Pense em uma balança. De um lado, humanos e seus animais domésticos ocupam um prato. De outro, animais selvagens tentam balancear a equação. Em 1850, os dois lados compartilhavam quase igualmente o peso total de suas vidas terrestres – cerca de 200 milhões de toneladas para cada lado.
Hoje, essa balança mais do que tombou: as populações humanas e de mamíferos domesticados atingem uma biomassa combinada atual de aproximadamente 1.100 milhões de toneladas, enquanto a de mamíferos selvagens diminuiu em mais de duas vezes.
Dois estudos publicados recentemente nas revistas Nature Communications e Nature Ecology & Evolution traçam um panorama inédito sobre o avanço da biomassa doméstica e a retração da vida selvagem desde a Revolução Industrial.
Conduzidos pelo grupo do biólogo Ron Milo, os trabalhos revelam a escala do domínio humano sobre o restante do mundo animal – e o quão difícil fica para reverter essa tendência.
O crescimento
Em meados do século 19, havia cerca de 1,2 bilhão de pessoas no planeta. Hoje, somos mais de oito bilhões. Acontece que com os avanços tecnológicos e de saúde, a expectativa de vida aumentos e, com isso, a humanidade também.
O peso total da humanidade saltou de 20 milhões de toneladas para 420 milhões – um aumento de oito vezes. Parte disso se deve ao crescimento populacional, mas também ao aumento da massa corporal média, que hoje gira em torno de 54 quilos.
A expansão humana veio acompanhada por seus animais domesticados. A biomassa do gado, que representa dois terços do total dos mamíferos domesticados, quadruplicou desde a Revolução Industrial. Existem, em qualquer momento, mais de vinte bilhões de galinhas vivendo na Terra – isso equivale a três galinhas para cada pessoa viva.
Apenas os cavalos, substituídos por motores e automóveis, encolheram em número e massa. Já os animais de companhia e de convivência urbana – cães, gatos, ratos e pombos – somam juntos mais peso do que todos os mamíferos selvagens terrestres.
Enquanto isso, a vida selvagem definha. A caça às baleias, que por séculos foi uma atividade artesanal, transformou-se em uma indústria de larga escala, que permitiu uma exploração sem precedentes dos oceanos e levou as maiores espécies à beira da extinção.
Estima-se que, juntas, todas as populações de mamíferos marinhos somavam cerca de 135 milhões de toneladas naquela época; hoje, restam apenas 40 milhões.
Milo ressalta em seu estudo que, embora a caça comercial de grandes baleias tenha sido proibida há anos, suas populações só se recuperaram parcialmente.
A biomassa de todos os mamíferos terrestres não marinhos caiu de 50 milhões para cerca de 20 milhões de toneladas – uma redução de 60%. Em 1850, os cientistas estimam que a biomassa total de todos os elefantes era equivalente à de todos os demais mamíferos terrestres somados.
Hoje, a soma de todos os mamíferos selvagens do planeta mal alcança a massa que os elefantes sozinhos representavam há dois séculos: os mamíferos selvagens representam apenas 5% da biomassa total de mamíferos do planeta.
O caminho
O segundo estudo do grupo de Milo adiciona uma nova métrica: o movimento dessa biomassa. A equipe calculou a distância percorrida anualmente por cada espécie e multiplicou-a por sua massa corporal total. O resultado é um índice de mobilidade planetária.
Os humanos, segundo a pesquisa, superam todos os animais juntos. O nosso movimento é 40 vezes maior do que o de todos os mamíferos selvagens, aves e artrópodes combinados. Mais surpreendente ainda: viajamos mais de avião do que todas as aves do planeta.
Cerca de 65% dessa movimentação ocorre em automóveis ou motocicletas; apenas 20% a pé ou de bicicleta. Mesmo assim, o deslocamento humano a pé é seis vezes maior do que o de todos os animais selvagens terrestres somados. Em média, cada pessoa percorre 30 quilômetros por dia – mais que as aves silvestres e quase oito vezes mais que os mamíferos terrestres.
Para Milo, esses números revelam “o alcance do domínio humano sobre a vida selvagem e o quão difícil será reparar o dano que causamos”, disse o pesquisador para o El País.
Os estudos também mostram brevemente as consequências do que os ecólogos chamam de “funções perdidas”: o papel dos animais selvagens no transporte de nutrientes, na polinização, na dispersão de sementes e na manutenção da estrutura física dos ecossistemas, lembra Milo para o jornal espanhol. Quando a vida selvagem perde massa e mobilidade, o planeta inteiro sofre com o risco.
“Comparar diretamente a atividade humana com a de outras espécies nos ajuda a compreender as verdadeiras relações de poder no planeta”, diz Milo. “E talvez nos leve a refletir sobre que tipo de equilíbrio queremos reconstruir.”
Fonte: abril






