Deixei meu marido no aeroporto acreditando que embarcaria para mais uma viagem de negócios.
Estávamos juntos: Ricardo, eu e nosso filho de seis anos, Mateo. Para quem observava de longe, éramos a imagem de uma família bem-estruturada.
Ricardo, o executivo exemplar; eu, a esposa dedicada; e Mateo, o menino silencioso que observava tudo com cuidado.
Assim que nos despedimos, eu já pensava em chegar em casa, tirar os sapatos e descansar.
Mas, ao caminhar para a saída, senti Mateo apertar minha mão com força incomum. Ele parou e me encarou com um medo que nunca tinha visto nele.
“Mamãe… não podemos voltar para casa. Por favor, acredita em mim desta vez.”
Aquela frase alterou o rumo da nossa vida.
Abaixei-me para olhar Mateo nos olhos. Imaginava que estivesse apenas cansado, mas o terror estampado em seu rosto dizia outra coisa.
Ele contou que havia acordado cedo e escutado o pai falando ao telefone. Segundo Mateo, Ricardo dizia que “algo ruim aconteceria naquela noite” e que ele precisava estar longe quando isso ocorresse.
Comentava ainda que “não seríamos mais um problema”, que “alguns homens cuidariam de tudo” e que, finalmente, estaria livre.
Tentei racionalizar. Talvez Mateo tivesse entendido errado. Talvez fosse conversa de trabalho. Mas uma sequência de lembranças começou a se alinhar:
– O aumento repentino do seguro de vida.
– A insistência de Ricardo em colocar casa, carro e contas bancárias apenas no nome dele.
– Telefonemas escondidos, viagens repentinas.
– Aquela frase dita ao telefone: “Tem que parecer um acidente.”
Olhei novamente para o meu filho. O medo dele não era imaginação. Era um alerta. E eu finalmente ouvi.
Decidi não voltar diretamente para casa. Estacionei em uma rua paralela, de onde conseguíamos observar tudo sem sermos percebidos. Apaguei os faróis e aguardamos em silêncio.
Por alguns minutos, nada aconteceu.
Até que uma van escura parou diante da nossa casa. Dois homens desceram; não arrombaram nada. Usaram chaves. Apenas três pessoas tinham acesso: Ricardo, eu e a cópia guardada no escritório dele.
Eles entraram como se fossem donos do lugar.
Minutos depois, vimos luzes de lanternas atrás das cortinas. Em seguida, o cheiro de gasolina. Depois, fumaça. E então, fogo.
O incêndio tomou conta com uma rapidez assustadora. A van saiu sem faróis instantes antes da chegada dos bombeiros.
Meu celular vibrou. Era Ricardo:
“Acabei de aterrissar. Espero que você e Mateo estejam dormindo bem. Amo vocês.”
Compreendi naquele instante que o incêndio fazia parte de um plano. Se meu filho não tivesse falado comigo no aeroporto, estaríamos dormindo dentro daquela casa.
Desesperada, lembrei-me de algo que meu pai, pouco antes de morrer, havia me entregado no hospital: um cartão.
“Não confio no seu marido. Se algum dia precisar de ajuda de verdade, procure esta pessoa.”
No cartão estava escrito: Lic. Jimena Hernández – Advogada.
Com Mateo dormindo no carro e a fumaça da nossa antiga casa ainda visível ao longe, liguei.
Jimena nos recebeu naquela mesma noite em seu escritório, um local antigo, cheio de documentos e cheiro de café forte.
Depois de ouvir tudo, ela abriu uma pasta e explicou que meu pai havia contratado um investigador anos antes.
As informações eram devastadoras: Ricardo tinha dívidas de jogo, negócios falidos e devia quantias enormes a pessoas perigosas. Para ele, o seguro de vida de dois milhões seria sua saída.
Jimena foi clara:
“Ricardo planejou eliminar você e seu filho. O que o atrapalhou foi o fato de Mateo ter ouvido — e você ter acreditado.”
Precisávamos de provas. Jimena sabia que Ricardo guardava documentos em um cofre no escritório da casa.
Esperamos a polícia terminar o trabalho e Ricardo se dirigir ao hotel. Já tarde da noite, entramos discretamente pelo fundo do condomínio.
A casa estava destruída, mas o escritório no andar superior permanecia de pé. Consegui abrir o cofre usando a data de nascimento dele. Dentro havia dinheiro, documentos e um celular.
Mateo, atento como sempre, percebeu uma tábua solta no chão. Sob ela encontramos outro telefone, um caderno preto e um envelope.
Não tivemos tempo de comemorar. Dois homens — os mesmos responsáveis pelo incêndio — entraram na casa. Subiram e viram o cofre aberto. Em poucos segundos identificaram pegadas. Entre elas, marcas pequenas.
“É de uma criança.”
“O chefe precisa saber disso.”
Antes que chamassem Ricardo, ouvimos um grito do lado de fora. Era Jimena, criando uma distração. Eles desceram rapidamente. Aproveitamos para fugir e escalar o muro.
Já seguros, examinamos o conteúdo da mochila. O caderno era incriminador: dívidas, nomes de agiotas, valores, datas e uma seção chamada “Solução final”:
– Seguro de vida de Marina
– “Acidente deve parecer natural”
– “Contato: Marcos – serviço $50.000 – data: hoje”
Com esse material, Jimena acionou um delegado íntegro, o delegado Juárez. Faltava apenas confrontar Ricardo.
Ao perceber que o cofre havia sido mexido, Ricardo começou a me ligar e enviar mensagens aflitas. Em uma delas admitia que sabia que eu estava viva e insistia em me encontrar.
Seguindo o plano de Jimena, respondi:
“Alameda Central. Amanhã, às 10h. Vá sozinho.”
A praça estava repleta de policiais à paisana. Eu usava um microfone oculto. Mateo ficou em segurança com Jimena, assistindo tudo pelas câmeras.
Ricardo chegou com a aparência de um viúvo devastado, mas seu olhar não sustentava o papel.
Quando mencionei os homens entrando em casa com nossas chaves, ele ficou pálido. Tentou justificar o seguro como uma proteção, dizendo estar ameaçado por pessoas perigosas.
Ao citar o caderno, perdeu o controle. Acabou confessando parcialmente as dívidas, o plano e o uso do seguro.
Sua máscara caiu por completo quando me chamou de ingênua, disse que se casou comigo por dinheiro e chamou nosso filho de “moleque estranho”.
Nesse momento, o delegado Juárez deu o sinal. Os policiais avançaram, mas Ricardo reagiu, pegando uma faca e me usando como escudo. Gritava que me mataria.
Um disparo certeiro de um atirador atingiu sua mão. A faca caiu. Ele foi imobilizado e preso.
A justiça começava ali.
Com o caderno, os celulares, as mensagens e os depoimentos dos cúmplices, o caso ficou sólido. Ricardo foi condenado a mais de 20 anos por tentativa de homicídio, incêndio criminoso e fraude.
Eu não compareci ao julgamento. Não queria vê-lo novamente.
Enquanto isso, Mateo e eu reconstruímos nossa vida. Recuperei parte do seguro residencial e, com ajuda de Jimena, reorganizei documentos, finanças e identidade.
Com o tempo:
– Consegui emprego em uma ONG que atende mulheres vítimas de violência.
– Estudei, passei no exame da ordem e me tornei advogada, formando sociedade com Jimena.
– Passei a defender outras mulheres, transformando minha história em propósito.
Mateo fez terapia, enfrentou pesadelos e medos, mas retomou a infância. Hoje, aos 11 anos, tem amigos, sonhos e planos. Quer ser astronauta ou cientista.
Às vezes me pergunta se ainda amo o pai dele. Respondo que sentir falta do que acreditamos ser bom não é errado, mas que certos atos não podem ser perdoados — e que os sentimentos dele são legítimos.
Não somos mais os mesmos, mas somos mais fortes.
Sinais de alerta nunca devem ser desprezados, mesmo quando vêm de uma criança. A intuição muitas vezes percebe o que o coração prefere ignorar.
Pedir ajuda é um ato de coragem, e mesmo quando tudo parece desmoronar, existe a possibilidade de recomeçar.
A verdade, aliada à força interior e ao amor por quem queremos proteger, pode transformar a escuridão em um novo início.
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Fonte: curapelanatureza






