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Cinema

Entrevista: ‘O Olhar Misterioso do Flamingo’ premiado em Cannes vai discutir medo e ódio na sociedade no Festival do Rio 2025

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Poucas coisas são mais latinas que o realismo mágico. A fantasia e o absurdo revelam as belezas do continente, mas também as mazelas mais duras que vivemos entre os trópicos. É justamente nessa dualidade que o diretor se debruça sobre em , que faz parte da Première Latina do e representará o Chile na corrida pelo em 2026.

O filme desembarca no Rio de Janeiro após vencer o prêmio da mostra Un Certain Regard do Festival de Cannes, que aconteceu em abril. Essa conquista chama a atenção, claro, para quem monta sua agenda, mas o que observei na última semana é que o infalível marketing do boca-a-boca está enchendo todas as sessões. No momento de redação desta matéria, menos de seis assentos para a última sala disponível não haviam sido vendidos ainda.

Foi justamente em uma sessão esgotada no Estação NET Botafogo — tradicional cinema de rua da Zona Sul carioca — que pude participar da primeira exibição do longa no Brasil, contando com a presença de Céspedes e do ator . Antes do apagar das luzes, o cineasta de 30 anos declarou ser fã das novelas brasileiras, em especial, de , e chamou atenção para o conceito geral da trama: a busca universal por afeto.

O Olhar Misterioso do Flamingo foca em uma comunidade isolada para discutir temas universais

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La Misteriosa Mirada del Flamenco se passa durante os anos 1980 em um remoto povoado mineiro do norte chileno, mais especificamente, na cantina comandada por uma família de travestis. É aí que vive Lídia (), uma menina de 12 anos que foi abandonada pela mãe biológica e cresce cercada do amor das tias e de sua mãe adotiva, Flamingo (Matías Catalán).

Da porteira para fora, o afeto se perde na aridez do deserto e a garota sofre com a desconfiança e com o medo dos vizinhos, que acusam as moradoras do casebre de disseminar uma peste que adoece e mata os homens que trocam olhares apaixonados com alguma das “chiquillas”.

Em entrevista exclusiva ao AdoroCinema, Diego Céspedes afirmou que escolheu ambientar a história em uma comunidade isolada teve o objetivo de dar a entender que ela poderia acontecer em qualquer lugar, até mesmo no rincão mais inóspito da América do Sul:

“Isso ajudou a transmitir com uma perspectiva mais universal, porque, no fim das contas, o filme não é baseado em uma cidade real ou em algo diretamente inspirado na realidade. Ele fala de conceitos humanos, conceitos de família de uma forma positiva. Portanto, a vila isolada é apenas uma analogia para o que poderia acontecer em qualquer lugar. Basicamente, isolar esse povo significa criar suas próprias regras, assim como qualquer país as criaria em diferentes partes do mundo”, explica.

Menciono durante a conversa que essa estratégia é usada frequentemente por . Também chilena, a escritora de situa seus romances em um país jamais nomeado na América Latina, viabilizando a criação de um mundo totalmente novo que pode estar em qualquer ponto do continente.

Além da geografia semi-fictícia, Céspedes aproveita outro recurso que Allende emprega em seus livros: o uso da fábula como metáfora para ilustrar questões cruelmente reais. Nesse caso, a maldição que suga a vitalidade de Flamingo serve como uma alegoria para o vírus HIV, que vitimou milhares de pessoas, sobretudo, da comunidade LGBTQIAP+.

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No entanto, nada aqui é explícito, tanto que o cineasta descreve que, em seu roteiro, “a pandemia da AIDS funciona mais como um contexto violento do que realmente falar sobre o que foi esse horror. E, no fim das contas, [O Olhar Misterioso do Flamingo] trata mais das consequências do medo e do ódio na sociedade do que da pandemia em si”.

Em La Misteriosa Mirada del Flamenco, toques e olhares traduzem a dicotomia entre o medo e o acolhimento

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Essa abordagem se encaixa bem até porque as notícias da capital dificilmente chegam aos trabalhadores das minas e a justificativa que faz mais sentido para eles está, justamente, no inexplicável, no mítico. E, como toda boa fábula, o olhar mágico de Flamingo é desenhado de maneira lúdica. Por isso, traduzir essa ideia demandou uma construção imagética e sensorial muito forte, tanto pela atmosfera criada pela arte, som e fotografia quanto pela corporeidade na performance dos atores:

“Eu queria que as pessoas pudessem ver a ternura, mas também o sofrimento, através das lentes de Flamingo. Porque não há muito diálogo nas cenas da minha personagem. Então, tive que narrar muito com os meus olhos, como sugere o título do filme. Acho que o que fiz foi construir essa perspectiva com a doença como ponto de partida e fazendo uma intersecção com o amor”, detalhou Matías Catalán.

O diretor ainda afirmou que explorar as nuances dos sentidos foi crucial para o desenvolvimento da personagem de Lídia, vivida pela hipnotizante Tamara Cortes. Segundo ele, “todo o aspecto sensorial do filme serve como uma forma de transmitir o eu interior de Lídia”. Afinal, a trama se desenrola totalmente a partir do ponto de vista da menina enquanto ela desvenda que o mundo em que habita é muito mais complexo do que vê: igualmente repleto de ódio e acolhimento nos lugares onde menos se espera.

O acontece oficialmente até domingo, dia 12 de outubro, e também contará com sessões de repescagem (ou chorinho, em bom carioquês) selecionadas na próxima semana. Os ingressos estão à venda no site do evento e nas bilheterias dos cinemas parceiros.

Fonte: adorocinema

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