Um é espanhol. O outro, brasileiro. O Jardineiro, de 2025, é uma minissérie de sucesso mundial da Netflix.
O Florista, de 2012, um curta-metragem com quase 9.000 visualizações no Youtube.
Ambos compartilham semelhanças entre si.
Nos dois casos, o assassino é uma espécie de justiceiro, limpando o mundo de pessoas ruins.
E é também um profissional que trabalha com a venda de flores. No caso do primo mais famoso, ele é Elmer (Álvaro Rico), um jovem que tem uma condição especial de saúde.
Após um acidente de trânsito na infância, ele perdeu a capacidade de sentir emoções.
Perfeito para um matador profissional que enterra suas vítimas embaixo de jardins premiados criados por ele mesmo.
Um misto de brutalidade e sensibilidade.
Elmer trabalha com a mãe, China Jurado (Cecília Suárez), uma ex-atriz que perdeu a perna na batida e passou a gerenciar dois negócios: uma estufa de plantas e um matador de aluguel. Eles vivem em Pontevedra, na Espanha.
O hitman usa uma seringa para injetar veneno em seus alvos. A substância é criada por ele mesmo através de componentes das plantas. No curta do cineasta Filipe Silveira, o assassino (vivido pelo próprio diretor) é o dono de uma floricultura durante o dia. À noite, armado com uma zarabatana, ele sopra um dardo encharcado de curare – um veneno paralisante criado a partir de componentes de plantas – em suas vítimas.
Conheça a obra:
O escolhido é um machista que espanca homossexuais nas ruas de Campo Grande, Mato Grosso do Sul.
Com o agressor imobilizado, o florista, também num misto de brutalidade e sensibilidade, bebe vinho enquanto usa o saca-rolhas para abrir um buraco no peito do moribundo.
O coração cheio de ódio do espancador vai virar um vaso de flor. Em ambos os casos, as vítimas viram adubo.
Semelhanças que nos levam a um pensamento espinhoso: será que Miguel Sáez Carral e Isa Sánchez, os responsáveis por O Jardineiro, se inspiraram no curta brasileiro para criar sua obra?
Ou tudo não passa de apenas coincidência?
Indagado por este colunista, Filipe Silveira disse:
“No começo fiquei assustado porque os títulos, o interesse dos personagens pelas plantas e flores, a ironia dos personagens quando trata as vítimas como adubo, o fato da vida dupla dos personagens com seus segredos e também o fato das vítimas terem também características parecidas. A trilha da história tem semelhanças, mas o meu personagem e o que Miguel Sáez Carral e Isa Sánchez escreveram tem outras particularidades, uma das coisas mais interessantes é que “O Florista” bebe de muitas referências cinematográficas e uma delas é justamente espanhola com as cores bem fortes que acho interessante nos filmes de (Pedro) Almodóvar, até por uma personagem trans que é o tipo de personagem que aparece muito em suas obras, aí resolvi fazer esta referência”.
“Meu filme é mais alegórico também porque ele fala de muita coisa ao mesmo tempo utilizando um gênero de terror, na época havia muitos assassinatos de pessoas trans em Campo Grande o que acabou me inspirando a realizar um filme de terror alegórico e social que bebe de muitas fontes para contar uma história para dividir o público mesmo. Acredito que a série também quer dividir o público, mas utilizando um caminho com uma outra estética. Meu curta-metragem mistura Neo Noir, Giallo, Terror, Faroeste e até os Animes que eu assistia quando era mais novo com uma abertura Hithcockiana. Existe sim um misto de sensações quando eu assisti a série, mas estou pensando ainda.”
Eu, como escritor, penso demais nisso.
E se eu escrever um livro que já tem uma história semelhante?
Mesmo sendo original da minha cabeça?
Eu não tenho condições de conhecer todas as obras do mundo para saber se alguém já não pensou em algo parecido. Acho difícil que num mundo com 6 bilhões de pessoas, duas não possam ter semelhanças em suas criações.
Se isso realmente não é possível, acredito haver algum tipo de filtro divino que não deixa isso acontecer.
Se assim o for, quando realmente duas histórias se parecem, é porque houve plágio. Intencional. De mau-caratismo.
Perguntei a Filipe se o curto foi exibido em algum festival internacional onde os criadores de O Jardineiro pudessem ter tido acesso à obra brasileira (afinal, encontrá-la aleatoriamente no Youtube de outro país seria uma sorte digna de loteria).
O diretor campo-grandense afirmou que o curta foi exibido em países como Argentina, Austrália, Estados Unidos, Polônia, França e México.
Opa!
México.
Coincidentemente, é o país de origem da mãe do assassino de O Jardineiro e local para onde quer voltar, até por isso, usa o filho para juntar o dinheiro necessário à mudança.
Mas, pode, realmente, ter sido só outra coincidência. A Netflix, no entanto, já enfrenta uma acusação de plágio em uma de suas produções.
A série alemã “1899” foi acusada pela quadrinista brasileira Mary Cagnin de usar muitos elementos de sua obra de 2016, Black Silence.
O caso foi parar na justiça e a série nem teve a prevista segunda temporada. Se essa semente vai germinar também em O Jardineiro, Filipe Silveira ainda não sabe.
— Tem muita gente que fala que é plágio, eu não sei se é plágio, eu não consigo dizer isso. – ele afirma.
Para colocar mais dúvida na cabeça de Filipe e na nossa. Ambas terminam da mesma forma. Com um novo alvo sendo encomendado.
Nova coincidência?
De qualquer forma e pra nossa sorte, ambas as obras estão disponíveis para formarmos nossa opinião sobre o suposto plágio ou apenas para curtir dois bons trabalhos.
O Florista tem cerca de 18 minutos de duração.
O Jardineiro, em sua primeira temporada (tudo indica que haverá outras), é formado por seis episódios com aproximadamente 45 minutos de duração cada um.
Por ser maior, claro, o espanhol consegue explorar muitas outras camadas dos personagens. Elmer vai recuperar a capacidade de ter sentimentos e se apaixonar por um de seus alvos, o que garante boa parte do interesse da série de suspense.
A investigação policial com a dupla de detetives Carrera e Tony acrescenta carisma a personagens tão problemáticos.
Confesso que depois do primeiro episódio achei que não iria curtir a série.
Mas ela me conquistou.
A ponto de já esperar a segunda temporada, onde muitas perguntas precisam ser respondidas, inclusive a que mais me chamou a atenção como fã de terror: a relação de China Jurado e sua mãe, algo que algumas cenas indicam se tratar de bruxaria.
Longe de ser uma superprodução como outros sucessos da Netflix, O Jardineiro cumpre bem o papel de acrescentar uma boa opção no catálogo do streaming.
Interessante e rápida, nesta semana, ocupa a nona posição entre os produtos mais vistos na plataforma brasileira.
Sem muito alarde na publicidade, o boca-a-boca, com certeza, pode melhorar esse ranking.
A polêmica, também.
Tanto para a série quanto para o curta.
Afinal, ao contrário de suas vítimas, eles não foram feitos para ficar enterradas.
Podem até florescer ainda mais.
— O Florista poderia voltar num outro formato, no futuro. Muitos me pediram um longa sobre esse personagem. Quem sabe um crossover de um florista com um jardineiro, né?
Pra mim, perfeito.
Adubo para a criatividade é o que não falta.
Fonte: primeirapagina