Dizer que ” são todos iguais” não só é um grande equívoco, como também é um discurso perigosíssimo. A partir de um lugar muito pessoal e lúdico, explora a memória dos regimes militares da América Latina em , que faz parte da .
Após passar pelo Festival de Biarritz, na França, o filme teve sua primeira exibição no Brasil na última segunda-feira, 6 de outubro, no Estação NET Botafogo, tradicional cinema de rua da Zona Sul carioca. Além de As Vitrines, a diretora também apresenta o drama na programação do evento.
O longa se passa em 1973, quando o Chile acaba de sofrer um golpe militar orquestrado por Pinochet. Diante das circunstâncias perigosas, a embaixada da Argentina no país é um dos únicos lugares seguros para centenas de militantes de esquerda à espera de um visto de saída da tumultuada região. É ali dentro que Pedro () e Ana (), filhos de ativistas políticos brasileiros exilados em Santiago, se conhecem.
Ainda que se trate de um filme de ficção, a história é inspirada pela infância da própria Flávia, que ficou quatro meses esperando pelo visto junto de sua família em Santiago. Na abertura da sessão, a cineasta destacou que na sala estavam presentes pessoas que estavam refugiadas na Embaixada da Argentina na vida real, incluindo sua mãe. O grupo foi aplaudido pelo público antes do apagar das luzes.
As Vitrines traça um caminho de lembranças igualmente forte e delicado

Filmes do Estação/República Pureza Filmes
Com uma disposição de cena quase teatral, as cenas mostram como a rotina dos adultos gira em torno de reuniões, racionamento de comida e espaço, enquanto as crianças lidam com as consequências desse cenário: Pedro angustiado pela segurança da mãe que ainda está lá fora e Ana deslumbrada com as possibilidades de olhar para o mundo através dos cacos de vidro coloridos do jardim do prédio.
Em entrevista exclusiva ao AdoroCinema, Flávia Castro reforça que narrar esse momento pelo olhar infantil não se trata de um recurso, mas sim algo essencial para ela:
“Eu não consigo imaginar de outra forma, porque é o olhar que eu tinha naquela época. Então eu acho importante a gente continuar fazendo esse trabalho de memória. A arte, e o cinema em particular, trazem essa possibilidade da gente olhar para esse tempo a partir da subjetividade de quem experimentou”, afirma Castro.
Apesar de jovens, as crianças que ocupam os espaços da embaixada são muito menos ingênuas do que aparentam e estão muito cientes da situação em que se encontram. Salpicados pelo filme estão momento igualmente adoráveis e elucidantes nos quais Pedro e Ana demonstram mais maturidade e pensamento crítico do que os próprios adultos que os cercam.
Os protagonistas de As Vitrines são o retrato das crianças que coloriam o frio cenário chileno
A dupla de protagonistas reflete muito a perspicácia de seus personagens, tanto que foram escolhidos por essa característica (assim como pelo espanhol fluente). Gael Nórdio, intérprete de Pedro, relembrou que aprendeu sobre as ditaduras militares da América do Sul no colégio mais ou menos no mesmo período que gravou o filme, então pôde fazer associações importantes entre o conteúdo escolar e a experiência no set:
“Foi totalmente imersivo a Flávia contando para a gente e acabamos aprendendo muito mais do que na escola. Eu sabia o básico e para a gente foi muito novo e imersivo saber como era pesado, principalmente para as crianças que tinham muito menos acesso à informação. E para os adultos, que relembrarem o que eles viveram, então foi muito magnífico e ao mesmo tempo é meio pesada a história”, relembra.

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Enquanto isso, Helena O’Donnel, que dá vida à maior fã de autocríticas de todas, Ana, já tinha noção dos acontecimentos históricos da ditadura militar por causa de sua família, mas destacou que ganhou uma dimensão emocional maior do que se passou naquela situação específica:
“Ao longo das gravações, enquanto a gente estava lá naquele contexto, eu senti eu aprendi muito naquele momento. Porque mesmo já tendo um pouco de bagagem, principalmente, na minha família, essa imersão fez a parte de contar essa história muito real e muito verdadeira. E isso ajudou muito para entender não só o que estava acontecendo historicamente, mas também o que as pessoas estavam se sentindo naquela época, naquele momento”, compartilhou.
Tão atenta aos detalhes quanto sua personagem, Helena destaca que o visual de As Vitrines reflete a mensagem do roteiro, que passeia entre o lúdico e a dureza da realidade para recupar e manter viva, através de diversos pontos de vista, a memória e o impacto humano dessa época no Brasil, no Chile, na Argentina e em todos os países afetados pelo autoritarismo:
“Tem muitos detalhezinhos que deixam o filme ainda mais especial. Lembro de ouvir o pessoal da arte falando sobre como a embaixada era um prédio frio e as pessoas que passaram a viver lá usam cores quentes para mostrar que elas eram que levavam cor para aquele lugar”, pontua.
O acontece oficialmente até domingo, dia 12 de outubro, e também contará com sessões de repescagem (ou chorinho, em bom carioquês) selecionadas na próxima semana. Os ingressos estão à venda no site do evento e nas bilheterias dos cinemas parceiros.
Fonte: adorocinema