No dia a dia usamos relógios e calendários para organizar nossas tarefas e compromissos – muitas vezes, sem nos darmos conta de que essas pequenas atitudes nos sincronizam com os ritmos planetários.
O dia obedece os ciclos de rotação, em que o planeta gira sobre seu próprio eixo; os anos equivalem à translação, que é a órbita da Terra em torno do Sol. Esses ritmos não são apenas essenciais para medir o tempo, mas também influenciam discretas variações no clima ao longo do ano. Eles determinam as estações e, com elas, a maneira como nos vestimos, nos alimentamos e até mesmo como nos sentimos.
Na perspectiva do “tempo profundo” – que abrange os bilhões de anos da história da Terra – observamos outros ritmos planetários, com durações muito maiores do que os ciclos de dias, anos ou séculos que conhecemos. Esses ritmos ficam registrados no planeta, que estudamos a partir da união entre Geologia, Astronomia e Paleoclimatologia. Eles nos levam a vislumbrar como o cosmos e o tempo se entrelaçam para moldar a Terra e as diferentes paisagens que surgiram e desapareceram ao longo de sua história.

Um olhar profundo sobres os ciclos astronômicos
Civilizações antigas, de diferentes partes do mundo, desenvolveram um conhecimento surpreendentemente avançado sobre os ciclos astronômicos. Sumérios, Babilônios, Hindus, Chineses, Egípcios, Persas, Astecas, Maias e Celtas estão entre os povos que registraram suas observações do céu e construíram observatórios sofisticados para acompanhar os movimentos periódicos dos astros.
No Brasil, o chamado Observatório de Calçoene, no Amapá, também conhecido como “Stonehenge da Amazônia”, é um exemplo notável da relação entre culturas ancestrais e os ciclos celestes.

A criação dos primeiros calendários, impulsionada pela observação dos ciclos astronômicos, exerceu um papel decisivo na evolução do conhecimento humano sobre o tempo e seus ritmos naturais. Nosso fascínio pela repetição constante dos movimentos observados no céu e na natureza despertou uma forma de pensar especialmente poderosa, capaz de organizar e expandir diferentes áreas do saber.
Os antigos gregos exemplificam perfeitamente essa tendência: movidos pelo desejo de compreender e prever fenômenos astronômicos, eles estruturaram grande parte do seu conhecimento em padrões cíclicos – algo que influenciou até mesmo a percepção das dinâmicas humanas. Não por acaso, a própria palavra “ciclo” deriva do termo grego κύκλος (kýklos), que significa “círculo” ou “roda”, reforçando essa visão circular e periódica do tempo. O legado dessa abordagem permanece profundamente enraizado na ciência moderna.

Outro exemplo marcante é o trabalho do astrônomo grego Hiparco de Nicéia, que viveu por volta de 190 a.C. Com uma precisão impressionante, ele usou métodos matemáticos para calcular a duração do ano e prever a ocorrência de eclipses.
Suas descobertas sobre as mudanças graduais das posições das estrelas lançaram as bases para descobrirmos o que hoje chamamos de “precessão dos equinócios”, um movimento circular, lento e contínuo, do eixo de rotação do planeta, que se assemelha ao bamboleio de um pião. Enquanto o eixo gira, ele se inclina para diferentes direções ao longo do tempo, completando um ciclo a cada 20 mil anos aproximadamente.
Esse movimento acontece porque a Terra não é uma esfera perfeita. Ela é oblata, ou seja, um pouco “achatada” nos polos e “alargada” no equador. Assim, a interação gravitacional do Sol e da Lua atuam de maneira desigual, “puxando” essa parte mais larga da Terra, fazendo com que o eixo mude de posição.

Os ciclos glaciais: resposta celeste para um mistério terrestre
A ideia de que o nosso planeta passou por mudanças climáticas tão extremas que, em tempos remotos, vastas geleiras cobriram extensas áreas dos continentes parece coisa de ficção científica. No entanto, entre os séculos XVIII e XIX, cientistas começaram a reunir evidências de que a Terra passou por intensas eras glaciais. A chamada Teoria Glacial marcou uma revolução nas ciências da Terra e trouxe à tona uma pergunta fundamental: como essas eras do gelo começaram — e por que terminaram?
A resposta, ao que tudo indica, está no cosmos. Movimentos orbitais como o da precessão, por exemplo, embora quase imperceptíveis na escala da vida humana, alteram gradualmente o equilíbrio da irradiação solar recebida pelos hemisférios. Ao longo de milênios, essas variações na insolação podem reconfigurar o clima do planeta.
Além da precessão, dois outros movimentos desempenham um papel crucial na regulação do clima em escalas geológicas: a obliquidade e a excentricidade.
A obliquidade diz respeito às mudanças de inclinação do eixo terrestre, que varia entre 22,1° e 24,5° em ciclos de aproximadamente 40 mil anos. Essa inclinação afeta a distribuição da irradiação solar nas diferentes regiões do planeta e a intensidade das estações do ano.

A excentricidade, por sua vez, refere-se à forma da órbita terrestre ao redor do Sol, que alterna entre mais circular e mais elíptica ao longo de dezenas de milhares de anos. Essa variação influencia a quantidade e o padrão da radiação solar recebida anualmente, afetando o clima global.

Por trás desses ciclos estão forças invisíveis, mas poderosas: as interações gravitacionais entre a Terra e outros corpos do Sistema Solar. O Sol, a Lua e os planetas gigantes como Júpiter e Saturno exercem sua influência silenciosa, alterando lentamente a inclinação do eixo da Terra e a forma de sua órbita. São esses ajustes sutis, orquestrados no cosmos, que moldam o ritmo do clima em nosso planeta.
A interação entre precessão, obliquidade e excentricidade foi desvendada ao longo de séculos por cientistas que uniram conhecimentos da Astronomia, Matemática e Geociências. Combinados, esses ciclos formam os chamados Ciclos de Milankovitch, capazes de desencadear longas eras glaciais, com avanço de geleiras, seguidas por fases de aquecimento e retração do gelo. Eles ajudam a explicar os grandes ritmos climáticos que moldaram o passado da Terra.

O que deixa esse assunto ainda mais interessante é saber que nosso planeta, através dos muitos processos que compõem o Sistema Terra, é um verdadeiro arquivo destas mudanças climáticas, registrando nas rochas estes compassos astronômicos. Saiba como as rochas revelam esses ciclos ocultos no tempo. [Leia a continuação clicando aqui].
Fonte: abril