Uma das principais críticas de ambientalistas contra o agronegócio brasileiro diz respeito ao uso de defensivos agrícolas, ou agrotóxicos, tratados muitas vezes por militantes da causa como “veneno”.
Herbicidas, inseticidas e fungicidas, no entanto, não apenas são cada vez mais seguros, como são fundamentais para o desenvolvimento econômico e a segurança alimentar do Brasil e do mundo, explica o engenheiro agrônomo Edivaldo Velini, professor da Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e ex-presidente da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).
“Hoje só conseguimos fazer o cultivo de uma segunda cultura no ano graças aos herbicidas”, afirma. A analogia do pesquisador é com a invenção de uma máquina do tempo. “Inventamos 17 milhões de hectares de área”, diz.
A produção em duas safras é o que permite ao Brasil ter aumentado significativamente a produtividade agrícola nas últimas décadas mantendo a área de cultivo e quase dois terços da vegetação nativa preservada.
O superávit da balança comercial brasileira também é diretamente dependente da agricultura. Entre 2000 e 2024, as exportações do Brasil superaram em US$ 813,4 bilhões as importações. Mas, sem o agro, o país teria um déficit de US$ 956,8 bilhões, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). O superávit do setor agropecuário foi de US$ 1,77 trilhão no período.
“Antigamente a gente só plantava soja, hoje fazemos soja com um ciclo mais curto, plantio direto, economizando tempo e água e conseguimos plantar algodão, milho.”
“Eu consigo fazer plantio direto, logo após a primeira colheita, sem herbicidas? Até consigo, fazendo o controle de plantas com rolo-faca, que consome 30 litros de óleo diesel por hora”, diz. “Os melhores motores a diesel produzem 5% de fuligem. Não me parece confortável fazer a troca de 1 kg de herbicida por 30 kg de diesel.”
A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) calcula que a produção de alimentos terá de aumentar em 70% nas próximas duas décadas, diante da projeção de uma população de 9,2 bilhões de pessoas até 2050.
O mesmo órgão estima que as pragas são responsáveis pela perda de até 40% da produção agrícola mundial – o que, até que haja outra alternativa, exigirá a continuidade do uso de defensivos.
Para Velini, em meio ao discurso ambientalista, tem havido uma dificuldade cada vez maior do setor de se comunicar com a sociedade. Em evento promovido recentemente pelo Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), ele apresentou uma série de mitos sobre os defensivos agrícolas que estão difundidos no Brasil.
Apenas no Brasil, por exemplo, o termo “agrotóxico” é utilizado oficialmente na legislação. Criada em 1977 pelo pesquisador Adilson Paschoal, a expressão é questionada pelo setor produtivo, que prefere termos como “agroquímico”, “defensivo agrícola”, “produto fitossanitário” ou “pesticida”.
Um dos argumentos é o de que praticamente qualquer substância, como remédios consumidos diretamente por humanos, é tóxica caso se utilize incorretamente ou em dose excessiva. Os defensivos agrícolas, nesse sentido, também atuam como medicamentos para as plantas, não tendo a toxicidade para o ser humano como função primordial.
Em outros idiomas, utiliza-se termos equivalentes a “pesticida” (pesticide, em inglês e francês) ou “praguicida” (plaguicida, em espanhol).
Confira abaixo dez mitos sobre o uso de agrotóxicos no Brasil:
Mito 1: “uso de agrotóxicos aumenta o número de mortes por intoxicação”
Dados do DataSUS, do Ministério da Saúde, mostram que em dez anos, entre 2015 e 2024, houve 1,6 milhão de notificações de intoxicação. A maior parte, 857,4 mil casos (52,8%), foi causada por medicamentos.
Outras 206,6 mil ocorrências (12,7%) estão relacionadas a drogas de abuso, 87,2 mil (5,4%) por alimentos e bebidas e 80,9 mil (5%) por produtos de uso domiciliar. Outros agentes tóxicos incluem raticidas, produtos veterinários, cosméticos, produtos químicos, metais e plantas tóxicas, além de inseticidas e larvicidas domésticos e de controle vetorial em programas de saúde pública.
O uso de defensivos agrícolas foi associado a 49,5 mil (3%) dos casos. Mas, entre essas situações, 17,1 mil (34,6%) foram provocados por tentativa de suicídio e 16,4 mil (33,2%) por intoxicação acidental.
Considerando o uso habitual dos produtos como causa, as ocorrências correspondem a 0,5% de todas as notificações de intoxicação no país em uma década. Ainda assim, das 8.156 ocorrências, em 6.592 (80,8%) dos casos, houve cura sem sequelas – em 1.188 (14,5%), a evolução do quadro não consta dos prontuários. E dos 62 pacientes que tiveram o diagnóstico nessas circunstâncias, 22 vieram a óbito por outras causas que não a intoxicação em si.
“Qualquer substância que não é utilizada de forma segura é prejudicial à saúde. Com manuseio e dosagens corretas, de acordo com as Boas Práticas Agrícolas, os defensivos agrícolas não prejudicam a saúde de nenhuma forma”, diz documento da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).
Mito 2: “uso de agrotóxicos mostra descompromisso do agronegócio brasileiro com o meio ambiente”
Atualmente a cadeia brasileira de defensivos agrícolas é referência mundial em logística reversa e reciclagem, servindo de exemplo para o mundo. Dados do Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (InpEV) mostram que, desde 2002, 95% das embalagens de agrotóxicos colocadas no mercado são devolvidas para a indústria e têm a destinação final correta.
A experiência brasileira na área será apresentada no fim do mês em evento preparatório para a COP 30, em Belém. Na França, segundo país que mais recicla, 79% dos recipientes são destinados corretamente. Nos Estados Unidos, um dos maiores produtores agrícolas globais, apenas 33% das embalagens são recicladas.
Com a edição do Decreto 4.074/2002 (Decreto de Agrotóxicos), o Sistema Campo Limpo, programa brasileiro de logística reversa de embalagens vazias ou com sobras pós-consumo de defensivos agrícolas, já recolheu mais de 834 mil toneladas de resíduos sólidos dos insumos. Após recebidas, 100% dos recipientes recolhidos são destinados conforme prevê a legislação, sendo 95% reciclados e 5% incinerados.
O sistema envolve agricultores, indústria fabricante, canais de distribuição e poder público e inclui 411 unidades de recolhimento, além de mais de 4 mil pontos de recebimento itinerante, que facilitam o acesso de agricultores localizados em áreas mais distantes dos locais fixos.
O material reciclado dá origem a 38 novos artefatos homologados, como novas embalagens e tampas, dutos e tubos para esgoto, postes de sinalização, entre outros. Com o reaproveitamento, entre 2002 e 2023 foi evitada a emissão de 1,05 milhão de toneladas de CO2 e economizados 4 bilhões de megajoujes de energia e 43,5 milhões de litros de água, segundo o InpEV.
Embora o índice ainda não tenha alcançado os 100%, o indicador, além de referência para o setor no mundo, supera amplamente o de outras cadeias produtivas. Entre latas de aço consumidas no Brasil, cerca de 47% são recicladas, segundo relatório do MMA a partir de dados da Prolata Reciclagem.
A destinação apropriada de embalagens de vidro por meio de coleta certificada, rastreada por notas fiscais, foi de 25,1% em 2024, de acordo com a Circula Vidro, entidade que gere a logística reversa do material no Brasil. Considerando o descarte adequado não certificado, o porcentual chegou a 30,2%.
Em relação a embalagens de plástico, papel ou papelão, metais e vidro em geral, a proporção de reciclagem em relação ao material colocado no mercado foi de 25,5% em 2023, segundo o mais recente relatório de acompanhamento apresentado pela Coalizão Embalagens ao MMA em atendimento ao Acordo Setorial de Embalagens em Geral.
Mito 3: “uso de agrotóxicos proibidos na Europa coloca em risco a segurança sanitária de alimentos no Brasil”
A regulação do uso de defensivos agrícolas é diferente em cada país, mas isso não significa que o Brasil é mais flexível ao uso de produtos prejudiciais à saúde humana ou ao meio ambiente. A decisão de liberar ou não determinado insumo leva em conta diversos fatores não-toxicológicos, como particularidades agronômicas regionais, tecnologias de aplicação disponíveis, além de critérios econômicos, políticos e comerciais.
O Brasil, por ser um país tropical, tem uma incidência solar durante todo o ano, diferentemente de regiões de clima temperado, como a Europa e os Estados Unidos. “A taxa de degradação de químicos é muito mais rápida aqui”, diz Velini. “Então posso extrapolar dados de países temperados para cá? Não posso. A gente tem produção tropical, tecnologia tropical, ciência tropical – características completamente diferentes”, afirma.
Além disso, ele explica que novas liberações de agrotóxicos devem ser encaradas como algo positivo, e não negativo, como alegam ambientalistas. “Produtos mais novos são mais específicos, demandam doses menores, menos aplicações e têm menos impactos para trabalhadores, consumidores e meio ambiente”, resume.
O processo de avaliação do setor no Brasil é legalmente regido por três diferentes ministérios: Agricultura e Pecuária (Mapa); Saúde, por meio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), por meio do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
O risco associado ao uso de herbicidas e pesticidas em geral é calculado por meio do chamado EIQ, que inclui o impacto para o meio ambiente, o trabalhador envolvido e o consumidor. Entre as variáveis utilizadas na definição do EIQ estão toxicidade dérmica, toxicidade crônica, sistemicidade, toxicidade para peixes, potencial de lixiviação, potencial de perda superficial, toxicidade para aves, meia-vida no solo, toxicidade para abelhas, toxicidade para artrópodes benéficos e meia-vida na superfície da planta.
Conforme artigo publicado no periódico científico Avances in Weed Science, a taxa média de aplicação de pesticidas caiu 88% até o ano 2000, na comparação com o uso até a década de 1970. Considerando apenas herbicidas, a queda foi de 96%.
“Em outras palavras, os herbicidas aprovados recentemente no Brasil são mais seguros para o agricultor, o consumidor e o meio ambiente e são aplicados em doses 25 vezes menores do que as dos herbicidas desenvolvidos até a década de 1970. A redução das doses e o aumento da eficácia reduziram simultaneamente todos os componentes do EIQ”, diz trecho da publicação.
Mito 4: “agrotóxicos reduzem o valor nutricional dos alimentos”
Entre os defensores da agricultura orgânica – que dispensa o uso de defensivos agrícolas, organismos geneticamente modificados e, em muitos casos, de fertilizantes químicos –, é comum o argumento de que os alimentos produzidos neste sistema são mais saudáveis ou nutritivos.
A grande maioria dos estudos na área, no entanto, não mostra diferenças significativas na quantidade de nutrientes entre alimentos orgânicos e convencionais.
Uma revisão sistemática de 162 trabalhos publicados ao longo de 50 anos e publicada no American Journal of Clinical Nutrition concluiu que pequenas variações detectadas são biologicamente plausíveis e relacionadas a métodos de produção, como o uso de fertilizantes e o ponto de maturação no momento da colheita.
Considerando apenas estudos classificados como de qualidade satisfatória, a revisão mostrou não haver evidência de diferença no conteúdo de nutrientes entre os produtos pecuários produzidos orgânica e convencionalmente.
Entre produtos agrícolas, foram analisados nos dois grupos de alimentos 11 nutrientes, dentre os quais não houve variação estatisticamente relevante em oito: vitamina C, compostos fenólicos, magnésio, potássio, cálcio, zinco, cobre e sólidos solúveis totais.
Houve índices superiores de nitrogênio nos produtos das culturas convencionais, e de fósforo e acidez titulável em produções orgânicas.
Os autores da pesquisa observam, no entanto, que as pequenas diferenças detectadas provavelmente resultam das distinções nos métodos de produção, como o uso de fertilizantes (para nitrogênio e fósforo) e o ponto de maturação na colheita (para acidez titulável).
Ressaltam, porém, que é improvável que o consumo desses nutrientes nos níveis relatados nos alimentos orgânicos forneça qualquer benefício à saúde.
Outro estudo, de pesquisadores da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, chegou às mesmas conclusões a partir de 17 pesquisas em humanos e 223 sobre níveis de nutrientes, bactérias, fungos e agrotóxicos em alimentos como frutas, legumes, grãos, carnes, leite e ovos.
Os resultados mostraram que frutas e legumes contêm a mesma quantidade de vitaminas, e o leite não apresenta variação no teor de proteína e gordura. O trabalho foi publicado no periódico Annals of Internal Medicine.
Mito 5: “Brasil é o país que mais utiliza agrotóxicos no mundo”
O Brasil é, de fato, o maior mercado de defensivos agrícolas do mundo quando se trata de volume absoluto – são 800,6 mil toneladas por ano, segundo os dados mais recentes da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), referentes a 2023. O indicador, no entanto, não é o mais adequado para a comparação, explica Velini.
“A gente compara PIB per capita, produção por hectare, criminalidade por 100 mil habitantes, ou seja, sempre normalizamos o dado por algum indicador”, diz.
O dado mais objetivo é o de consumo de pesticidas por hectare de área agriculturável, o que coloca o Brasil na 27.ª posição, atrás de Suriname, Antígua e Barbuda, Catar, Djibuti, Ilhas Turks e Caicos, Santa Lúcia, Nova Caledônia, Trinidad e Tobago, Maldivas, São Vicente e Granadinas, Andorra, São Cristóvão e Névis, Seicheles, Granada, Hong Kong, Costa Rica, Israel, Nauru, Brunei, Bahamas, Equador, Panamá, Vietnã, Taiwan, Coreia do Sul e Malta.
Ainda conforme os dados apresentados pela FAO, enquanto o Suriname utiliza 38,8 kg de defensivos por hectare de cultivo, no Brasil a proporção é de 12,6 kg/ha. Há, no entanto, uma distorção nos números do órgão, segundo o pesquisador da Unesp.
“Como eu não sou inocente e gosto de checar as coisas, refiz as contas da FAO, pegando os dados brutos do próprio órgão”, conta. “Encontrei um erro de 18 milhões de hectares a menos na área de agricultura do Brasil e de 59 milhões de hectares a mais na estimativa de cultivo nos Estados Unidos.”
Velini chama a inconsistência no cálculo de “politização do denominador”. “Se você pega uma quantidade fixa e reduz o denominador, o resultado é maior”, explica.
O caso brasileiro ainda é particular, considerando que o país é o maior produtor agrícola do mundo em região de clima tropical, o que permite a existência de duas safras por ano, o que não ocorre em locais de clima temperado.
“Hoje o maior uso de agrotóxico está nos menores mercados”, afirma o pesquisador da Unesp. “Esse é um erro de julgamento. Deveríamos prestar mais atenção nos pequenos mercados, até porque os maiores têm treinamento, desenvolvimento e conhecimento sobre o uso.”
Mito 6: “O brasileiro consome em média 7,6 litros de agrotóxico por ano”
O cálculo de uso de agrotóxicos por habitante é metodologicamente incorreto para se medir exposição ou risco, por confundir volume total dos produtos com exposição individual. A própria Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), responsável pela disseminação do número, faz essa ressalva.
“Ninguém literalmente bebe 7 litros de agrotóxico, porque se bebesse morreria. Trata-se de um número de aproximação, assim como o PIB, que não é demonizado. Nosso indicador tem objetivo pedagógico”, diz Fernando Carneiro, membro do Grupo Temático de Saúde e Ambiente da Abrasco.
Grande parte dos pesticidas são utilizados em plantações que não dão origem a alimentos, como algodão, eucalipto ou cana-de-açúcar destinada à produção de etanol. Herbicidas, que compõem cerca de 60% do total de defensivos utilizados, são aplicados sobre ervas daninhas, que não tem função alimentícia. Em culturas voltadas à alimentação, dificilmente o produto é usado em partes comestíveis das plantas, há um intervalo de segurança entre a última aplicação e a colheita, e praticamente todos os agrotóxicos se degradam no ambiente após dias ou semanas.
Além disso, boa parte da produção agrícola brasileira é destinada à exportação, o que também invalida a relação entre uso de pesticidas e população do país produtor.
Mito 7: “agrotóxicos são a principal causa de câncer na população”
Não se nega que haja potencial carcinogênico em determinados compostos químicos utilizados como defensivos agrícolas, mas a relação entre pesticidas e câncer está relacionada a apenas algumas substâncias e a condições específicas de exposição. É o caso de trabalhadores que não utilizam adequadamente equipamentos de proteção e estão, portanto, expostos cronicamente aos compostos.
A Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc), da Organização Mundial da Saúde (OMS), classificou o glifosato como “provavelmente carcinogênico para humanos” em 2015, o que indica a necessidade de medidas adicionais de precaução, mas difere de provar causalidade direta ou universal.
O uso de novas tecnologias para aplicação dos defensivos, como drones, tem ajudado a reduzir a exposição direta de trabalhadores.
Há uma confusão ainda quanto à presença de resíduos de glifosato nos alimentos que chegam ao consumidor. O composto é um herbicida, aplicado sobre ervas daninhas, principalmente as folhosas perenes e gramíneas que competem com as culturas, não atingindo as partes comestíveis das lavouras. Além disso, em regiões de clima tropical, como o Brasil, a molécula é degradada por microrganismos do solo em até 30 dias aproximadamente.
Vários ingredientes ativos de inseticidas e fungicidas que já foram utilizados como defensivos agrícolas estão banidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária em razão da carcinogenicidade, teratogenicidade, neurotoxicidade, hepatotoxicidade, nefrotoxicidade, distúrbios hormonais, alta persistência ambiental e/ou periculosidade, como Aldrin, BHC, carbofurano, DDT, endosulfan, lindano, metamidofos, paration, parationa metílica e pentaclorofenol.
A presença desses químicos em plantios ou de seus resíduos em alimentos configura uso ilegal das substâncias, que pode ocorrer por meio de falsificação ou contrabando.
O câncer, de acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca) é uma doença multifatorial, o que significa dizer que pode ser provocada pela associação de diversos fatores, incluindo genéticos, hormonais e de estilo de vida, como o tabagismo, o etilismo, hábitos alimentares e a falta de exercício físico. Entre os fatores externos considerados de risco para o quadro estão ainda uso de medicamentos, a radiação solar e a poluição ambiental.
Mito 8: “somos envenenados ao consumir alimentos produzidos com agrotóxicos”
Antes de ser aprovada, cada nova molécula de defensivo passa por diversos estudos toxicológicos para avaliar sua segurança à saúde e ao meio ambiente. Além disso, a Anvisa realiza um monitoramento contínuo do risco sanitário de alimentos produzidos com uso dos agroquímicos.
Conforme último relatório do Programa de Análises de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para), de 2013 a 2023 foram investigados 342 ingredientes ativos de agrotóxicos para avaliar a exposição crônica a substâncias utilizando dados de concentração de resíduos de 25.029 amostras de 36 tipos de alimentos coletados em todos os estados do país, além do Distrito Federal.
“Não houve extrapolação da Ingestão Diária Aceitável (IDA) para nenhum dos agrotóxicos avaliados, de modo que não foram identificadas situações de potencial risco crônico à saúde dos consumidores, considerando-se a faixa etária acima de 10 anos de idade, que é a população abrangida na última pesquisa publicada dos dados de consumo de alimentos no país”, diz trecho do documento.
Para 3.294 amostras de 14 alimentos analisados na edição de 2023, em 99,3% dos casos não houve identificação de potencial de risco agudo, ou seja, que considera a possibilidade de danos à saúde pelo consumo do alimento em curto espaço de tempo, como uma refeição ou um período de 24 horas.
Segundo a Anvisa, as detecções, que representam 0,6% do total de amostras analisadas do ciclo 2023, podem estar relacionadas a contrabando e outras práticas ilegais no uso de defensivos, já que o ingrediente ativo detectado na maior parte desses casos, o carbofurano, está proibido no país desde 2017.
Por fim, o órgão explica que níveis residuais de agrotóxicos na casca de vegetais podem ser reduzidos significativamente com lavagem em água corrente, procedimento que, associado ao uso de solução com hipoclorito de sódio, já deve ser adotado para a redução de riscos de contaminação por microrganismos, como bactérias e protozoários.
Mito 9: “produção orgânica é superior por não oferecer risco sanitário ou ambiental”
A produção de alimentos orgânico dispensa agrotóxicos sintéticos, substituindo-os por insumos, mas não é isenta de riscos sanitários, como contaminação cruzada, problemas microbiológicos e impactos em ecossistemas e na biodiversidade. Ou seja, a simples mudança nos defensivos utilizados não elimina os riscos, embora os perfis de segurança sejam diferentes.
Um estudo de 2023 publicado no Brazilian Journal of Microbiology com 100 amostras de cultivo convencional e 100 de cultivo orgânico mostrou que a detecção média de enterobactérias e salmonela, microorganismos patogênicos, foi semelhante nos dois modelos.
“Os resultados indicam que o sistema de cultivo não teve impacto nas populações de Enterobacteriaceae e nas taxas de Salmonella”, destacam os autores. “Esses achados ressaltam a necessidade de medidas de controle durante a produção de hortaliças, independentemente do sistema de cultivo, para reduzir a contaminação microbiana e os riscos de doenças transmitidas por alimentos.”
Além disso, a agricultura orgânica, embora seja considerada ambientalmente correta, não é neutra em termos ecológicos. Compostos provenientes de manejo orgânico também podem alterar o microbioma do solo, gerando resistência microbiana ou pressões da escala – ou seja, quanto maior a produção orgânica, maiores os desafios para manter o sistema equilibrado.
“Essa prática [agricultura orgânica] tem sido adotada globalmente, inclusive no Brasil, embora corresponda a um número reduzido de estabelecimentos agrícolas em comparação à prática convencional”, diz artigo publicado este ano na revista científica Ecotoxicology and Environmental Contamination.
“No entanto, assim como na agricultura convencional, a agricultura orgânica também pode tornar o microbioma do solo suscetível ao desenvolvimento de resistência antimicrobiana, principalmente por meio da fertilização orgânica.”
Mito 10: “agrotóxicos contaminam a água indefinidamente”
Há uma preocupação crescente com a contaminação da água por produtos como agrotóxicos, toxinas, metais e princípios ativos de medicamentos. No caso de defensivos agrícolas, Velini explica que a análise de amostras em bacias hidrográficas deve ser conduzida por, no mínimo, um ciclo hidrológico, e ser representativa no tempo, no espaço e em termos de características avaliadas, levando-se em conta indicadores de risco.
Junto com a Fundação ABC, um grupo de pesquisadores da Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp realiza um trabalho contínuo de monitoramento. A equipe já analisou 1.176 amostras de 42 locais com coletas entre cinco e seis vezes por ano, ao longo de cinco anos. Foram avaliadas mais de 140 características em cada amostra, incluindo teores de nutrientes, metais, pesticidas e indicadores adicionais de presença humana (flúor e cafeína).
“Praticamente tudo o que tem de monitoramento de agrotóxico em água no Brasil saiu do nosso laboratório”, diz Velini.
O defensivo com maior concentração foi o inseticida acephate, porém uma proporção de 1/16.000 do limite considerado seguro para absorção ou ingestão sem causar efeitos.
O pesquisador questiona ainda a Resolução 375/2005, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que classifica corpos de água e diretrizes ambientais e estabelece padrões de lançamento de efluentes, define limites de princípios ativos de defensivos, entre outras substâncias, mas não inclui medicamentos na lista.
“Eu faço um tratamento com radioterápico no hospital, volto para cá casa e urino. O radioterápico vai para a água”, explica. “O estrógeno também passa pelo sistema excretório e é excretado intacto pela urina.” Para ele, há uma desproporcionalidade nas medidas impostas aos setores.
*O jornalista viajou a convite do Sindiveg
Fonte: gazetadopovo






