Em termos simples, o multilateralismo é a cooperação entre múltiplos países para tratar questões globais — comércio, segurança, meio ambiente — por meio de instituições como a ONU ou a OMC. É o oposto do unilateralismo e do protecionismo: decisões regionais que envolvem várias partes. Essa visão é o fio condutor da diplomacia de Luiz Inácio Lula da Silva, embora por vezes carregada de contradições.
A recente viagem do petista ao Chile e sua participação na cúpula “Democracia Sempre”, em Santiago, vendidas como um símbolo de liderança global progressista, serviram de plataforma para reforçar o discurso multilateralista.
Ao lado de líderes como o anfitrião, Gabriel Boric; Gustavo Petro, da Colômbia; e Pedro Sánchez, da Espanha, Lula assinou manifesto para combater a desinformação, desigualdades e as narrativas da chamada “ultradireita”. A agenda exalta a cooperação democrática, mas, para quem observa do espectro da direita, soa como um clube ideológico.

No início deste mês, o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou que, a partir de agosto, seu país cobraria tarifas de até 50% sobre produtos brasileiros, incluindo soja, carne, café e os da indústria aeroespacial.
Em visita à Rússia, Lula acusou Trump de transformar a política comercial em uma “briga pessoal com a China” e declarou que suas decisões unilaterais são incompatíveis com a diplomacia multilateral. Sem citar o nome do mandatário norte-americano, Lula escreveu, em artigo em nove jornais internacionais, que o “tarifaço desorganiza cadeias de valor” e ameaça a economia global com inflação e estagnação.
Apesar do discurso, o governo reage com medidas defensivas: ameaças de tarifas recíprocas, consultas formais à OMC e, agora, um plano emergencial de apoio a empresas brasileiras afetadas, via linhas de crédito. O anúncio foi de responsabilidade do ministro da Fazenda, Fazenda Haddad.
No âmbito dos Brics (sigla que compreende Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), — grupo que se expandiu recentemente para incluir Egito, Etiópia, Irã, entre outros — Lula defende a ideia de moeda comum ou sistema de pagamentos próprio, como o Brics Pay, para reduzir dependência do dólar nas transações.
Enquanto isso, Trump ameaçou aplicar tarifas de 100% ou mais contra países que tentassem esse caminho. Em outras palavras, o Brasil propõe uma alternativa solidária e desconectada do dólar — ao mesmo tempo em que depende das próximas negociações com os EUA para evitar um colapso no comércio.
Ao mesmo tempo em que critica o unilateralismo norte-americano, Lula reforça alianças com regimes autoritários, como o de Putin e o de Xi Jinping, os quais têm postura complexa em temas como democracia, direitos humanos e liberdade de imprensa.
O cientista político Hussein Kalout, pesquisador de Harvard e ex-secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, avalia que o esforço do presidente Lula para reposicionar o Brasil como protagonista global por meio do multilateralismo enfrenta resistências externas e desafios narrativos.
Segundo Kalout, embora a intenção de fortalecer fóruns como os Brics e o G20 seja legítima, a posição do Brasil tem gerado desconfiança entre aliados ocidentais. “Na visão de parceiros estratégicos do Brasil no mundo ocidental, o país tem sido uma voz ativa na construção de uma coalizão, digamos, antiocidental”, afirmou. Para ele, cabe ao governo brasileiro “demonstrar que isso não é verdade”, sob risco de ver comprometido seu objetivo de atuar como mediador legítimo e voz respeitada em uma nova ordem multipolar.
Assim, o multilateralismo lulista é uma bandeira política — usada como contraponto à política externa dos EUA e como plataforma simbólica em fóruns internacionalmente visíveis. Um multilateralismo de retórica elevada, mas cujas conveniências políticas e comerciais acabam por expor suas fraquezas.
Fonte: revistaoeste