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Descubra por que o pi (π) vai além de um número irracional: ele é um número transcendental

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Era uma vez um hotel imaginário com infinitos quartos. Todos eles estão ocupados. Então, chega um viajante atrás de uma cama. É possível recebê-lo?

É. Basta mover todo mundo um quarto para frente. O hóspede do quarto 1 vai para o quarto 2. O do quarto 2, para o quarto 3… Isso libera o primeiro quarto para o recém-chegado, sem desalojar ninguém. Fosse este um hotel comum, o cliente do último quarto não teria para onde ir. Mas o hotel é infinito. Não existe último quarto; sempre há um depois.

Mesmo que chegassem infinitos hóspedes, oriundos de uma excursão com infinitos ônibus, ainda há uma saída: passar todos os hóspedes para quartos pares. A pessoa do quarto 1 vai para o quarto 2. A do quarto 2, para o quarto 4. A do quarto 3, para o quarto 6. O procedimento libera a totalidade dos quartos ímpares, que também são infinitos.

Os números ímpares são metade dos números naturais. Os pares, também. Mas metade do infinito é infinito, assim como o dobro. Existe uma maneira de vencer a lógica do hotel? Uma maneira de obter um infinito maior que outro – um infinito tão grande que não caiba em um infinito menor?

Sim. Dá para fazer. E isso tem tudo a ver com o lendário número pi (π), cujo dia oficial é comemorado hoje, 14 de março (nos EUA, a data é grafada 3/14, à imagem e semelhança do 3,14. Daí a escolha).

A explicação começa com uma constatação óbvia: contar um grupo de coisas equivale a pareá-la com o conjunto dos números naturais. Se você atribuir o número um ao Toby, o número dois ao Rex e o número três ao Totó, fica fácil concluir que eles são três cachorros. Sem genialidade, até aí.

Você poderia parear para sempre, caso houvesse infinitos cãozinhos, porque o conjunto dos números naturais também é infinito: 1, 2, 3, 4, 5, 6… No século 19, o matemático alemão Georg Cantor percebeu que todos os infinitos que podem ser contados – ou seja, que podem ser pareados com os números naturais , são infinitos do mesmo tamanho, ainda que não pareçam. Eles possuem, no jargão da matemática, a mesma cardinalidade

Pense na lista de números pares, na lista de números ímpares, na lista de números primos, na lista de números ao quadrado… Parece estranho que a sequência 1, 2, 3, 4, 5 e a sequência 1, 4, 9, 16, 25 tenham a mesma cardinalidade, mas a conclusão é inevitável: se todo número natural pode ser elevado ao quadrado, então é obrigatório que números naturais e quadrados existam na mesma quantidade.

Nossa missão filosófica da vez, então, é encontrar um infinito incontável. Um conjunto de números que não dê para parear com os naturais sem deixar ninguém de fora.

Um candidato óbvio seria o conjunto de números racionais. Os números com vírgula e casas decimais, que recebem esse nome porque podem todos ser representados por meio de razões, mais conhecidas em português como as boas velhas frações. Estamos falando de 0,5 (vulgo 1/2), 0,75 (ou 3/4) e por aí vai.

Existem muitos números com vírgula entre zero e um. E tantos outros entre um e dois. De fato, existem infinitos números com vírgula em qualquer vão entre dois números naturais quaisquer. Mas acredite: ainda é possível contá-los. O conjunto de todas as frações tem a mesma cardinalidade do conjunto dos naturais.

O pequeno gráfico abaixo, que tirei de uma matéria mais antiga da Super sobre este mesmo assunto, é a prova disso (e que baita prova, diga-se: uma das mais elegantes da história da matemática, justamente por ser simples o suficiente para explicar em um texto de revista).

Se você decidisse primeiro contar todas as frações com o numerador 1, você jamais chegaria à linha de baixo da tabela, com o numerador 2. Porém, o traçado diagonal ilustrado abaixo permite transitar entre os numeradores sem cair nessa armadilha. No final das contas, ninguém fica para trás.

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(Carlos Eduardo Hara/Superinteressante)

E agora? Tem mesmo um jeito de conseguir um infinito maior que esse? Tem. Porque os números racionais, embora sejam infinitos, não são nem a ponta do iceberg do total de números com vírgula que existem. Frações, sozinhas, não dão conta de representar todos eles.

Trata-se do infinito formado por números com vírgula que não podem ser obtidos de nenhuma forma. Nem por meio de uma fração, nem por meio da resolução de uma equação (como é o caso, por exemplo, da raiz de 2). Eles formam, por assim dizer, a deep web da matemática. São os chamados números transcedentais. E o número transcendental mais famoso é justamente o π (pi): 3,14159265359…

O π recebe tanta atenção porque é uma exceção: pertence ao nosso cotidiano. Ele está embutido em todos os círculos, como resultado da divisão da circunferência pelo raio. Mas só é possível calculá-lo por aproximação. Computadores já determinaram 202 trilhões de dígitos do dito-cujo, mas sempre haverá uma casa decimal a mais. Ele não tem final nem é previsível (como acontece, por exemplo, com uma dízima periódica como 0,666666…).

Um número transcendental qualquer tem infinitas casas decimais depois da vírgula – e qualquer casa pode ser ocupada aleatoriamente por qualquer dígito de um a nove, sem padrão algum. Isso significa que existem infinitas combinações possíveis. Infinitos números transcendentais como o π, cada um com uma sequência única e infinita de dígitos. Como esses números têm casas decimais infinitas, eles podem ser infinitamente pequenos.

Legal. Mas como provar que esse infinito, ao contrário de todos os outros que citamos aqui, é maior que o infinito comum? Segue abaixo a outra prova épica fornecida por Georg Cantor.

O que Cantor está dizendo é que a linha dos números não é como uma escada com degraus – com distâncias fixas separando o 1 do 2, o 2 do 3, o 3 do 4. Ela na verdade é uma rampa. A linha dos números é um contínuo, em que cada número se dissolve no seguinte, num degradê de infinitos números menores. De fato, Cantor chamou de continuum esse infinito maior que o infinito comum.

Ou seja: existem, afinal, alguns infinitos maiores que outros. Que bom é ter uma data no calendário para uma constatação tão bela.

Fonte: abril

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