Você deve se lembrar: em abril deste ano, pesquisadores anunciaram a descoberta do que seria a evidência mais forte de vida alienígena até agora. Os astrônomos afirmam ter detectado no exoplaneta K2-18b duas moléculas que, na Terra, só são produzidas por organismos vivos – um indício de vida neste mundo distante.
Ainda que não fosse uma confirmação final, a notícia correu o mundo. Agora, porém, análises de outros cientistas questionam a conclusão original e levantam a possibilidade de que tudo não passou de uma medição imprecisa.
No último mês, pelo menos três equipes independentes se debruçaram sobre os dados da pesquisa original e concluíram que não há indícios concretos de vida no planeta.
O estudo que deu origem ao debate foi publicado na revista científica The Astrophysical Journal Letters e liderado por cientistas da Universidade de Cambridge, na Inglaterra. No artigo, os pesquisadores anunciam que detectaram, usando dados do telescópio James Webb, sinais de dimetilsulfureto (DMS) e outra molécula parecida, o DMDS, na atmosfera do K2-18b, um exoplaneta que fica a 124 anos-luz de nós. Como aqui na Terra a única fonte conhecida desses gases são algumas bactérias marinhas, isso seria um indício forte de vida neste mundo distante. (Outra possibilidade, é claro, é que algum outro processo ainda desconhecido produza a molécula de forma abiótica).
A detecção de moléculas em planetas tão distantes pode ser possível graças aos trânsitos planetários – fenômenos em que os planetas “entram na frente” das suas estrelas, bloqueando temporariamente a luz que chega aqui na Terra ou em satélites.
Com instrumentos especializados, dá para analisar a composição da atmosfera dos planetas nesses eventos porque os gases presentes por lá alteram a cor da luz (ou seja, seus comprimentos de onda), como se fossem diferentes filtros pelos quais as ondas passam. Explicamos em detalhes esse método, chamado espectroscopia, neste texto.
Falar é mais fácil do que fazer, claro – quanto mais longe o planeta, mais difícil a tarefa. Em tese, cada molécula funciona como um filtro específico, deixando marcas únicas na luz. Mas, na prática, esses sinais podem ser muito parecidos e difíceis de distinguir no meio de tantos dados.
As novas pesquisas questionam justamente isso: será que a análise da atmosfera do K2-18b pelo método de trânsito foi realmente precisa?
Um artigo, feito por pesquisadores da Universidade de Chicago, revisou os dados do planeta e concluiu que não há como afirmar com certeza que há indícios de dimetilsulfureto no exoplaneta.
“Descobrimos que os dados que temos até agora são muito confusos para afirmar que há alguma prova”, diz Rafael Luque, pesquisador da Universidade de Chicago e autor do artigo. “Simplesmente não há certeza suficiente para concluir uma coisa ou outra.”
Mais: a equipe também afirma que os poucos indícios que parecem apontar para o DMS podem ser explicados por outros gases, que não necessariamente têm origem biológica. Um gás comum como o etano, por exemplo, deixaria sinais similares ao DMS nos dados, e não indica vida. Ou seja: todo o argumento do estudo original cai por Terra, segundo essa análise. Este artigo, porém, ainda não foi revisado por outros pesquisadores e publicado numa revista científica – está disponível em formato pré-print no servidor arXiv.
Outros dois artigos, também não revisados e publicados, chegam à mesma conclusão: não dá para afirmar com certeza que a molécula DMS foi detectada no exoplaneta, e outros gases podem explicar os supostos indícios nos dados, sem envolver vida.
A equipe de Cambridge, por sua vez, continua defendendo sua análise original, mas admite que parte das críticas é válida. Em mais um capítulo dessa saga, eles escreveram um novo artigo, ainda em pré-print, que analisa outras possíveis moléculas que explicariam os dados identificados. A conclusão, porém, é que só há duas candidatas fortes além da própria DMS: sulfeto de dietila e metacrilonitrila, duas moléculas ainda mais complexas e nunca identificadas fora da Terra. Ou seja: eles reforçam que a DMS é a principal suspeita.
Quem está certo? A verdade é que, com informações limitadas, não dá para saber com certeza. Tudo isso lembra bastante, inclusive, outra discussão recente entre astrônomos sobre vida alienígena: a saga da fosfina em Vênus.
Em 2020, uma equipe afirmou que detectou a molécula fosfina, que pode ter origem biológica, em Vênus, nossa vizinha cósmica. Logo, outros cientistas contestaram a afirmação, afirmando que havia ruído nos dados (percebe o padrão?). No fim, a ideia de que Vênus pode abrigar vida por conta deste biomarcador não foi para frente… por enquanto. A discussão provavelmente só terá um ponto final com mais dados coletados pelas próximas missões ao planeta: Veritas e DaVinci, planejadas pela Nasa para os próximos anos.
Fonte: abril