O ciúme, essa emoção tão visceral e perturbadora, é um tema recorrente na clínica analítica. Para além das circunstâncias externas que podem despertá-lo, a psicanálise nos convida a investigar suas raízes mais profundas. Essas raízes estão frequentemente fincadas em nossa história pessoal.
Elas também se relacionam com a forma como construímos nossa autoimagem e nosso senso de valor nos relacionamentos. Entender essas origens é o primeiro passo para lidar com o ciúme de forma mais consciente e menos destrutiva.
O ciúme é um sinal de que falta algo em mim?
Quando o ciúme surge, a pergunta implícita costuma ser: “Por que meu parceiro preferiria outra pessoa?”. A análise, contudo, inverte a questão: “O que, em mim, me faz acreditar que meu parceiro preferiria outra pessoa?”.
O foco se desloca do objeto externo (o rival imaginário, o comportamento do parceiro) para o sujeito (o próprio ciumento). O ciúme, nessa perspectiva, não é primariamente sobre a ameaça real de perda, mas sobre uma sensação interna de “falta”, uma crença de que não somos bons o suficiente, de que algo em nós é inadequado ou indesejável.
Projetamos essa falta no outro (“ele é melhor do que eu”) e tememos que o parceiro também a perceba e nos abandone.
Identificar essa “falta” – que pode ser uma insegurança sobre a aparência, inteligência, status, ou qualquer outro aspecto – é crucial. É olhar para aquilo que, em nossa fantasia, nos torna menos dignos de amor e que tememos que o outro descubra.
Como a dificuldade em estabelecer limites pode intensificar o sentimento de falta nos relacionamentos?
Curiosamente, a dificuldade em lidar com o ciúme pode estar relacionada a uma dificuldade mais ampla em estabelecer limites em outras áreas da vida.
Um cliente que se sente compelido a usar subterfúgios para negar um favor financeiro a um colega, por achar “chato” recusar diretamente, demonstra uma dificuldade em afirmar suas próprias necessidades e limites.
Essa porosidade nos limites pode se refletir na relação amorosa, talvez como uma dificuldade em comunicar desconfortos ou em confiar na própria percepção.
Estabelecer uma “política da casa” – ter regras e limites pessoais claros e comunicá-los assertivamente – não é apenas uma questão prática, mas um exercício de fortalecimento do self.
Afirmar um “não” quando necessário, mesmo que gere desconforto inicial, reforça a autonomia e a autoestima, diminuindo a vulnerabilidade a manipulações externas e a inseguranças internas.
O que diz a psicanálise sobre a sensação de falta e a crença de não ser bom o suficiente?

De onde vem essa sensação de “falta” ou de não ser “bom o suficiente”? A psicanálise nos ensina a rastrear as origens dessas crenças na história infantil.
Mensagens sutis ou explícitas recebidas de figuras parentais ou cuidadores sobre nossas capacidades, nossa aparência ou nosso valor podem ser internalizadas e formar o núcleo de nossas inseguranças adultas.
Um olhar de reprovação, uma crítica constante, a comparação com irmãos, ou mesmo a negligência afetiva podem deixar marcas profundas.
O trabalho analítico envolve revisitar essas memórias e experiências, não para culpar, mas para compreender como esses “fantasmas da infância” continuam a operar no presente, moldando nossa percepção de nós mesmos e nossos medos nos relacionamentos.
Trazer essas origens à consciência permite desconstruir crenças disfuncionais e construir uma autoimagem mais realista e segura.
Conclusão
O ciúme patológico raramente se resolve com controle externo ou vigilância. A chave está no trabalho interno de autoconhecimento e fortalecimento da autoestima.
Ao investigar a “falta” que sentimos em nós, estabelecer limites claros em nossas interações e compreender as origens infantis de nossas inseguranças, podemos gradualmente diminuir o poder do ciúme sobre nós.
É um caminho que substitui a busca incessante por segurança no outro pela construção de uma segurança interna, permitindo relacionamentos mais confiantes, leves e genuínos.
Texto revisado por Luiza Mazon.
Fonte: fashionbubbles