Os algoritmos não são neutros. Eles carregam os objetivos de quem os programou e operam a partir de conjuntos de dados alimentados, majoritariamente, por nossos próprios comportamentos. Essa circularidade cria uma bolha que reforça nossas preferências, estreita o repertório e, muitas vezes, reduz nossa capacidade crítica.
Plataformas digitais nos prometem experiências “personalizadas”, mas esse conforto traz um custo: deixamos de nos deparar com o inesperado, com o contraditório, com aquilo que desafia nossas convicções. O feed das redes sociais, por exemplo, não reflete o mundo, mas um recorte calculado para manter nossa atenção por mais tempo.
A personalização, nesse sentido, é um filtro invisível. Ao contrário do que parece, não estamos no comando — somos conduzidos. Até mesmo nossas emoções, como indignação ou euforia, são modeladas por estímulos previamente calibrados para maximizar engajamento.
A sensação de escolha livre se tornou um produto. Escolhemos entre produtos, notícias, perfis, trajetos e até opiniões. Mas todas essas escolhas foram previamente selecionadas dentro de uma vitrine construída por sistemas automatizados que sabem mais sobre nossos hábitos do que nós mesmos.
Essa curadoria algorítmica reforça a ideia de que estamos decidindo por nós mesmos, quando na verdade operamos dentro de limites invisíveis. O conceito de livre arbítrio, tão central para a identidade humana, é colocado em xeque por máquinas que aprendem a prever nossos movimentos com assustadora precisão.
A influência dos algoritmos não se limita ao ambiente online. Ela afeta diretamente nossas decisões no mundo físico: o que vestimos, onde comemos, por quais ruas passamos e até com quem interagimos. O mapeamento de nossos passos por meio de geolocalização e históricos de busca transforma nossas preferências em ativos comerciais.
Em cidades como Cuiabá e outras capitais do Centro-Oeste, empresas de mobilidade, delivery e consumo já operam com estratégias baseadas em big data. O usuário comum acredita estar tomando uma decisão simples — como escolher um restaurante — sem perceber que a sugestão apresentada no topo do aplicativo foi resultado de um leilão de dados, não de qualidade ou afinidade.
O design das plataformas digitais é outro fator-chave na manipulação do comportamento. Botões estrategicamente posicionados, cores que induzem cliques, notificações com sons e vibrações estudadas: tudo é pensado para moldar o tempo de permanência e a intensidade da interação. O design se tornou psicológico, sensorial e invisível — e, por isso, ainda mais eficaz.
Experiências como a oferecida pela interface do demonstram como estímulos bem construídos podem induzir reações, mesmo quando acreditamos estar agindo espontaneamente. O jogo, o clique, o movimento — tudo é programado com base em testes comportamentais precisos.
Na era digital, a atenção é o recurso mais valioso. Plataformas competem por segundos de nossos olhos e ouvidos. As estratégias vão desde vídeos curtos com trilhas sonoras viciantes até manchetes desenhadas para provocar indignação instantânea. Nesse modelo, a verdade, a profundidade e a complexidade perdem espaço para o que é rápido, sensacional e rentável.
Consumidores se tornam usuários. Usuários se tornam dados. Dados se tornam lucro. E nesse ciclo, o sujeito é reduzido àquilo que pode ser medido, segmentado e previsto.
A discussão sobre o controle na era digital não pode se limitar a uma escolha individual. Trata-se de um debate coletivo, que envolve políticas públicas, transparência nos códigos e educação midiática. É preciso criar mecanismos para que a tecnologia seja uma ferramenta a serviço da liberdade e da diversidade, não um mecanismo de confinamento disfarçado de conveniência.
Só assim será possível sair da bolha da personalização e retomar o direito ao inesperado, à dúvida e à descoberta — ingredientes essenciais para qualquer forma de liberdade real.
Fonte: Olhar Direto