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Julgamento no STF reforça combate a notícias falsas sobre urnas eletrônicas

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O julgamento do chamado núcleo de desinformação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) pode marcar a criação de uma jurisprudência inédita sobre “fake news” e desinformação sobre as urnas eletrônicas e o sistema eleitoral brasileiro.

A Corte iniciou na terça-feira (14), o julgamento dos sete réus do chamado núcleo 4 da suposta tentativa de golpe de Estado, acusados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de organizar ações de desinformação sobre o processo eleitoral de 2022 e de promover ataques virtuais a instituições e autoridades. 

Caso o STF condene os réus do chamado núcleo de desinformação, será a primeira vez que a Corte criminalizará a desinformação contra o sistema eleitoral e as urnas eletrônicas. Tal decisão deve servir como precedente para futuros processos, permitindo a responsabilização penal de quem propagar notícias falsas relacionadas ao processo eleitoral.

Entre 2021 e 2023, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) formou uma jurisprudência para condenar a conduta no âmbito eleitoral, ou seja, declarando a inelegibilidade de políticos que disseminavam desconfiança sobre as urnas e o processo eleitoral. O primeiro caso foi o do deputado estadual Fernando Francischini (PSD-PR) e o mais emblemático o do ex-presidente Jair Bolsonaro, por causa da reunião com embaixadores em que lançou dúvidas sobre o sistema de votação.

Agora, a conduta pode ser criminalizada, ou seja, com pena de prisão.

De acordo com o professor de Planejamento e Políticas Públicas do Ibmec Brasília, Jackson De Toni, o STF criará um precedente que reconhece juridicamente a desinformação como instrumento de ataque à democracia — não apenas como ato isolado de opinião. “Isso pode configurar o marco inaugural da jurisprudência brasileira sobre responsabilização penal pela desinformação sistemática”, afirmou De Toni. 

Na avaliação do advogado criminalista Bruno Gimenes Di Lascio, no entanto, trata-se da criação de uma “jurisprudência que deturpa a lei penal e ainda pratica uma analogia maléfica ao acusado, o que é ampla e internacionalmente vetado”. “Disseminar informações, quaisquer que sejam elas, não é meio hábil de se praticar o núcleo do crime (de tentar depor o governo com violência)”, argumenta Di Lascio, em referência ao crime de golpe de Estado, um dos que foram imputados aos réus.

A acusação envolve militares e civis acusados dos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça, além de deterioração de patrimônio tombado. 

Os réus são: 

  • Ailton Gonçalves Moraes Barros (major da reserva do Exército) 
  • Ângelo Martins Denicoli (major da reserva do Exército) 
  • Giancarlo Gomes Rodrigues (subtenente do Exército) 
  • Guilherme Marques de Almeida (tenente-coronel do Exército) 
  • Reginaldo Vieira de Abreu (coronel da reserva do Exército) 
  • Marcelo Araújo Bormevet (policial federal e ex-membro da Abin) 
  • Carlos Cesar Moretzsohn Rocha (engenheiro e presidente do Instituto Voto Legal) 

Na denúncia, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, afirmou que esse núcleo “fabricou e disseminou narrativas falsas contra o processo eleitoral, os Poderes constitucionais e as autoridades que os representam, fazendo nascer e crescer a instabilidade social necessária para a ruptura institucional”. Além disso, os réus teriam usado ataques virtuais para pressionar os comandantes das Forças Armadas a aderir ao suposto plano de golpe e conduzido uma campanha contra o sistema eleitoral.

A tese da PGR é que a disseminação dessas mensagens nas redes sociais e em grupos de WhatsApp influenciaram a turba que invadiu e depredou o STF, o Congresso e o Palácio do Planalto em 8 de janeiro de 2023 – ato que, segundo centenas de decisões já proferidas pela Corte, caracterizou uma tentativa de golpe e de abolição do Estado Democrático de Direito.

O que dizem as defesas dos acusados

A imputação de crimes relacionados ao sistema eleitoral ou a disseminação de informações falsas é atribuída a cada um dos acusados por condutas diferentes.

No caso do ex-militar Ailton Barros, a acusação da PGR relaciona-se a mensagens de WhatsApp que teria recebido do general Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e candidato a vice-presidente em 2022, para ofender comandantes que resistiam a apoiar a suposta tentativa de golpe. 

Na terça-feira (14), durante a sustentação oral diante da Primeira Turma do STF, o defensor público Gustavo Zorteia da Silva alegou que não há provas de que Ailton tenha atendido a esses pedidos.

Ailton também foi acusado por causa de uma postagem na rede X, em 19 de dezembro de 2022, em que mencionava “a hora da onça beber água”. Para a defesa, a publicação seria voltada ao marketing político com fins de engajamento, sem intenção golpista. “Não há uma incitação expressa a golpe de Estado. E não se pode presumir que a intenção do réu fosse estimular o golpe se o conteúdo da mensagem nada indica esse respeito”, disse Zorteia. 

O major da reserva do exército Ângelo Martins Denicoli, citado por investigadores como figura-chave na propagação de desinformação eleitoral, é acusado de ter vínculo com o argentino Fernando Cerimedo, responsável por um vídeo em que a integridade das urnas eletrônicas brasileiras é questionada. 

No julgamento, o advogado Zozer Araújo disse que Denicoli apenas encaminhou o contato de Cerimedo por WhatsApp, a pedido de terceiros, e acessou a pasta do argentino no Google Drive dias depois da realização da live. “Esses fatos, isoladamente, não podem ser tomados como prova de participação criminosa”, argumentou. 

A denúncia indica ainda que outro réu, o subtenente do Exército Giancarlo Gomes Rodrigues atuou na chamada “Abin paralela”, usando a estrutura da Agência Brasileira de Inteligência para monitorar opositores e buscar informações que lançassem suspeitas sobre ministros do STF e com isso criar “instabilidade social” e “enfraquecer instituições”. 

A advogada Juliana Malafaia afirmou que Giancarlo teria apenas encaminhado mensagens já existentes na internet, acreditando serem verdadeiras. “A denúncia não descreve conduta alguma que se enquadre nos tipos penais imputados”, disse.

Guilherme Almeida, tenente-coronel do Exército, por sua vez, foi acusado pela PGR de promover uma “guerra informacional” contra o processo eleitoral. Em áudio divulgado pela PF, o militar teria sugerido que Bolsonaro e aliados deveriam “sair das quatro linhas (da Constituição)” para viabilizar a suposta tentativa de golpe de Estado após a derrota nas eleições de 2022. 

O advogado Leonardo Coelho Avelar alegou que Almeida limitou-se a encaminhar links em conversas privadas no WhatsApp. Destacou que, pelas regras técnicas do WhatsApp, mensagens de listas só chegam a quem tem o número do remetente salvo na agenda e que a acusação sequer provou recebimento das mensagens. Para a defesa, o simples envio dos links, afasta a tese de “disseminação em massa”. 

No caso do coronel do Exército Reginaldo Vieira de Abreu são atribuídas apenas mensagens privadas extraídas do celular do então secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência da República, general Mário Fernandes. À época dos fatos, o coronel exercia o cargo de chefe de gabinete de Fernandes. 

O advogado Diego Ricardo Marques afirmou que Abreu nunca teve aparelhos apreendidos, destacando que as mensagens utilizadas pela acusação são de terceiros. “Foram mensagens infelizes, sim, mas trocadas de forma privada com um amigo, sem qualquer intuito de incitar ou mobilizar terceiros”, afirmou. 

Marcelo Araújo Bormevet, policial federal e ex-membro da Abin, é apontado pela acusação como um dos integrantes de célula paralela na Abin que teria realizado pesquisas no FirstMile, software que fornece a localização de celulares. 

O advogado Hassan Souki disse que ele apenas pesquisou o quadro societário de uma empresa, após circular nas redes uma notícia falsa que já associava a empresa a ministros do STF. Segundo o advogado, o envio de tais dados a um perfil de baixa expressão no Twitter (“Veritas Bureau”) não teria relevância, pois os fatos e a desconfiança sobre o sistema eleitoral já existiam e continuariam a ocorrer “mesmo se ele nada tivesse feito”.

“Não existe nos autos uma única mensagem em que ele defenda o uso de violência, tampouco que demonstre consciência de participar de um complô”, disse o defensor. 

Ao tratar do engenheiro e presidente do Instituto Voto Legal (IVL), Carlos Cesar Moretzsohn Rocha, a acusação aponta que ele teria produzido relatórios com dados classificados como falsos para embasar representação eleitoral ajuizada por Jair Bolsonaro no TSE para anular votos do segundo turno.

Rocha teria assinado relatório “com sabida e desejada deturpação de dados” para sustentar judicialmente a tese de fraude, servindo à narrativa de que o resultado das eleições de 2022 não deveria ser respeitado. 

O advogado Melillo Dinis do Nascimento disse que o engenheiro foi contratado pelo Partido Liberal (PL) para realizar análise técnica sobre as urnas eletrônicas, sem qualquer ingerência na divulgação pública de conclusões políticas. Em sua sustentação oral, Dinis destacou que não há nos autos mensagens, publicações ou comunicações atribuídas ao réu que indiquem envolvimento em condutas fraudulentas.

O advogado também frisou que nenhum relatório do instituto mencionou fraude no sistema eleitoral e que o próprio réu, em depoimentos e audiências, reiterou a inexistência de qualquer irregularidade. 

Impacto sobre futuros casos 

Especialistas em direito penal apontam que o julgamento se trata de um divisor de águas. Se houver condenação, estabelece-se o entendimento no STF de que propagar fake news, especialmente questionando a lisura do processo eleitoral, constitui um atentado criminoso contra o Estado Democrático de Direito. Assim, a decisão da Corte poderá orientar tribunais e juízes em todo o país em situações semelhantes. 

O professor de Planejamento e Políticas Públicas do Ibmec Brasília, Jackson De Toni explica que fixação dessa jurisprudência terá impactos em três dimensões principais: institucional, normativa e cultural e dissuasiva. No que diz respeito à dimensão institucional, a decisão fortalecerá a posição do STF e do TSE como garantidores da integridade do processo eleitoral. “Reforça a noção de que atacar a credibilidade das urnas é atacar o próprio Estado Democrático de Direito”, explica De Toni.  

Na dimensão normativa, o impacto da provável jurisprudência aberta pelo STF está no fato de que a decisão servirá de base para tribunais inferiores e juízes eleitorais. De acordo com De Toni, as instâncias inferiores “passarão a reconhecer gravidade de condutas digitais organizadas de desinformação, ainda que sem necessidade de novas leis específicas”.

Neste ponto, o advogado criminalista Bruno Gimenes Di Lascio alerta que a “formulação de um ‘precedente’, em sentido amplo, é o pontapé que permitirá a qualquer jurisdição brasileira alvejar cidadãos com a mesma tese”. 

No que diz respeito aos impactos culturais e dissuasivos, o professor do Ibmec Brasília enfatiza que deve ocorrer um “efeito pedagógico”, limitando a impunidade de campanhas coordenadas de mentiras e ataques à Justiça Eleitoral.

STF pode contornar veto em legislação ao punir acusados

Em 2021, ao sancionar a lei que definiu os crimes contra o Estado Democrático de Direito, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) vetou um artigo que criminalizava espalhar desinformação sobre o processo eleitoral.

O veto imposto por Jair Bolsonaro ao artigo que criminalizava a “comunicação enganosa em massa” se baseou no argumento de que o texto era vago e impreciso, gerando insegurança jurídica.

Segundo a justificativa, não ficava claro quem seria responsabilizado — o autor da desinformação ou quem apenas a compartilhasse —, nem como se definiria o que é “fato inverídico”. Isso abriria espaço para interpretações subjetivas e poderia dar ao Estado poder excessivo de decidir o que é verdade, criando o risco de censura. 

Além disso, o veto apontou que a criminalização genérica da desinformação poderia restringir o debate político e a livre circulação de ideias, princípios considerados essenciais ao Estado Democrático de Direito.

Dessa forma, o governo alegou que, embora o objetivo fosse proteger a integridade do processo eleitoral, a medida teria o efeito contrário de enfraquecer a liberdade de expressão e o pluralismo no ambiente político. 

Permaneceu na lei um dispositivo que impede a criminalização de críticas a autoridades. “Não constitui crime previsto neste Título a manifestação crítica aos poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais”, diz a lei.

Fonte: gazetadopovo

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