📝RESUMO DA MATÉRIA

  • O butirato, produzido pelas bactérias intestinais quando fermentam as fibras alimentares, atua como uma molécula de sinalização no eixo intestino-cérebro, influenciando o estresse, a tolerância à dor, a imunidade e a saúde do cérebro.
  • Por meio de múltiplos mecanismos, incluindo a inibição de enzimas específicas e a regulação da via NF-κB, o butirato reduz a neuroinflamação e protege contra condições neurodegenerativas como Alzheimer e Parkinson.
  • O butirato influencia os principais neurotransmissores, incluindo GABA, serotonina e dopamina, ao mesmo tempo que aumenta o fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), que apoia o crescimento neuronal e a função cognitiva.
  • O nervo vago atua como uma via de comunicação entre o intestino e o cérebro, transmitindo sinais sobre os níveis de butirato que afetam a regulação do humor, a resposta ao estresse e a função imunológica.
  • Otimizar a saúde intestinal por meio de fibras alimentares e alimentos fermentados caseiros ajuda a promover a produção de butirato e a manter uma conexão saudável entre o intestino e o cérebro.

🩺Por Dr. Mercola

O butirato, um ácido graxo de cadeia curta (AGCC) produzido no cólon por meio da fermentação bacteriana das fibras alimentares, é um subproduto metabólico que nutre os colonócitos (ou seja, as células que revestem o cólon). Ele também é uma importante molécula de sinalização dentro da complexa rede de comunicação entre o intestino e o cérebro, conhecida como eixo intestino-cérebro.

Conforme explicado em um artigo publicado na Nutrients, o eixo intestino-cérebro é um sistema de comunicação bidirecional que envolve uma interação dinâmica de vias neurais, hormonais, imunológicas e metabólicas, permitindo uma troca constante de informações entre o trato gastrointestinal e o sistema nervoso central.

A troca de informações entre o intestino e o cérebro afeta uma série de funções, desde o estresse e a tolerância à dor até a imunidade, a função cerebral e até mesmo o humor.

O papel do butirato no combate à neuroinflamação

Quando a inflamação no cérebro (neuroinflamação) se torna crônica, ela causa danos neuronais, disfunção sináptica e, por consequência, declínio cognitivo. A neuroinflamação é bastante reconhecida como um fator-chave no desenvolvimento e na progressão de uma ampla gama de doenças neurodegenerativas, incluindo a doença de Alzheimer, a doença de Parkinson e a esclerose múltipla.

Nesse contexto, os pesquisadores buscaram entender como o butirato, que se origina no intestino, promove a saúde do cérebro.

Em uma meta-análise publicada na Neuroscience Letters, pesquisadores levantaram a hipótese de que o butirato é capaz de promover a saúde do cérebro devido aos seus diversos modos de ação que influenciam o eixo intestino-cérebro. Eles propuseram que o butirato produzido pela fermentação de fibras alimentares pode fortalecer a saúde das mitocôndrias localizadas no cérebro. Segundo os pesquisadores:

“Embora os eventos metabólicos no cólon possam parecer desconectados dos que ocorrem no cérebro, é importante considerar as imensas demandas energéticas do cérebro e a dishomeostase energética que ocorre no cérebro em muitas doenças neurológicas. Talvez o exemplo mais citado seja a redução da utilização de glicose no cérebro de indivíduos com Alzheimer, o que ocorre nos estágios iniciais da doença e muito antes da perda de memória …

Entretanto, levantamos a hipótese de que, se níveis suficientes de butirato pudessem ser alcançados no cérebro, o butirato poderia atuar como um substrato energético, como no cólon, e restaurar a homeostase energética…”

Os autores também destacaram os perigos da redução da disponibilidade de glicose no cérebro, que “acredita-se que contribua para a disfunção mitocondrial em doenças neurológicas agudas e crônicas”. Essas descobertas reforçam o que já escrevi antes, que são os perigos para a saúde de seguir uma dieta com baixo teor de carboidratos, já que seu corpo precisa de carboidratos para funcionar de forma ideal.

Com base nas evidências revisadas pelos pesquisadores, o butirato ativa o GPR109a (um receptor acoplado à proteína G encontrado na superfície das células), que pertence à maior família de receptores acoplados à proteína G (GPCRs). Esse receptor está presente nos colonócitos (células que revestem o cólon) e nas células T (células do sistema imunológico) e, quando essa proteína específica é expressa, ela desencadeia a morte celular programada (apoptose) em células de câncer de cólon humano.

Uma análise mais aprofundada da capacidade do butirato em inibir a neuroinflamação

O butirato também inibe vias de sinalização pró-inflamatórias, como a via do fator nuclear kappa B ativadas (NF-κB), um regulador central da inflamação. Conforme explicado no artigo da Neuroscience Letter:

“O tratamento com β-hidroxibutirato induziu efeitos anti-inflamatórios em modelos in vitro e in vivo da doença de Parkinson por meio da ativação do GPR109a e da regulação negativa da ativação de NF-κB. Os neurônios também foram protegidos contra lesões induzidas por LPS [nota do editor: induzidas por endotoxina] e melhoraram os resultados comportamentais nos modelos animais”.

Ao inibir a ativação do NF-κB, o butirato reduz a produção de mediadores inflamatórios como as citocinas, que promovem disfunção sináptica e contribuem para a piora da saúde do cérebro. O butirato também interage com enzimas específicas conhecidas como histonas desacetilases (HDACs).

Essas enzimas modificam as histonas, proteínas em torno das quais o DNA está enrolado, influenciando assim a expressão gênica.

Ao inibir as histonas desacetilases, o butirato induz modificações epigenéticas que alteram a expressão gênica nas células do cérebro, diminuindo assim a produção de substâncias pró-inflamatórias enquanto aumenta a produção de moléculas anti-inflamatórias, atenuando a resposta inflamatória no cérebro de forma efetiva. Um estudo publicado na Neurochemistry International fornece uma visão geral desse mecanismo:

“Seus efeitos são mediados pela utilização como fonte de energia pela via da β-oxidação e como um inibidor das histonas desacetilases (HDACs), promovendo a acetilação de histonas e a estimulação da expressão gênica em células hospedeiras. Este último também levou ao uso de butirato como um medicamento experimental em modelos para distúrbios neurológicos, que vão desde a depressão até doenças neurodegenerativas e comprometimento cognitivo”.

Indo mais a fundo, um estudo publicado na Frontiers in Neuroscience fornece uma visão mais detalhada das capacidades limitantes de HDAC do butirato para ajudar a combater a neuroinflamação associada ao acidente vascular cerebral isquêmico:

Além de seu papel como agente antitumoral, o butirato alcança de forma parcial seus efeitos anti-inflamatórios ao inibir a HDAC. Por exemplo, o butirato reduziu a neuroinflamação causada pela microglia em camundongos com AVCI [acidente vascular cerebral isquêmico] ao inibir as histonas desacetilases, alterando assim a iniciação gênica da acetilação de histona-3-lisina 9 (H3K9ac) na microglia.

Em conclusão, o butirato modula a microglia no cérebro para atenuar a neuroinflamação no AVCI por meio de múltiplos mecanismos”.

Outro estudo, que utilizou modelos animais de teste da doença de Alzheimer, demonstrou que o butirato reduz o acúmulo de placas beta-amiloide, uma característica patológica da doença, e ao mesmo tempo melhora a função cognitiva. De fato, ele foi capaz de reduzir as placas beta-amiloide em até 40%.

Quanto à doença de Parkinson, modelos animais demonstraram que o butirato tem efeitos protetores ao estimular o peptídeo semelhante ao glucagon-1 (GLP-1). O GLP-1 e os agonistas do receptor de GLP-1 (medicamentos que imitam o GLP-1) estão sendo estudados de forma ativa como possíveis tratamentos para a doença de Parkinson, pois parecem ter efeitos neuroprotetores.

Além de reduzir a inflamação no cérebro, pesquisas mostraram que o GLP-1 protege os neurônios produtores de dopamina, que são danificados na doença de Parkinson, reduzindo o estresse oxidativo e melhorando a função mitocondrial. O GLP-1 também:

  • Melhora a autofagia: O processo natural de limpeza das células que remove proteínas e componentes celulares danificados. Isso é importante porque a doença de Parkinson envolve o acúmulo de proteínas mal dobradas (em especial a alfa-sinucleína).

Melhora a sensibilidade à insulina e o metabolismo energético celular no cérebro, que muitas vezes são prejudicados na doença de Parkinson. Um metabolismo energético mais eficiente ajuda os neurônios a funcionarem de forma mais eficaz e a resistirem a danos.

O papel do butirato na função dos neurotransmissores e no humor

Os neurotransmissores são mensageiros químicos que transmitem sinais entre as células nervosas (neurônios) no cérebro, orquestrando uma vasta gama de funções cérebrais, incluindo humor, comportamento, cognição, sono e apetite. E com base em evidências publicadas, o butirato (assim como outros ácidos graxos de cadeia curta AGCC) influencia a produção, liberação e sinalização de vários neurotransmissores importantes, incluindo GABA (ácido gama-aminobutírico) e dopamina.

O GABA é o principal neurotransmissor inibitório no cérebro, atuando como um agente calmante natural, reduzindo a excitabilidade neuronal, promovendo o relaxamento e aliviando a ansiedade. Foi demonstrado que o butirato e outros AGCC aumentam a produção de GABA no intestino e, pesquisas mostraram que o GABA ajuda a modular a dor abdominal e os distúrbios intestinais, destacando a relação simbiótica do eixo intestino-cérebro.

A dopamina, um neurotransmissor associado à motivação, recompensa, movimento e prazer, também é modulada pelo butirato. O butirato atravessa a barreira hematoencefálica para aumentar a produção de dopamina, assim como a função e o desenvolvimento da microglia.

Ao modular esses sistemas neurotransmissores vitais, o butirato exerce uma influência significativa sobre transtornos de humor, como ansiedade e depressão. Pesquisas mostraram uma ligação entre a alteração da composição da microbiota intestinal, a redução da produção de butirato e o desenvolvimento dessas condições.

Butirato e o fator neurotrófico derivado do cérebro

O fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF) é um membro da família das neurotrofinas de fatores de crescimento, que são essenciais para a sobrevivência, crescimento, diferenciação e manutenção dos neurônios. O BDNF desempenha um papel vital na plasticidade neuronal, a capacidade do cérebro de mudar e adaptar sua estrutura e função em resposta a estímulos externos, o que é fundamental para o aprendizado e a formação da memória.

O butirato demonstrou aumentar a produção e a expressão do BDNF no cérebro, em particular em regiões essenciais do cérebro para o aprendizado e a memória, como o hipocampo, ao inibir as histonas desacetilases. Esse aumento no BDNF promove a neurogênese (o nascimento de novos neurônios), fortalece as conexões neuronais existentes (sinapses) e protege os neurônios contra danos inflamatórios.

Níveis reduzidos de BDNF têm sido implicados com consistência na fisiopatologia de várias condições neurológicas e psiquiátricas, incluindo depressão e doença de Alzheimer. Ao aumentar a produção de butirato, o aumento resultante nos níveis de BDNF oferece proteção contra essas condições debilitantes e promove a resiliência cognitiva.

O papel do butirato na comunicação cruzada com o nervo vago

O nervo vago possui uma extensa rede por todo o corpo, sendo o nervo craniano mais longo, servindo como uma importante via de comunicação entre o intestino e o cérebro. Em essência, o nervo vago funciona como uma via de informação do eixo intestino-cérebro, afetando uma ampla gama de funções neurais e digestivas, incluindo a regulação do humor, a resposta ao estresse, o controle do apetite e a função imunológica.

Informações sensoriais originadas no intestino, incluindo sinais relacionados à presença e concentração de butirato, viajam ao longo do nervo vago até várias regiões do cérebro, influenciando sua atividade e função.

O butirato estimula diretamente as terminações nervosas localizadas no revestimento do intestino, desencadeando a transmissão de sinais elétricos e químicos para o cérebro através do nervo vago.

Integrando a saúde intestinal e a saúde cerebral

A fibra alimentar é o combustível responsável pela produção de butirato e outros AGCC no seu intestino. A partir daí, o butirato faz sua mágica metabólica no eixo intestino-cérebro, ajudando a promover a função cognitiva. Mas como aumentar a produção de butirato de maneira efetiva? Embora a resposta óbvia seja aumentar a ingestão de fibras, existem algumas ressalvas quanto a essa abordagem.

Se a saúde do seu intestino estiver muito comprometida, é importante reconstruí-la do zero. Recomendo tomar água com dextrose ao longo do dia como uma solução de transição. Ao contrário dos carboidratos complexos, a dextrose é metabolizada no intestino delgado e não alimenta as bactérias prejudiciais do cólon. Se você tiver apenas problemas intestinais moderados, poderá começar com opções como arroz branco e frutas maduras e inteiras.

À medida que seu intestino começa a melhorar, você poderá passar a consumir mais verduras e amidos ricos em fibras  sem causar problemas digestivos. Mas a fibra alimentar não é o único aspecto enfatizado na otimização da saúde intestinal geral. Também é sensato adicionar mais alimentos fermentados à sua dieta. Essa abordagem ajuda a restaurar um microbioma intestinal equilibrado, o que significa que suas bactérias boas mantêm as bactérias patogênicas sob controle. Aqui estão minhas recomendações:

• Faça seus próprios alimentos fermentados em casa: Isso garante que você receba probióticos frescos e potentes. Opções caseiras como iogurte, kefir e chucrute contêm uma variedade de bactérias benéficas essenciais para um microbioma intestinal saudável.

Além disso, preparar seus próprios alimentos fermentados é econômico e permite que você controle os ingredientes, evitando aditivos desnecessários, ingredientes geneticamente modificados e açúcares refinados encontrados em produtos probióticos produzidos em massa.

• Evite alimentos fermentados comerciais pasteurizados: Os alimentos fermentados disponíveis no mercado são muitas vezes pasteurizados para prolongar a vida útil, o que elimina as bactérias vivas necessárias para a saúde intestinal. Se você não puder preparar verduras fermentadas em casa, opte por produtos fermentados de maneira tradicional, não pasteurizados e provenientes de empresas confiáveis. Mas a melhor solução é prepará-los você mesmo para maximizar os benefícios à saúde.

• Incorpore vários alimentos fermentados à sua dieta: A diversidade é fundamental quando se trata de alimentos fermentados. Diferentes tipos oferecem cepas únicas de probióticos que trabalham de forma sinérgica para aumentar a resiliência do seu microbioma intestinal.

Inclua uma variedade de opções, como kimchi, natto, iogurte caseiro e verduras fermentadas caseiras em suas refeições diárias. A variedade ajuda a garantir um microbioma robusto e equilibrado, o que é essencial para uma comunicação ideal entre o intestino e o cérebro.

• Mantenha um consumo consistente: O consumo regular de alimentos fermentados é essencial para manter um microbioma intestinal saudável e colher benefícios de longo prazo para a saúde mental. Isso ocorre porque a dieta ocidental moderna é repleta de ingredientes que destroem as bactérias intestinais benéficas. Portanto, é importante repor os probióticos no seu intestino.

Crie o hábito de incluir alimentos fermentados na sua alimentação diária, seja nas refeições ou nos lanches. A consistência ajuda a manter a diversidade da microbiota intestinal, reduz a inflamação e mantém níveis estáveis de neurotransmissores, o que contribui para melhorar o humor e a função cognitiva.