O que acontece com o Papai Noel quando o Natal acaba? Quando dezembro termina e o vermelho desaparece, muita gente imagina que tudo acaba ali. Mas é justamente longe do Natal que a rotina se intensifica e ganha ainda mais força.
Aos 70 anos, Clóvis Matos passa boa parte do ano longe do traje vermelho, mas jamais distante da missão que o transformou em um dos símbolos mais queridos de Mato Grosso. Conhecido como Papai Noel Pantaneiro, ele percorre estradas, rios, poeira e currais para entregar o que considera o maior presente possível: livros.
Há cerca de 20 anos, Clóvis atua como Papai Noel. A atividade começou de forma circunstancial, como uma alternativa de renda, e acabou se consolidando ao longo do tempo. Com os anos, o personagem deixou de ser apenas um trabalho temporário de fim de ano e passou a integrar a rotina que sustenta outras ações desenvolvidas por ele.
Segundo Clóvis, o papel foi se desenvolvendo naturalmente, sem cursos ou treinamentos específicos. A construção do personagem ocorreu na prática, ao longo dos anos, a partir da experiência direta com o público. Para manter a aparência, os cuidados são simples e fazem parte do dia a dia, como o uso de sabonete comum no cabelo e na barba, que hoje já fazem parte da identidade do personagem.
Para ele, o sentido do Natal está na solidariedade, que é capaz de mudar pessoas e impactar vidas. Veja recado do Papai Noel Pantaneiro no trecho abaixo:
Clóvis chegou em Cuiabá no ano de 1976 sem imaginar que nunca mais voltaria para Iporá (GO). Veio para prestar vestibular de Engenharia Elétrica e acabou ficando, não pela engenharia, mas pela cultura de Mato Grosso.
Pela timidez, encontrou no teatro da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) o caminho para se libertar da vergonha. Ali mergulhou na pesquisa cultural, conheceu o Siriri e o Cururu, virou bolsista, assumiu o Cineclube da universidade e, anos depois, ganhou o título de Mestre da Cultura Mato-grossense. “Eu era muito calado. O teatro me abriu pro mundo e pro Mato Grosso. Eu virei mato-grossense ali”, conta.
O livro como acesso
A história que começou na arte ganhou novo rumo quando Clóvis percebeu que o acesso aos livros ainda era um privilégio para poucos. A constatação veio no dia a dia, enquanto trabalhava em uma livraria, ao ver pessoas que passavam horas folheando obras inteiras sem poder levá-las para casa.
“Muita gente lia tudo ali mesmo, porque não tinha dinheiro para comprar”, relembra.
Foi ali que ele entendeu que o problema não era a desinteresse, mas a ausência de oportunidade. Leitor desde jovem, Clóvis passou a reunir o próprio acervo de 3 mil livros e começou a levá-los a comunidades onde bibliotecas nunca existiram, lugares distantes dos centros urbanos, onde o livro não chega.
A partir dessa experiência, a iniciativa ganhou forma. Em 2005, Clóvis criou o projeto Inclusão Literária, para levar livros a comunidades sem acesso à leitura. O trabalho começou de maneira independente, com recursos próprios e doações, e passou a organizar rotas, acervos e destinos atendidos.
Sem recursos fixos para manter o projeto em circulação, Clóvis passou a utilizar o trabalho como Papai Noel como forma de sustentar a iniciativa.
A atuação no período natalino garantiu renda para cobrir despesas básicas e viabilizar a logística do Inclusão Literária, como transporte, manutenção dos livros e deslocamentos ao longo do ano. “Eu virei Papai Noel para me sustentar e ter condições para o Inclusão Literária. Quando entendi que podia usar isso para ajudar, nunca mais parei”, contou.
Com o tempo, a entrega de livros deixou de ser pontual e virou rotina. Clóvis passou a organizar viagens, responder pedidos e atravessar estradas de chão, rios e áreas isoladas para colocar a leitura nas mãos de crianças, jovens e adultos. “Quanto mais difícil é chegar, mais eu gosto. Porque lá ninguém leva nada”, diz.
Com o passar dos anos, o trabalho ganhou reconhecimento nas comunidades por onde ele passou. Clóvis ouviu relatos, atendeu pedidos e passou a ser procurado por locais que viam nos livros uma oportunidade de acesso à leitura. “Eu não quero nada pra mim. O retorno é o sorriso de quem recebe um livro. Essa é a minha vida”, conta.
Por trás da fantasia
Clóvis já não atua mais em shoppings, uma decisão pessoal. Após anos cumprindo jornadas de até oito horas por dia durante quase 49 dias seguidos no período natalino trabalhando, ele optou por reduzir o ritmo e priorizar a saúde e a convivência familiar.
Atualmente, divide a rotina entre a organização do projeto Inclusão Literária, entregas pontuais e o papel de avô, que considera parte central da própria vida. “Meu compromisso agora é com a minha neta. Quero acompanhar o crescimento dela. É um tempo bom, tanto pra mim quanto para ela”, disse.
Longe do Natal, o trabalho continua. Clóvis atende demandas de comunidades, mobiliza doações, organiza rifas e percorre regiões de difícil acesso, locais que, segundo ele, costumam ficar fora das rotas tradicionais de atendimento.
Se no Natal ele veste o vermelho, nos outros 11 meses Clóvis veste a missão. É leitor, voluntário, avô, contador de histórias, servidor aposentado da UFMT, mestre da cultura e companheiro de estrada.
Clóvis construiu um trabalho contínuo, que atravessa o calendário e chega a lugares onde o acesso à leitura ainda é raro. O Papai Noel aparece em dezembro. O compromisso com os livros permanece o ano inteiro.
Veja a história completa do Clóvis Matos, o Papai Noel Pantaneiro, no vídeo abaixo:
Fonte: primeirapagina






