Há uma semana, a comunidade brasileira de homeschooling foi surpreendida com três decisões judiciais desfavoráveis, a manutenção da condenação no Caso Cichelero com fundamentação baseada em achismos, a condenação de Suzy e a multa processual enfrentada por Fernanda Regges, mãe educadora que resistiu à violação do direito do ensino domiciliar. Quero voltar a sua atenção a este último caso.
Fernanda, mãe paranaense preocupada em fornecer a melhor formação e ensino aos filhos, inclusive com professores selecionados para cada disciplina, foi condenada a matriculá-los numa escola sob pena de multa de R$ 20 mil, que deveria ser paga em cinco dias, com prazo final em 1º de setembro.
O julgamento foi injusto e a força-tarefa do Ministério Público, que mobilizou uma investigação interestadual, entrando em contato com antigos vizinhos e membros da antiga escola das crianças ignorou por completo o objetivo de um processo familiar: a análise das relações pessoais entre as partes e o cumprimento da lei. A Constituição Federal, no art. 226, declara que o Estado tem como fundamento a união de famílias e que, por este mesmo motivo, de servirem de base à sociedade, devem possuir proteção especial.
A promotora, ávida em encontrar alguma situação capaz de desabonar a conduta dos pais da família Regges de fornecerem um ensino de qualidade na forma domiciliar, entorpecida pelo desejo de condená-los ao crime de amarem demais os filhos, acabou se afastando da função que assumiu de fiscal do interesse de incapaz. No ordenamento jurídico, há um princípio importante que deve ser levado em conta em qualquer Ação que envolva menor de idade, o do melhor interesse da criança. Neste caso, ainda que Maitê e Felipe tenham sido ouvidos por uma psicóloga do Tribunal, o interesse deles não foi levado em conta.
Para a juíza, não importa se Fernanda é uma mãe responsável, se ela escolheu a dedo excelentes professores, se cria seres humanos responsáveis, cordiais e independentes ou se a lei permite a opção pelo ensino domiciliar. Afinal, se os ministros da mais alta corte podem editar um país inteiro, por que ela não pode editar a própria jurisdição?
Quando os garantistas utilizam a infração administrativa de matricular os filhos na rede regular de ensino, prevista no art. 55 do ECA, eles ignoram que o Direito é uno e que deve ser interpretado como um todo, levando-se em consideração, todas as vezes, o parâmetro constitucional. Para que um ministro aponte a inconstitucionalidade de uma lei, deve-se levar em conta se ela está de acordo com a Constituição. Se não há limitações, ao contrário, se a nossa Carta Magna declara a liberdade de ensino, de aprendizagem e de concepções pedagógicas (art. 206, II e III), tal infração administrativa deverá ser analisada sob a seguinte perspectiva subsidiária: se os pais não optaram pelo ensino domiciliar e não matricularam os filhos na rede regular de ensino ou se ao afirmarem ter optado e não ter comprovado a prática, tampouco comprovado a matrícula, este dispositivo será aplicado.
Quando um magistrado decide manter a condenação de matrícula em um caso de ensino domiciliar e fundamenta a decisão com a indispensabilidade da escola na vida dele ou no fato de manter com os ex-colegas um grupo de Whatsapp, como ocorreu no Caso Cichelero, fica nítida a intenção de utilizar o aparato estatal em benefício das próprias crenças ou ideologias.
Refletindo sobre estes casos, me lembro do caso do bolo de cenoura. Se você não conhece, deixe eu te contar. Certa vez, num belíssimo dia comum escolar, uma garotinha, que aqui apelidarei de Francisca, foi flagrada na hora do lanche consumindo um tentador bolo de cenoura com cobertura de chocolate. Frederico, um coleguinha que vive em função dele mesmo, notou o acinte e logo denunciou o caso.
Acontece que naquele dia, segundo o regramento nutricional mandatório da escola, era dia de canjica. Como ele poderia comer uma iguaria junina enquanto a colega se deliciava com chocolate e tudo? O resto é história: Flora, a mãe de Frederico, se envolveu, teve reunião da mãe de Francisca com a diretoria escolar, com a Secretaria Municipal de Educação e o caso foi parar na televisão. Mas não acaba aí, o caso também foi parar na justiça. Como a mãe de Francisca ousa ignorar o cardápio mandatório estipulado pela escola?
Em meio a esse caos, o que mais surpreende não é o fato de uma mãe decidir o que o filho levará de lanche para a escola ou se ele consumirá o lanche ofertado pela rede pública de ensino. O que mais me causou estranhamento foi o fato de a Secretaria Municipal de Educação ter protocolado uma Ação contra a atitude da mãe da menina.
Você poderia até achar aceitável que o Estado te diga como e te forneça as opções permitidas de ensino, mas consegue admitir que as coisas começam a ficar um pouco tenebrosas quando ele determina como você deve alimentar os seus filhos?
Quem estes nobres funcionários públicos acham que são para acreditar que possuem o direito de ditar como uma mãe ou um pai deve ensinar, alimentar ou criar os filhos? Sabe o que mais causa espanto ao fim e ao cabo? É que a Justiça enxerga bem e o povo está vendado.
Isadora Palanca é escritora, ghost writer e revisora, com formação em Direito, mediação e especialização em Direito e Processo Civil. É autora dos best-sellers da Amazon: “Ensino domiciliar na política e no direito”, “Regulamentações do ensino domiciliar no mundo” e “AFESC: em defesa do ensino domiciliar”, e procura famílias que pratiquem homeschooling para o próximo livro.
Fonte: gazetadopovo