Um novo estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de Cambridge indica que o cérebro não se desenvolve de maneira contínua. A conclusão é baseada em exames de 3.802 pessoas do nascimento aos 90 anos.
Segundo a análise, publicada na Nature Communications, a estrutura das conexões neurais muda de direção em determinados períodos, o que sugere a existência de cinco fases distintas ao longo da vida. Cada uma delas começa depois de uma alteração clara na forma como as regiões cerebrais passam a se comunicar entre si.
Essas transições aparecem porque, em algumas idades, o padrão das ligações que sustentam a troca de informação entre diferentes áreas muda de configuração. É como se o cérebro reorganizasse seu “mapa interno” e adotasse outro arranjo de funcionamento.
Para detectar essas mudanças, os pesquisadores usaram exames de ressonância magnética de difusão – um tipo de imagem que mostra por onde a água circula no tecido cerebral. Quando moléculas de água se movem por certos caminhos, elas revelam o desenho das fibras que conectam uma região à outra, a chamada substância branca. Com isso, é possível observar como essas conexões estão organizadas.
Depois, a equipe aplicou ferramentas que descrevem o comportamento das redes cerebrais. A lógica é: quando regiões distantes se comunicam com facilidade, o cérebro está mais integrado; quando grupos de áreas trabalham mais dentro de seus próprios limites, ele está mais segmentado; e quando algumas regiões assumem um papel central, é porque concentram boa parte do fluxo de informação.
Para visualizar como essas características mudam ao longo da vida, os cientistas recorreram a uma técnica de representação gráfica chamada UMAP, que facilita enxergar quando essas curvas mudam de direção. Foi assim que as cinco épocas sugeridas pelo estudo ficaram evidentes.
“Sabemos que a estrutura do cérebro é crucial para o nosso desenvolvimento, mas não temos uma visão completa de como ela muda ao longo da vida e por quê”, disse Alexa Mousley, autora principal, em comunicado. “Este é o primeiro trabalho a identificar as principais fases da formação das conexões cerebrais ao longo da vida humana.”
As fases
A primeira fase vai do nascimento até cerca de nove anos e é marcada por uma reorganização intensa. O cérebro infantil passa por uma “poda sináptica”: elimina ligações pouco utilizadas e fortalece as que fazem mais sentido. Do ponto de vista das redes, isso reduz a integração global e fortalece o processamento local.
Na prática, habilidades básicas como reconhecer rostos, interpretar sons da fala ou coordenar movimentos ficam mais rápidas e precisas, porque regiões vizinhas passam a trabalhar de forma mais ajustada. Já processos mais complexos, que exigem coordenação entre áreas distantes, como planejamento ou leitura de intenções sociais, ainda estão em formação.
Segundo Mousley, esse período coincide com mudanças cognitivas intensas e com maior risco de problemas de saúde mental no início da pré-adolescência.
A partir dos nove anos, o cérebro entra na segunda época, que se estende até aproximadamente os 32. É um intervalo muito mais longo do que costumamos associar à adolescência.
Nesse período, ocorre um ganho progressivo de eficiência das redes: a comunicação entre regiões distantes fica mais rápida, e a arquitetura geral das conexões se torna mais organizada. Isso aparece no cotidiano como maior velocidade de raciocínio, avanço em habilidades abstratas e maior estabilidade da memória de longo prazo.
É uma fase em que o cérebro funciona de forma especialmente coordenada: regiões distantes se comunicam com agilidade, enquanto áreas próximas continuam se especializando.
“A adolescência é a única fase em que essa eficiência está aumentando”, disse Mousley em comunicado. Isso não significa que pessoas de 30 anos ajam como adolescentes, mas que o padrão de reorganização neural ainda segue a mesma lógica – só que em maturação.
As mudanças atingem um ponto de virada decisivo aos 32 anos. Nesse momento, várias curvas da organização neural mudam de direção. Segundo o estudo, essa virada coincide com dados que mostram o auge da capacidade do cérebro de transmitir informações de maneira rápida e organizada, seguido por um período de estabilização e, depois, de declínio gradual.
É também quando muitas pessoas relatam sensação de maior clareza cognitiva e estabilidade emocional, com desempenho consistente em tarefas que exigem concentração prolongada.
Depois dos 32 anos, o cérebro entra na terceira época, que vai até os 66. É o período mais estável, com mudanças mais lentas. A integração diminui aos poucos, a segregação aumenta, e o papel das regiões mais conectadas permanece relativamente constante.
Na vida prática, isso aparece como maior consistência em habilidades baseadas em experiência, como vocabulário, conhecimento geral e tomada de decisões. Em contrapartida, tarefas que exigem resposta imediata – como alternar rapidamente entre atividades ou processar informações novas – podem ficar um pouco mais lentas, embora isso muitas vezes seja imperceptível no cotidiano. Essa fase coincide com estudos que descrevem um “platô” da inteligência e da personalidade.
O ponto de virada seguinte, aos 66 anos, não apresenta uma ruptura tão brusca quanto as anteriores. Ele marca uma mudança de cenário: a característica das redes mais associada ao envelhecimento passa a ser a modularidade – ou seja, o quanto os grupos de regiões funcionam de maneira mais separada.
Essa transição acompanha o início do desgaste natural da substância branca, o que significa que conexões de longa distância ficam um pouco menos eficientes. Isso ajuda a explicar por que pessoas nessa faixa etária se saem melhor em tarefas que dependem de conhecimento acumulado, enquanto podem sentir mais esforço ao aprender coisas completamente novas ou alternar rapidamente entre atividades.
A última grande virada ocorre por volta dos 83 anos. A partir daí, o cérebro passa a depender mais de alguns poucos núcleos que ainda mantêm boa comunicação interna, em vez de se apoiar em redes amplas distribuídas pelo órgão. Isso torna o desempenho mais desigual: habilidades sustentadas por circuitos antigos, muito consolidados, permanecem fortes, enquanto funções que exigem redes maiores – como formar memórias recentes – ficam mais vulneráveis.
É por isso que lembranças de décadas atrás muitas vezes permanecem vívidas, enquanto registrar informações novas se torna mais difícil.
Os autores observam que a amostra com mais de 83 anos é menor, o que limita a precisão estatística, mas o padrão geral indica que essa fase final varia bastante de pessoa para pessoa.
Para um dos responsáveis pelo estudo, Duncan Astle, essas transições ajudam a explicar por que tantas condições – das dificuldades de aprendizagem aos quadros de saúde mental e às doenças neurodegenerativas – surgem em momentos específicos da vida.
“Compreender que a jornada estrutural do cérebro não é uma progressão constante, mas sim uma sequência de pontos de virada, nos ajudará a identificar quando e como sua estrutura se torna mais vulnerável”, afirmou em nota.
A pesquisa também mostra que a trajetória do cérebro adulto e idoso é menos linear do que se imaginava. Embora o enfraquecimento das conexões longas seja esperado com o passar das décadas, outras características – como a forma como o cérebro se organiza em módulos ou a importância relativa de certas regiões – ganham ou perdem peso de maneiras distintas ao longo dos 60, 70 e 80 anos.
“Essas eras fornecem um contexto importante para entendermos no que nossos cérebros podem ser mais eficazes ou mais vulneráveis em diferentes fases da vida. Isso pode nos ajudar a compreender por que alguns cérebros se desenvolvem de maneira diferente em momentos-chave da vida, sejam dificuldades de aprendizagem na infância ou demência na terceira idade”, concluiu Mousley.
Fonte: abril






