O fotógrafo mato-grossense Lucas Ninno foi um dos primeiros a ver de perto o que parecia saído de outro mundo. Em entrevista ao Olhar Conceito, ele explica que a área pertence a pequenos produtores rurais e tem sido preservada há décadas.
“É um lugar bem escondido, porque é uma propriedade muito bem preservada, não tem o grande agronegócio presente, são produtores pequenos e médios. Tem um gadinho, mas que pasta no meio do mato, é uma coisa bem incipiente, nada extensivo. Aquilo está lá há algumas centenas de anos”.
“O filho do seu Domingos contou que ali era uma área do avô dele primeiro, depois eles desmembraram e dividiram-se entre os filhos, no caso o seu Domingos e os irmãos. Para todo mundo, o Seu Domingos tinha ficado com a pior área, porque era a área que tinha essa areia, esse monte de pedra que não servia para nada”.
A primeira visita aconteceu em maio de 2023, quando Lucas e Joanna exploravam cavernas no Parque Terra Ronca (GO). Quando mostrou as imagens para o amigo fotógrafo, a geóloca perguntou se ele queria acompanhar a primeira expedição até o local. Ao lado de dois professores do curso de geologia da Universidade Federal de Goiás (UFG), eles partiram para a Serra Geral de Goiás.
“Ela tinha recebido essas fotos uns meses antes e me mostrou, disse que estavam pensando em ir lá porque era perto e me chamou. Eram fotos de celular mesmo, quem fez foi o filho do seu Domingos, que é proprietário da área, o Rodrigo. Essas fotos foram rodando por algumas pessoas da região até chegar na Joana”.
“Fui com ela e mais dois professores. Ficou todo mundo muito impressionado, ninguém nunca tinha visto nada parecido com aquilo e são geólogos bem experientes, de achados, a Joana andou muito pelo cerrado, fez travessias de 40km… Foi novidade para todo mundo. Eles bateram o olho e disseram que eram as ‘Chaminés de Fada’, as demoiselles. Ficamos andando por lá 1h30, o sol estava muito quente, ficou todo mundo meio chocado, ninguém tinha visto”, continua Lucas.
Essas “Chaminés de Fada”, conhecidas na literatura geológica pelo nome francês “demoiselles coiffées”, costumam aparecer em menor escala em margens de rios ou encostas, formadas pela erosão diferenciada da areia sob pedras maiores, que acabam funcionando como um “chapéu” protetor.
No entanto, as que Lucas e o grupo encontraram ultrapassam qualquer registro no país: em vez de centímetros, chegam a três metros de altura, espalhadas por uma grande extensão da área da família de Domingos. “É um lugar bem escondido, porque é uma propriedade muito bem preservada, não tem o grande agronegócio presente, são produtores pequenos e médios. Tem um gadinho, mas que pasta no meio do mato, é uma coisa bem incipiente, nada extensivo. Aquilo está lá há algumas centenas de anos”.
Por décadas, a história ficou restrita à família de Domingos, conta Lucas. “No fim, o cara tinha um tesouro geológico nos fundos de casa”. A descoberta, mantida em sigilo por meses, ganhou novos capítulos quando Lucas conheceu, por acaso, a diretora de criação de unidades de conservação do ICMBio, em um evento em São Paulo (SP).
“Contei o que tínhamos visto, ela pediu para enviar um e-mail com a localização. Demorou um pouco, mas marcaram uma reunião e, em agosto, fizemos uma expedição oficial. Foi quando registrei as fotos noturnas.” Pouco depois, em 16 de setembro, foi aberto o processo de criação de uma unidade de conservação na área, o primeiro passo para a proteção legal das formações.
A primeira visita às “Chaminés de Fada” aconteceu em maio de 2023, e desde então o grupo manteve silêncio. “A gente podia publicar, mas podia ter consequências, do mesmo jeito que a coisa deu uma viralizada agora, a gente tinha esse medo. Ainda mais se eu publicar em um veículo grande sem um órgão sabendo que isso existe, íamos acabar com o lugar. Teve essa preocupação coletiva em assumir a responsabilidade para esperar até a coisa estar minimamente encaminhada”.
Hoje, com o processo oficial em andamento, Lucas viu sentido em revelar o que encontrou. Com a divulgação das imagens, que chegaram à capa da Folha de S.Paulo, o fotógrafo viu o interesse explodir. “Recebi mais de 100 mensagens de pessoas querendo visitar. Mas é importante dizer que o local não está aberto à visitação. As formações são extremamente frágeis”.
Cuiabano, Lucas tem o cerrado como centro de sua fotografia. Já percorreu o bioma em projetos autorais e foi financiado pela National Geographic Society para documentar sua diversidade. “Mesmo depois do projeto, continuei. Nasci aqui, o cerrado é meu carro-chefe. É um lugar que ainda guarda segredos, mesmo tão degradado. Mais da metade dele já foi destruída, mas ainda há o que descobrir”.
Fonte: Olhar Direto