SAÚDE

Estudo aponta presença generalizada de microplásticos no ar global

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A poluição plástica costuma ser lembrada pelas imagens de tartarugas presas em sacolas ou pelas ilhas de lixo que flutuam nos oceanos. Mas a ciência tem mostrado que o problema vai muito além do que se vê. Fragmentos microscópicos de plástico, invisíveis a olho nu, não apenas contaminam a água e os alimentos: eles também circulam no ar que respiramos.

Foi essa a conclusão de uma revisão publicada recentemente na revista científica Current Pollution Reports por pesquisadores da Universidade de Manchester. O trabalho reuniu quase cem estudos sobre microplásticos (menores que 5 milímetros) e nanoplásticos (com menos de 1 micrômetro), investigando especificamente sua presença na atmosfera.

Os resultados revelam que essas partículas podem viajar milhares de quilômetros em poucos dias, atravessando fronteiras, cadeias de montanhas e até atingindo regiões polares. Assim, elas estão sujeitas a processos semelhantes aos de poeira ou fuligem: são transportadas pelo vento, depositam-se em solos, rios e mares, e retornam à atmosfera em ciclos sucessivos.

Apesar de sua relevância, o fenômeno ainda é pouco quantificado. As estimativas variam entre menos de 800 toneladas e quase 9 milhões de toneladas de plásticos liberados no ar por ano. Essa discrepância torna quase impossível avaliar com precisão a exposição humana. 

“A escala de incerteza em torno da quantidade de plástico que entra em nossa atmosfera é alarmante”, disse o professor Zhonghua Zheng, autor principal do estudo, em comunicado.

Para enfrentar essa lacuna, os pesquisadores defendem a criação de uma rede internacional de monitoramento, com métodos padronizados de coleta e análise. Outra sugestão é o uso de inteligência artificial para processar os grandes volumes de dados e aprimorar os modelos que simulam o comportamento das partículas em condições atmosféricas complexas. “Se quisermos proteger as pessoas e o planeta, precisamos de melhores dados, melhores modelos e coordenação global”, afirma Zheng.

Impactos sobre a saúde

O Fórum Econômico Mundial colocou a poluição plástica entre as dez maiores ameaças globais de 2025. O alerta não é exagero. Pesquisas recentes identificaram microplásticos em órgãos humanos como pulmões, fígado, cérebro, articulações e sangue.

Um estudo coordenado pela médica Kjersti Aagaard, da Universidade Baylor, analisou placentas e encontrou associação entre a concentração de micro e nanoplásticos e partos prematuros. Em entrevista ao The Guardian, ela explicou: “É surpreendente pensar que algo tão onipresente e aparentemente inerte como o plástico possa estar relacionado a desfechos clínicos tão significativos”.

A exposição ocorre por várias vias. Além da inalação de partículas suspensas no ar, microplásticos já foram encontrados em frutos do mar, vegetais, mel, açúcar, água potável e chá. Até mesmo um único grama de chiclete pode conter mais de 600 fragmentos, segundo uma análise feita por pesquisadores da Universidade da Califórnia.

Estima-se que cada pessoa ingira, beba ou respire entre 78 mil e 211 mil partículas por ano. O Fórum Econômico Mundial destaca que a presença dessas partículas no organismo pode aumentar o risco de doenças cardiovasculares, como infartos e derrames, além de contribuir para mortes prematuras.

Efeitos ambientais

Microplásticos também já foram associados à redução da fotossíntese de plantas e algas em até 12%. O professor Bryan Berger, da Universidade da Virgínia, explicou ao UVA Today que essa perda equivale a centenas de milhões de toneladas a menos de produção agrícola a cada ano – um dado preocupante diante do avanço das mudanças climáticas e do crescimento populacional.

Outros estudos mostraram que folhas de vegetais cultivados ao ar livre podem absorver partículas diretamente do ar. Pesquisas conduzidas na China identificaram acúmulo de poliestireno em alfaces, revelando que a contaminação atmosférica também se transfere para a cadeia alimentar vegetal.

Além disso, os microplásticos podem atuar como plataformas de colonização de microrganismos nocivos. Esse fenômeno foi apelidado de plastisfera. Segundo Berger, os fragmentos oferecem condições ideais para bactérias e fungos que podem se tornar resistentes a antibióticos e acumular substâncias tóxicas, como metais pesados e compostos PFAS.

Os micro e nanoplásticos têm múltiplas origens. Alguns são produzidos intencionalmente em tamanho reduzido, como microesferas utilizadas em cosméticos e pellets industriais – como as purpurinas ou bolinhas de esfoliantes. Outros resultam da degradação de plásticos maiores, expostos ao sol, calor e atrito.

A lavagem de roupas sintéticas libera milhares de microfibras em cada ciclo de máquina. O desgaste de pneus, por sua vez, lança partículas que alcançam rios e mares pela água da chuva. Sacolas, garrafas e embalagens abandonadas em aterros também se fragmentam com o tempo e entram no ciclo da água e do ar. Por serem extremamente pequenas, essas partículas escapam até de sistemas de tratamento de esgoto e filtragem de água. 

Possíveis soluções

A crescente preocupação internacional levou a algumas iniciativas políticas. Em 2022, 175 países assinaram um acordo da ONU para pôr fim à poluição plástica, embora ainda falte definir metas concretas. 

Em 2023, a União Europeia proibiu a venda de glitter plástico solto, e os Estados Unidos já haviam banido microesferas em cosméticos desde 2015.

No campo tecnológico, há pesquisas que exploram diferentes formas de remover microplásticos. Entre as soluções em estudo estão microrrobôs coletores, ímãs revestidos com substâncias que atraem fragmentos, e óleos vegetais capazes de aglutinar partículas em água. Outras abordagens incluem processos de oxidação avançada, biodegradação e fotocatálise induzida pela luz solar.

“Ao adotar essa abordagem integrada, podemos transformar fundamentalmente a forma como entendemos e gerenciamos essa ameaça emergente”, aponta o pesquisador Fei Jiang, coautor da revisão, em nota. “Todas essas áreas devem trabalhar em conjunto para gerenciar essa ameaça emergente e moldar estratégias globais eficazes contra a poluição.”

No entanto, especialistas ressaltam que as soluções mais eficazes continuam sendo a redução da produção e do consumo de plástico. Recomendações práticas incluem preferir roupas de fibras naturais, reduzir embalagens descartáveis, usar filtros em máquinas de lavar, substituir sachês de chá por folhas soltas e cobrar regulamentações mais rígidas do setor.

O estudo da Universidade de Manchester mostra que o problema não pode mais ser tratado apenas como uma questão dos oceanos. Ele está no ar que respiramos, com implicações diretas para a saúde, a agricultura e os ecossistemas.

 

Fonte: abril

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