As filmagens, em sua maioria noturnas, percorrem espaços simbólicos como o Museu de Imagem e do Som (Misc), a antiga Casa do Artesão e a rua Sete de Setembro, além de passarem por trechos da estrada para Chapada dos Guimarães e uma chácara às margens do Rio Coxipó.
O filme é uma adaptação do livro “O Portão do Inferno – Casos Arquivados”, escrito por Jefferson Neves. Em uma das salas do Misc, foram posicionados detalhes de figurino e cenografia da minissérie, como os vestidos e ternos, alguns usados pelo casal Lucinda e Jorge Porto, os grandes vilões da história, para uma coletiva de imprensa nesta terça-feira (26).
Jefferson explicou que a ideia de escrever o livro, publicado pela editora Entrelinhas em 2021, nasceu do forte presença dos mistérios que envolvem o Portão do Inferno no imaginário dos cuiabanos. “Cresci ouvindo sobre corpos que nunca foram encontrados, que não tinha fundo, lembro que eu achava que era o inferno mesmo”.
A minissérie, dirigida por Marchetti e roteirizada pelo escritor e músico Jefferson Neves, adapta o livro homônimo publicado em 2021. Neves, que também assina a trilha sonora original, mergulhou na Cuiabá da década de 1940 e encontrou histórias de assassinatos nunca solucionados, em que as vítimas tinham algo em comum: eram socialmente invisíveis.
“Prostitutas, empregadas domésticas, meninos em situação de rua”, descreve o escritor.
“O que me chamou atenção foi o silêncio, foram as vozes silenciadas, porque sabia-se ‘fulana foi morta, sumiu’. Comecei a observar porque tinham sumido, era uma prostituta, um menino de rua… Eram pessoas descartadas daquele contexto. Como em casos da emprega que engravidou do patrão, por exemplo. As vozes silenciadas me motivaram a escrever. Essas almas voltam e aparecem na minissérie para mostrar e contar o que aconteceu elas”, continuou.
Foi nesse mesmo espaço que os convidados ouviram a atriz Maria Zilda, rosto consagrado da televisão e do cinema brasileiros, falar sobre o desafio de viver Lucinda Porto. Ao entrar, foi anunciada como “diva” pelo diretor Luiz Marchetti. Ela riu, agradeceu, e não contestou: “Esse personagem foi um presente”, disse sobre a antagonista da história.
Artista plástica, servil ao marido violento e corroída pela frustração de nunca ter conseguido ter filhos, Lucinda se entrega à maldade como quem encontra no ódio um substituto para o amor. “É um casal de psicopatas”, resumiu Maria Zilda.
“Sempre tento arrumar um motivo para justificar a minha personagem, ao longo desses 52 anos de carreira tenho feito isso. Sempre que faço uma vilã, ela tem algum motivo para ser assim: amor, medo ou trauma. Então, acho que ela é psicopata, sim, mas tem essa perda fatal da vida dela que demonsta o pouco de amor que ela podia ter. É como você tirar de alguém a única coisa que ela poderia amar. Só sobrou tristeza, raiva, vingança e ódio. Mas permanece a parte artística.
No porão da antagonista Lucinda, onde ela pinta telas sombrias, repousam as obras reais do artista plástico mato-grossense Gonçalo Arruda. São peças que exploram divindades católicas, céu e inferno, em uma estética surrealista. Uma delas, que retrata o Portão do Inferno, inspirou o cartaz de divulgação da minissérie.
A construção de Lucinda, personagem vivida por Maria Zilda na minissérie, foi pensada a partir de uma pesquisa sobre as camadas emocionais de uma mulher que perdeu o sentido da vida após o filho ser devolvido ao orfanato pelo marido carrasco.
“Na cabeça dela, ela perdeu o que significava vida para ela, então ela juntou essa maldade do casal e ‘pirou’. Quer dizer, a vida para ela não tem mais sentido, se ela não pode ter o que mais amava, então ela vai destruir a vida alheia. Isso é uma psicopatia. Sem dúvida nenhuma, é um casal de psicopatas, então juntou a fome com a vontade de comer e deu no que deu”.
Enquanto isso, do lado de fora do MISC, o calor cuiabano, minimizado por uma onda de frio que chegou no final de semana, impressionou Maria Zilda. “O calor daqui é torturante. No Rio é quente, mas tem brisa. Aqui não. Mas vim porque achei que era um personagem que me daria trabalho, do jeito que eu gosto”, disse.
“Cuiabá eu conhecia de passagem com o teatro, fiquei profundamente emocionada com a gentileza desse povo. Vocês cuiabanos são de uma doçura e de uma delicadeza impressionante. Parece que estamos em outro país. A equipe é espetacular”, continuou a atriz.
Sentada ao lado de Maria Zilda, a cantora e compositora Vera Capilé, que interpeta a personagem Amélia na segunda fase da minissérie, define que conhecer a atriz foi “um encontro de almas”. Exausta após dois dias de gravação em que precisou interpretar cenas fortes de tortura, como explicou Maria Zilda durante a coletiva, pensou em ficar reclusa no hotel para descansar, mas resolveu atender ao chamado de Vera Capilé.
“Foi muito bom e está sendo muito bom, já estou no final das minhas gravações. É um personagem realmente bastante denso. Eu e Milena, que é como uma sobrinha, o pai dela se criou com a gente. Foi muito bom encontrar a Maria Zilda, foi um encontro de almas, desde o primeiro dia, não tinha gravação e vim para conhecê-la. Somos meio místicas, deu certo”.
A atriz Millena Machado, consagrada pelas artes cênicas, especialmente pelo teatro de formas animadas, divide a interpretação da protagonista Amélia com Vera Capé, reconhecida por sua atuação na música mato-grossense, fortalecendo o universo multiartístico da minissérie
A produção, que mobiliza mais de 70 pessoas diretamente, filma entre Cuiabá e Chapada dos Guimarães até setembro. Com estreia prevista para dezembro, O Portão do Inferno – Casos Arquivados se anuncia não apenas como uma minissérie, mas como um acontecimento artístico que entrelaça audivisual e memória social.
Com quatro episódios e estreia prevista para dezembro deste ano, O Portão do Inferno é uma experiência audiovisual sensorial e política. A narrativa se desdobra entre os anos 1940 e tempos mais atuais, a partir de crimes reais investigados em arquivos históricos e transformados em ficção. O roteiro não linear constrói um quebra-cabeça de imagens e silêncios, onde passado e presente se atravessam e assombram mutuamente.
A atmosfera noir e o uso da estética barroca inspirada em Caravaggio ajudam a moldar o tom sombrio da trama, que investiga os limites da justiça, da memória e da identidade social. Para tanto, a Direção de Fotografia é assinada pelo premiado Luís Abramo, enquanto a Direção de Arte e Cenografia são elaboradas por Douglas Peron e Jefferson Keese.
O projeto foi contemplado pelo edital nº 03/2023 – Cinemotion e é realizado pelo CALM, pela Secel/MT e pela LPG/Ministério da Cultura/Governo Federal.
Produção: Centro Audiovisual Luiz Marchetti
Direção: Luiz Marchetti
Roteiro e Trilha Sonora: Jefferson Neves
Direção de Fotografia: Luis Abramo
Direção de Arte e Cenografia: Douglas Peron e Jefferson Keese
Direção de Elenco: Caio Ribeiro
Produção Executiva: Daniela Arantes
Técnico de Som: Paulo Monarco
Fotos still e making of: Zadoque Nathan
Maquiagem: Wenni Justo
Figurino: Bruno Custódio
Fonte: Olhar Direto