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Economia

Daniela Villagra e a denúncia contra a ‘indústria da pobreza’: uma análise reveladora sobre a exploração desse mercado

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(*) Daniela Villagra

Doações internacionais maciças, caridades e negócios de “compre um, doe um” podem ter intenções nobres de aliviar ou até resolver a pobreza extrema no mundo. No entanto, estes não resolvem a causa-raiz do problema. E seus efeitos colaterais contribuem para uma “armadilha da pobreza”, um ciclo vicioso que reproduz mais pobreza ao invés de reduzi-la.  

Esse é o tema do documentá Poverty Inc, ganhador de mais de 60 prêmios em festivais internacionais de cinema, como o Templeton Freedom, inclusive de melhor documentário do FIFE Environmental Film Festival. Diferentemente do senso comum, o documentário adota a perspectiva de que a pobreza é como um sistema complexo, comparável a uma indústria.

Como qualquer indústria ou grande negócio, que possui vários players e incentivos, o objetivo é crescer e lucrar cada vez mais. Nesse sentido, Poverty Inc lança a provocante ideia de que a pobreza é produzida e que alguém lucra com ela. Logo, se existe uma indústria da pobreza, seu objetivo não seria diminuir a pobreza, mas, sim elevá-la, pois, de outro modo, a indústria se tornaria obsoleta.

Quando pensamos em pobreza, e em como ajudar os pobres, uma das primeiras coisas que vem à mente são as doações. E, de fato, as doações podem ser muito importantes quando não há uma alternativa: como uma ajuda humanitária após um ou guerra, uma situação de emergência que pede uma ajuda pontual.

O sistema

O problema está em doações em grande escala, organizadas por governos, ONGs, caridades ou empreendimentos sociais. O sistema tem início com um sentimento coletivo de atuar de forma maciça, através de governos de países ricos que realizam empréstimos para governos de países pobres.

Essa primeira fase parte da extração de dinheiro dos pagadores de impostos de governos de países desenvolvidos que é transferido para países subdesenvolvidos via projetos de doação de comida, infraestrutura e sistema de saúde.

Os governos de países ricos também distribuem o dinheiro para outros dois grupos de players: organizações internacionais, como o FMI e o Banco Mundial, os quais também transferem dinheiro para outros governos; e organizações sociais, como consultores, ONGs e caridades, as quais também possuem conexões com outras organizações como elas, porém menores.

Esses contratos e empréstimos podem chegar a níveis de milhões de dólares, envolvendo diversos players em um sistema complexo e de interdependência, baseado na única ideia de doação e distribuição gratuita de bens para países pobres.

Quem perde com a indústria da pobreza?

As doações despertam um sentimento de compaixão, empatia e dever de retribuir na sociedade. Nos sentimos bem quando podemos doar e ajudar alguém, o que gera a vontade de doar cada vez mais, alimentados pela intenção nobre de se importar com quem está passando necessidades.

Porém, qual é o impacto das doações, que não são pontuais, mas que são maciças, e desse estímulo de querer sempre ajudar mais e mais? Quais são os impactos de milhões de doações de alimentos, roupas e sapatos no ambiente como um todo do país subdesenvolvido?

Um exemplo bom e ilustrativo é da empresa de sapatos TOMS Shoes. Seu fundador viu uma tendência de estilo de sapato e teve a grande ideia de alavancagem e impacto social de que, para cada par vendido, outro par seria doado para algum país subdesenvolvido. Relacionando com a obra de Bastiat, O que se vê e o que não se vê, podemos analisar a situação da seguinte forma:

O que se vê: o consumidor comprou um sapato novo, junto de uma consciência boa e sentimento de empatia por ter ajudado os pobres. O empresário saiu satisfeito, afinal lucrou, e disponibilizou a oportunidade de alguém em necessidade receber ajuda. E a criança pobre ganhou um sapato novo de graça.

O que não se vê: o empreendedor pequeno da comunidade que possui uma sapataria. Por que alguém compraria sapato dele, se pode ganhar um de graça? Sua fonte de renda é impactada negativamente pelo despejo aleatório e imprevisível de produtos grátis. O crescimento do seu negócio está em risco, e a incerteza de receitas faz também com que ele segure investimentos e não contrate mais mão de obra. O poder aquisitivo do sapateiro e de seus possíveis empregados cairá e, portanto, eles passarão a comprar menos de empreendedores de outros setores.

Quando esse tipo de ajuda e doações em grande escala se tornam muito frequentes, acabam impactando negativamente a economia local como um todo. Esse estado de doação torna-se permanente, fazendo com que os pobres fiquem mais dependentes das doações, enquanto os empresários não conseguem competir com a enxurrada de produtos de graça vindos de fora.

E não falamos apenas de doações de ONGs, mas também do sentimento dos países ricos de ajudar um país pobre que passa fome. Muitas vezes, a resposta quase instintiva é vender comida mais barata para esses países, assim eles teriam mais condições de alimentar sua população.

Exemplo disso é o famoso caso do arroz de Haiti, um país que produzia arroz nacionalmente. O governo haitiano recebeu a oferta de comprar arroz da agroindústria norte-americana através de políticas públicas de ajuda alimentar nos anos 1980. A competição de um arroz mais barato — ou até de graça — no mercado, forçaram uma redução artificial do preço dos produtores locais. Esses agricultores locais não conseguem cobrir seus custos com esse novo preço de mercado mais baixo. Enquanto isso, os agricultores do país desenvolvido lucram com o dinheiro do pagador de impostos do país desenvolvido, sob o motivo de ser caridade.

O primeiro impacto foi a falência dos agricultores haitianos. Perderam suas fazendas e propriedades rurais, tendo que se mudar para favelas nas áreas urbanas. O segundo foi que a oferta total de arroz diminuiu para a população, pois agora não contavam mais com os produtos locais, apenas com os estrangeiros. O resultado foi mais pobreza, mais favelas e mais fome.

A causa-raiz da pobreza

países pobres - crise por causa do coronavíruspaíses pobres - crise por causa do coronavírus
Doar Comida Para Resolver Uma Situação Pontual Ou De Desastre Natural Pode Ser Benéfico No Curto Prazo, Mas Não Resolve A Pobreza No Longo Prazo | Foto: Reprodução/Canva

Se a doação ou a oferta de comida e produtos mais baratos devido a políticas públicas não funcionam, como podemos ajudar a combater a pobreza no mundo?

Antes de acharmos uma solução, é necessário entender o problema com clareza, estabelecendo a relação lógica de causa e efeito. Uma população é pobre porque não tem dinheiro. Ela não tem dinheiro porque não tem fonte de renda para tal, ou seja, um emprego ou um negócio próprio. Se não há empregos suficientes é porque não há pequenos e médios negócios na comunidade.

Portanto, se estimularmos a criação de negócios, iremos também incentivar a criação de empregos. É através do desenvolvimento econômico que se combate efetivamente a pobreza no longo prazo. As doações só conseguem resolver até certo ponto, no curto prazo. Se são em grandes volumes e se tornam permanentes, mais agravam que melhoram o problema. Sem a necessidade de bens, não há demanda para incentivar a criação de pequenos negócios.

Doar comida para resolver uma situação pontual ou de desastre natural pode ser benéfico no curto prazo, mas não resolve a pobreza no longo prazo. Se os países ricos querem ajudar a reduzir a fome, devem parar de doar ou vender comida mais barata para países pobres, e começar a comprar comida desses países.  

Além de fazer a economia girar, isso também incentiva a mentalidade correta em quem está recebendo a doação, evitando uma relação de paternalismo e dependência em que os pobres se sentem inferiores e incapazes de melhorarem seus padrões de vida sem a ajuda dos “superiores”. Incentiva-os a serem protagonistas em suas vidas, e a terem a satisfação de prosperarem.

Segundo Magatte Wade, empreendedora africana reconhecida pela Forbes como uma das “20 Mulheres Jovens mais Influentes da África”, os países que são chamados de pobres na África são ricos em petróleo, diamantes, terras e ouro, além de terem potencial para turismo. Não faltam meios de riqueza. E as populações africanas não podem ser vistas como inferiores ou sem capacidade de prosperarem, imagem que é passada frequentemente. A única questão é que elas estão desconectadas do comércio global.

A crítica de Poverty Inc é que não é assim que o sistema funciona hoje. Se o sistema de pobreza é uma indústria, então acabar com ela significa torná-la obsoleta. O documentário desafia quem está lucrando com ela. Quem mais se beneficia das coisas do jeito que estão? As pessoas que estamos tentando ajudar? Ou as pessoas que trabalham na indústria da pobreza?

Quem ganha?

Se a pobreza é uma indústria, se acabarmos com a pobreza, o sistema internacional e todos os seus players se tornarão obsoletos. Hoje não há incentivos suficientes para acabar com esse ciclo vicioso de mais doações, menos negócios locais, mais dependência, mais pobreza, e, portanto, completando o ciclo e gerando ainda mais pobreza. E quem lucra com isso são os players inclusos no sistema.

Os governos dos países doadores ganham poder de barganha em acordos comerciais com nações mais pobres, visto que fornecem ajuda financeira a elas. As empresas ganham subsídios para ofertarem produtos mais baratos. As ONGs ganham dinheiro do governo para seus projetos e financiamento de outras ONGs e caridades menores. Consultores possuem salários altos, que normalmente são livres de impostos, ganhando ainda casas e carros quando implementam os projetos nas comunidades. Nenhum deles possui o incentivo real de tornar os países pobres independentes, e, portanto, não precisarem mais de suas ajudas.   

A solução

A forma mais efetiva de combater a pobreza é garantir que os países pobres tenham as condições necessárias para conquistarem sua prosperidade. O documentário lista:

  • Proteção legal contra roubo e violência;
  • Justiça nos tribunais;
  • Proteção à propriedade privada;
  • Liberdade para abrir um negócio; e
  • Conexões para maiores círculos comerciais

Entre as ações mais específicas, é citado:

  • Incentivar ONGs que ensinam comunidades a desenvolverem diversas como artesanato, agricultura, construção e empreendedorismo;
  • Não apoiar leis nacionalistas que bloqueiem a exportação de produtos de países pobres;
  • Comprar produtos, caso realmente satisfaça alguma necessidade, de comunidades locais. Incentivar desburocratização e processos práticos para abertura de empresas;
  • Parar de dar voz à imagem apenas da pobreza dos países subdesenvolvidos, mas contar a história de seus empreendedores de sucesso; e
  • Promover o livre mercado e proteção à propriedade privada.

A mensagem de Poverty Inc é uma quebra de paradigma, de extrema importância para o mundo atual. Suas ideias devem ser debatidas com mais profundidade. Por essa razão, essa foi a inspiração para o tema da 10ª edição do Fórum Liberdade e Democracia, promovido pelo Instituto de Formação de Líderes de São Paulo (IFL-SP), que ocorrerá no dia 20 de outubro de 2023, com o tema: “Da Pobreza à Riqueza das Nações”.

Fica a provocação para o leitor se aprofundar mais nesse debate e nessa quebra de paradigma. E que é hora de repensar a pobreza e os mecanismos que existem para combatê-la. Ver como podemos ajudar os pobres a alcançarem seus sonhos. Resolver problemas que desejam, e não seguir uma agenda internacional. Seguir suas visões, sendo responsáveis pelas suas próprias vidas. E citando outro grande empreendedor africano entrevistado no documentário, Herman Chinery-Hesse: “No mundo de hoje, a África não de mais ajuda, mas de uma porta de entrada. Os africanos conhecem a África, e somente africanos podem desenvolver a África”.

Sobre o IFL-SP 

O IFL-SP é uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos ou quaisquer compromissos político-partidários. Seu principal objetivo é, através da formação de jovens líderes, conscientizá-los de seu papel político, econômico e social, em busca da construção de um país mais livre e próspero, com base nos de Estado de Direito, Liberdade Individual, Livre Mercado e respeito à Propriedade Privada. Para mais informações, acesse o nosso site https://iflsp.org

Sobre Daniela Villagra

Daniela Villagra é associada do IFL-SP, formada em administração e consultora de gestão empresarial.

Fonte: revistaoeste

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