Tradição de 80 anos do Bloco dos Caretas ganha projeção nacional em exposição em Brasília
Máscaras moldadas em argila e produzidas com cola e papel fazem parte da exposição ‘Lírica, crítica e solar: artes visuais em Mato Grosso’
21/04/2025 às 09:34 Atualização
21/04/2025 às 09:47
Na capital federal, uma manifestação nascida do barro, da criatividade popular e da resistência social encanta os visitantes do Museu Nacional da República. As máscaras do Bloco dos Caretas, tradição que há 80 anos colore e movimenta as ruas de Guiratinga, estão, pela primeira vez, sendo exibidas como obras de arte popular em uma mostra nacional. A exposição ‘Lírica, crítica e solar: artes visuais em Mato Grosso’, que celebra os 50 anos do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Estado de Mato Grosso (Sebrae/MT) e reúne 200 obras de 50 artistas, dá protagonismo à cultura popular ao incluir os itens do histórico bloco de carnaval que movimenta a região Sudeste do estado.
O diretor Técnico do Sebrae/MT, André Schelini, destaca a importância e o ineditismo da exposição ‘Lírica, Crítica e Solar: artes visuais em Mato Grosso’. “Essa exposição é um marco para as artes visuais em nosso estado. Foi cuidadosamente planejada por uma curadoria especializada, porque acreditamos na potência da arte mato-grossense e queremos vê-la ultrapassando fronteiras. Nossa cultura e nossas produções têm valor e devem circular tanto no Brasil quanto no exterior, gerando reflexos positivos também aqui, no nosso território”, afirma o diretor.

O curador da exposição, Laudenir Gonçalves, conta que descobriu o bloco por meio de pesquisas sobre manifestações culturais tradicionais da região. “Nós pesquisamos e encontramos algumas coisas extremamente interessantes. O Bloco dos Caretas de Guiratinga foi fundado pelos garimpeiros que vinham em busca do ouro. O bloco foi fundado em 1945, em uma tentativa de democratizar a festa, já que os clubes da cidade cobravam caro e excluíam os trabalhadores”, explica.
As máscaras, feitas artesanalmente com argila, papel reciclado e cola de polvilho, são a alma do bloco. Mais que adereços, elas simbolizam resistência, pertencimento e a alegria de brincar o carnaval nas ruas. Para o mestre artesão Djair Carvalho, que dedica mais de 40 anos à confecção das máscaras, a exposição em Brasília é mais do que reconhecimento: “Ter a nossa arte exposta lá é único. É uma sensação indescritível. O artista conhece a sua obra e eu conheço a minha. Tem máscara lá que eu olho e falo: essa aqui é minha”.

Todas as 19 máscaras expostas em Brasília foram produzidas pela família Carvalho, que se dedica em manter viva a tradição do carnaval de rua no município. Além do bloco celebrar 80 anos de fundação em 2025, é a primeira vez que as máscaras ganham projeção nacional em um espaço museológico. “Nós sabíamos que era uma arte valiosa, mas ver ela ali, no meio de tantas obras, é emocionante. Algumas máscaras nós nem lembrávamos mais, não tínhamos registro fotográfico. E ver elas ali, sendo observadas por crianças e por turistas é gratificante demais”, conta Lucas Carvalho, vice-presidente do bloco e filho de Djair.
A história do Bloco dos Caretas é também a história de Guiratinga. Criado por Leozino Moreira com os irmãos Altino e Jonas Moreira como alternativa popular às festas elitizadas dos clubes, o bloco tornou-se um símbolo de identidade coletiva. Em seguida, o bloco passou a ser liderado por Chico Magro.
Teresinha Silva, mestre artesã do bloco, é uma das responsáveis por manter viva essa tradição. “Quando eu era criança, meu pai saía para o bloco e minha mãe dizia: ‘vocês não podem olhar os caretas da janela, vão ficar com medo’. Mas a gente olhava escondido, era mágico”, lembra a filha de Leozino Moreira.

Mais do que um símbolo cultural, o bloco também tem forte impacto econômico na cidade. A movimentação começa semanas antes do evento e atinge todos os setores do comércio local. “Cada vez é uma máscara diferente, então os visitantes sentem aquela emoção de tirar foto e de celebrar conosco. É uma alegria ter tanta gente na cidade durante esse período. O bloco movimenta muito a economia e um mês antes já não tem hotel disponível na cidade”, afirma a artesã.
Lucas conta que o bloco passou por várias transformações ao longo das décadas. “No começo só saíam homens, depois as mulheres começaram a participar e passou a ter para as crianças também. O bloco das crianças começou com 10 e já teve mais de 300 pequenos caretas. Nós adaptamos e abrimos espaço para todos. Atualmente o bloco conta com pessoas com deficiência e crianças com autismo. É um bloco social, então todo mundo pode brincar”, reforça.
O caráter artesanal é o que dá vida e alma às máscaras. Cada peça leva semanas, às vezes meses, para ser concluída. “Tem máscaras que demoram um ano e meio para serem concluídas. É algo muito trabalhoso, que demanda tempo e dedicação para que o resultado seja bem feito, com carinho e com detalhe. A gente quer que a máscara cause impacto, que as pessoas se surpreendam e é sempre muito gratificante ver como existe essa curiosidade em torno das máscaras”, conta Lucas.

As máscaras, que começaram como improvisos de caixa de sapato e papelão pintado com carvão, hoje misturam elementos do folclore regional com referências da cultura pop. “A gente ainda faz as máscaras tradicionais, com chifres e elementos do boiadeiro. Mas também tem predador, tem personagem de filme. O turista vê e se encanta”, relata Lucas.
A gerente Regional do Sebrae/MT, Érika Santos, destaca que, recentemente, a instituição realizou a entrega do Inventário da Oferta Turística de Guiratinga e do Plano Municipal de Turismo de Guiratinga à Prefeitura Municipal. “O Bloco dos Caretas é uma das expressões mais autênticas da identidade cultural guiratinguense, sendo reconhecido como um ícone do espírito carnavalesco local. Tanto o Inventário da Oferta Turística quanto o Plano Municipal de Turismo apresentam o bloco como um dos principais ativos culturais do território, com papel relevante na formação da memória coletiva e no fortalecimento das tradições populares”, ressalta a gerente Regional.
A mostra ‘Lírica, crítica e solar: artes visuais em Mato Grosso’ no Museu Nacional da República, que integra as celebrações de 50 anos do Sebrae/MT, vai até 11 de maio. O horário de visitação do Museu é de terça a domingo, das 9h às 18h30.
Fonte: Sebrae