradicional, Merz estaria buscando alianças e suavizando desavenças. No entanto, entre os conflitos que marcaram a campanha, um dos mais significativos foi protagonizado pelo próprio concorrente.
Desde novembro, quando o atual premiê Olaf Scholz demitiu o ministro das Finanças e antecipou as eleições, o candidato conservador colecionou atritos com adversários, possíveis aliados e até integrantes de sua própria legenda.
Entre os diversos embates de Merz, um dos mais emblemáticos ocorreu com alguém que nem sequer está na disputa: Angela Merkel, que foi chanceler entre 2005 e 2021.
O ponto de discórdia mais recente aconteceu quando Merz propôs uma moção sobre imigração, que só poderia ser aprovada com o apoio da AfD, partido de direita que tem ganhado força no país.
A Alemanha tem enfrentado episódios de violência relacionados a imigrantes nos últimos meses, e Merz usou isso como justificativa para levar adiante a proposta, apesar de saber que dependeria da AfD para aprová-la. Com isso, quebrou um paradigma da política alemã do pós-guerra: nenhum partido tradicional havia, até então, negociado ou contado com votos da direita.
A moção foi aprovada, mas uma tentativa de repetir a estratégia com um projeto de lei fracassou depois de quase cinco horas de debate.
Merkel criticou publicamente a iniciativa e relembrou que o próprio Merz havia defendido, meses antes, o isolamento da AfD. Em resposta, ele argumentou que ignorar o problema da imigração apenas fortaleceria ainda mais o partido.
As pesquisas de opinião pareciam validar sua tese, mas dezenas de milhares de manifestantes tomaram as ruas em protesto. “Nós somos o Brandmauer”, gritavam no último fim de semana, em referência ao termo alemão para firewall, símbolo da barreira que os partidos democráticos mantêm contra a direita.
Neste sábado, 8, os protestos se repetiram. Somente em Munique, mais de 250 mil pessoas se reuniram para defender uma Alemanha “diversa, solidária e democrática”, segundo dados da polícia local.
Durante um evento promovido pelo jornal Die Zeit, na última quarta-feira, 7, Merkel voltou a criticar Merz. A situação virou meme quando, ao ser questionada sobre quem seria melhor chanceler, Merz ou Robert Habeck, do Partido Verde, ela evitou responder diretamente. Diante das risadas da plateia, Merkel cedeu: “Então eu tenho que dizer Merz”, afirmou. “Mas eu queria dar uma razão para isso.”
A relação conturbada entre os dois remonta aos anos 1990 e 2000, quando ambos emergiram como estrelas ascendentes da CDU. Merkel, vinda da Alemanha Oriental, sempre defendeu um Estado forte no social, enquanto Merz, oriundo da Alemanha Ocidental, adotou um perfil mais liberal na economia dentro do partido conservador.
Em 2002, Merkel consolidou seu domínio na CDU e, três anos depois, tornou-se a chanceler mais longeva do pós-guerra alemão. Escanteado, Merz abandonou a política em 2009 e enriqueceu no setor privado. Ele atuou no conselho de grandes empresas, incluindo o fundo de investimento BlackRock.
Ele retornou ao cenário político em 2018, justamente quando Merkel começou a planejar sua aposentadoria. Em 2021, já de volta ao Parlamento, assumiu a liderança da CDU e começou a distanciar-se das políticas de Merkel, criticando desde sua abordagem econômica até sua postura em relação à imigração.
No campo econômico, criticou:
- A dependência da Alemanha do modelo exportador;
- A falta de investimentos em inovação;
- A renúncia à energia nuclear, política associada aos Verdes.
Na política social, prometeu endurecer o controle imigratório e impulsionar a economia com redução de impostos para empresas e famílias, além da desburocratização e investimentos em tecnologia.
Ele também pretende suavizar a legislação ambiental e desacelerar a transição energética, propostas alinhadas às bandeiras populistas de conservadores e da direita em outros países europeus.
Em política externa, defende o envio de mísseis de longo alcance para a Ucrânia, algo que especialistas consideram um gesto simbólico, já que poderia agravar ainda mais o conflito com a Rússia.
Estilo político de Merz divide opiniões
Mais do que seu programa de governo, o que realmente distancia Merz de Merkel é seu estilo político.
Enquanto Merkel ficou conhecida por sua paciência, sua capacidade de construir consensos e seu cauteloso pragmatismo, Merz tem uma abordagem mais direta e impositiva, característica que desagrada parte do eleitorado alemão.
Setores do mercado financeiro e da imprensa veem com bons olhos seu discurso assertivo, especialmente depois de dois anos de estagnação econômica. No entanto, sua personalidade explosiva e os rompantes de impaciência preocupam aqueles que esperam um governo mais estável e conciliador.
A questão central agora não é se Merz será eleito – isso parece cada vez mais provável. A dúvida é se sua postura combativa vai ajudá-lo ou não quando estiver no poder e precisar governar de fato.
Fonte: revistaoeste