Perder uma parte do corpo na natureza parece ser uma sentença de morte. Sem um braço ou uma perna, afinal, as chances de caçar, fugir de predadores ou se reproduzir diminuem drasticamente. Mas isso nem sempre é verdade.
Uma nova pesquisa mostrou que pequenos lagartos conseguem com frequência não só sobreviver, mas também prosperar, mesmo após perderem uma das patas.
Tudo começou com James Stroud, biólogo evolutivo do Instituto de Tecnologia da Geórgia, que notou que encontrava, com frequência, lagartos sem perninhas na natureza.
“De geckos a iguanas, camaleões a lagartos – sem patas, sem pedaços das pernas, até mesmo sem membros INTEIROS. E muitos pareciam… saudáveis? Gordos, até?”, contou ele em seu perfil do Bluesky. O pesquisador apelidou carinhosamente esses animais de “lagartos piratas de três pernas”.
Comentando esses avistamentos com outros pesquisadores, Stroud descobriu que a cena era mais comum do que imaginava.
Stroud e seus colegas biólogos sempre presumiram que até mesmo pequenas diferenças no comprimento das pernas poderiam comprometer a habilidade desses animais de fugir de predadores ou caçar presas, e que, portanto, lagartos sem membros seriam muito raros.
Intrigado, o cientista decidiu investigar se esses casos isolados poderiam representar um padrão mais amplo. O resultado foi uma espécie de rede científica global: dezenas de pesquisadores, de quatro continentes, começaram a enviar imagens e relatos de lagartos pernetas sobreviventes. No total, foram registrados indivíduos de 58 espécies diferentes.
A descoberta, publicada recentemente na revista The American Naturalist, mostra que a perda de um membro, embora rara (atingindo menos de 1% das populações), não é necessariamente fatal. Alguns lagartos, surpreendentemente, parecem prosperar mesmo sem uma pata.
“O mais notável é que documentamos sobrevivência até mesmo entre camaleões, que são especialistas em subir em árvores e cujos movimentos parecem exigir coordenação perfeita dos membros”, escrevem Stroud e Jonathan Losos, também autor do estudo, no site The Conversation.
O estudo revelou ainda algo contraintuitivo: certos lagartos amputados apresentavam peso acima da média e sinais de reprodução ativa. Em outras palavras, não apenas sobreviveram, mas continuaram a se alimentar com abundância e se reproduzir com sucesso.
Isso não acontece com todos, claro: muitos devem morrer pouco após perder seus membros, e por isso nunca são avistados por pesquisadores. Mas há exceções.
“Para deixar claro, a maioria dos lagartos provavelmente não sobrevive a ferimentos tão devastadores. O que documentamos são os casos excepcionais que desafiam nossas expectativas sobre o funcionamento da seleção natural”, escrevem os autores.
Para tentar entender como esses animais sobrevivem na natureza, os pesquisadores instalaram câmeras de alta velocidade e usaram um software que acompanha o movimento dos répteis quadro a quadro – e depois colocaram os bichinhos para correr.
“Alguns animais estavam claramente com capacidade reduzida de corrida, mas outros correram mais rápido do que indivíduos com todos os membros”, disseram.
A explicação pode estar na capacidade desses animais de reinventar o próprio corpo. As filmagens e as análises de movimento mostram que lagartos com três pernas modificam completamente sua forma de locomoção. Alguns intensificam o movimento ondulatório do tronco; outros dão passos mais curtos e rápidos, redistribuindo o esforço muscular. É um ajuste biomecânico caro em termos de energia, mas eficaz o bastante para garantir a sobrevivência. Veja no vídeo a seguir:
The secret: compensation. Using @deeplabcut.bsky.social, we found injured lizards altered their gaits.
Some showed exaggerated body undulation (serpentine movement). Others cranked up stride frequency. Different strategies, same result: maintaining speed despite missing limbs! 📊🔬
(7/n)
— James T. Stroud (@jameststroud.bsky.social) 14 de outubro de 2025 às 10:52
Os “lagartos piratas” desafiam ideias tradicionais sobre a sobrevivência na natureza e revelam que a seleção natural é muito mais complexa e imprevisível do que alguns modelos simplistas sugerem.
Segundo Stroud, o estudo reforça a ideia de que a seleção natural é probabilística: o destino de um indivíduo depende tanto do acaso quanto de suas características. Um lagarto com mobilidade reduzida pode sobreviver simplesmente por nunca cruzar o caminho de um predador.
Além disso, ela é multifacetada, pois age simultaneamente sobre diversos traços. Um animal com excelente camuflagem ou visão pode compensar a perda de uma perna e continuar vivo, mostrando que vantagens em certas áreas podem equilibrar deficiências em outras.
A seleção natural também é episódica, variando em intensidade ao longo do tempo – em períodos de poucos predadores ou abundância de presas, por exemplo, certas limitações físicas têm menor impacto. E, por fim, o comportamento funciona como uma barreira protetora: lagartos feridos podem mudar seus hábitos, permanecer mais próximos de abrigos ou buscar ambientes mais seguros.
“A natureza é complicada!”, resume Stroud no Bluesky.
Fonte: abril





