Muito do que imaginamos sobre os dinossauros foi moldado pela cultura pop. Desde o início do século 20, essas criaturas passaram a povoar o imaginário popular por meio de exposições, ilustrações e, sobretudo, pelo cinema.
Em 1933, King Kong deu voz a um T. rex que rugia com sons de leões e tambores, e o padrão se consolidou em Jurassic Park (1993), onde os rugidos nasceram da mistura de elefantes, tigres e até tartarugas acasalando.
No entanto, o registro fóssil conta outra história. Até recentemente, havia pouquíssimos vestígios anatômicos que sustentassem a ideia de que dinossauros emitiam sons semelhantes aos de grandes mamíferos. A maior parte das hipóteses vinha de extrapolações baseadas em canais auditivos ou cavidades no crânio, que poderiam funcionar como câmaras de ressonância.
Isso ocorre porque o aparelho fonador – o conjunto de órgãos responsável pela emissão de sons – é formado principalmente por tecidos moles, mais difíceis de fossilizae. Durante décadas, paleontólogos dependeram de indícios indiretos. Em 1995, por exemplo, pesquisadores do Museu de História Natural do Novo México analisaram um crânio de Parasaurolophus tubicen e, dois anos depois, criaram uma simulação computacional do som que o animal poderia produzir.
O resultado soava como uma buzina de barco – grave, de longo comprimento de onda, muito distante dos rugidos agudos da ficção. A estrutura anatômica do P. tubicen era particularmente sofisticada: uma crista de quase um metro de comprimento continha três pares de tubos ocos, formando um sistema de ressonância de 2,9 metros.
Mesmo sem laringe, a passagem de ar por essas estruturas gerava sons de baixa frequência. Era um barulho semelhante aos grunhidos de casuares-do-sul (espécie de ave não-voadora), capaz de atravessar vegetações densas. Mas ainda distante dos cantos agudos de outras aves (tipo de animal que, vale relembrar, é o descendente evolutivo dos dinos).
Essa visão começou a mudar em 2023, com a descoberta de uma laringe fossilizada em ótimo estado no deserto de Gobi, na Mongólia. O fóssil pertencia ao Pinacosaurus grangeri, um anquilossauro herbívoro encouraçado que viveu entre 85 milhões e 75 milhões de anos atrás.
Pesando cerca de três toneladas, com dois metros de altura e cinco de comprimento, o animal possuía um aparelho vocal grande e móvel o suficiente para, segundo os cientistas, permitir vocalizações semelhantes às das aves.
O estudo, publicado na revista Nature Communications Biology, foi liderado pelo paleontólogo japonês Junki Yoshida, que afirmou ao jornal El País que o Pinacosaurus “basicamente soava de forma parecida com as aves”. A estrutura da laringe lembrava a de papagaios modernos.
A descoberta também se conecta a outros estudos. O tamanho do estribo – único osso do ouvido médio dos dinossauros – era correlacionado à frequência sonora percebida. Grandes dinossauros tinham estribos grandes, sintonizados em sons graves; menores, como o Pinacosaurus, podiam captar agudos.
O comprimento dos dutos cocleares também sugere que esses animais tinham uma faixa auditiva ampla. Isso levanta a hipótese de que o canto agudo poderia ter evoluído como uma forma discreta de comunicação entre presas, escapando da percepção auditiva de grandes predadores.
O próprio Yoshida destacou que, para se comunicar efetivamente, um animal precisa tanto emitir quanto ouvir sons. Por isso, a combinação de laringe ossificada e ouvido sensível reforça a ideia de um sistema vocal funcional.
Além disso, há indícios de que parte desses sons podia ser emitida com a boca fechada, inflando os tecidos da garganta – como fazem hoje algumas aves e crocodilos. Essa vocalização silenciosa seria útil em rituais de acasalamento ou em interações de curto alcance. Por ora, trata-se de uma suposição: mais fósseis e pesquisas serão necessários para validá-la.
Embora não se possa generalizar a descoberta para todos os dinossauros, o fóssil do Pinacosaurus abriu uma nova linha de investigação. A expectativa é que, a partir dele, cientistas possam reinterpretar fósseis antes considerados inconclusivos e identificar sinais de estruturas semelhantes em outros grupos.
Novas pistas sonoras
O achado mais recente a desafiar ideias antigas sobre a comunicação vocal dos dinossauros veio do nordeste da China. Pesquisadores da Academia Chinesa de Ciências revelaram no dia 11 de julho o fóssil de uma nova espécie herbívora: Pulaosaurus qinglong.
Escavado na Formação Tiaojishan, localizada nas províncias de Hebei e Liaoning, o esqueleto quase completo tem cerca de 160 milhões de anos – o mais antigo já encontrado com evidências de um aparelho vocal complexo.
É também o primeiro dinossauro do grupo dos neornitísquios, um ramo que inclui parentes distantes dos hadrossauros (os chamados “dinossauros de bico de pato”) e dos ceratopsídeos (como o famoso Triceratops), encontrado na chamada Biota de Yanliao. Essa região fossilífera é conhecida por conservar com riqueza de detalhes tecidos moles e estruturas frágeis, como penas, pele e cartilagem.
Com aproximadamente 72 centímetros de comprimento, o Pulaosaurus era pequeno, leve e bípede. Mas o que mais chamou a atenção dos cientistas foi a presença rara de ossos da garganta.
A equipe encontrou elementos da laringe, como os ossos aritenoides – estruturas finas e alongadas que, em aves modernas, ajudam a controlar o fluxo de ar durante a vocalização. Esses ossos estavam parcialmente conectados à cartilagem cricoide, outra peça fundamental do aparato fonador.
Ao comparar os achados com a anatomia de répteis e aves atuais, os paleontólogos notaram que o grau de ossificação e a morfologia da laringe do Pulaosaurus se assemelhavam mais às aves do que aos crocodilos – modelo anatômico mais usado até então em reconstruções dos chamados dinossauros não-avianos (dinos extintos há pelo menos 66 milhões de anos e que não deram origem às aves modernas).
A disposição e o alongamento dos aritenoides sugerem que o dinossauro conseguia abrir e fechar a glote rapidamente, o que é essencial para emitir sons modulados e repetitivos. Além disso, a grande sobreposição entre os ossos da laringe e os da cartilagem associada indica um controle vocal ativo – habilidade considerada crucial para a produção de vocalizações complexas, como cantos, chamados e assobios.
Segundo os autores do estudo, que foi publicado na revista científica PeerJ, isso aponta para o desenvolvimento precoce dos mecanismos necessários para a comunicação sonora elaborada.
O fóssil também ajuda a preencher lacunas evolutivas importantes. Os neornitísquios eram raros na Biota de Yanliao, mais conhecida por fósseis de terópodes emplumados e mamíferos ancestrais. O Pulaosaurus qinglong não apenas confirma que o grupo já habitava a região no Jurássico médio (entre 174 a 163 milhões de anos atrás), como também sugere que apresentavam adaptações vocais especializadas desde então.
Sua morfologia auditiva ainda não foi descrita, mas descobertas em parentes próximos com cócleas alongadas indicam que a sensibilidade a sons agudos pode ter surgido cedo na linhagem. Alguns paleontólogos defendem que isso está relacionado ao cuidado parental: filhotes poderiam emitir piados para chamar os adultos, como ocorre hoje com aves e filhotes de crocodilos.
A partir do fóssil recém-descoberto, os pesquisadores começam a redesenhar a árvore filogenética do aparato vocal dos dinossauros. A evolução de estruturas ligadas à produção de som pode ter ocorrido em paralelo em diferentes linhagens. E se dinossauros tão antigos quanto o Pulaosaurus já dispunham de um sistema vocal ativo, é possível que sons agudos e cantos tenham feito parte da paisagem acústica muito antes do que se imaginava.
Outras hipóteses também exploram a comunicação vibracional entre dinossauros gigantes. Sabe-se que elefantes e jacarés produzem sons abaixo da faixa da audição humana, o chamado infrassom. Em espécies como diplodocos, sons de baixa frequência poderiam viajar por grandes distâncias. Já os mais colossais, como o supersauro, talvez tivessem limitações neurais para vocalizar rapidamente e se comunicassem também por toque – usando suas longas caudas para manter contato físico com o grupo durante migrações.
As descobertas recentes provocam uma revisão nas ideias consolidadas sobre a comunicação vocal dos dinossauros. A siringe – órgão vocal típico das aves – ainda não foi identificada em dinossauros não-avianos. Mas, com a identificação de laringes ossificadas em linhagens distintas, aumenta a expectativa de que outras evidências apareçam.
É possível que fósseis já escavados contenham vestígios que passaram despercebidos por sua fragilidade. “Mesmo quando temos um esqueleto bem preservado, nem sempre esses ossos isolados estão presentes junto às outras partes do crânio. São muito finos, delicados e difíceis de preservar”, disse o paleontólogo Xing Xu, líder da pesquisa, ao jornal New York Times. Com base no estudo do Pinacosaurus, sua equipe já planeja reavaliar restos mortais de outros anquilossauros em busca de sinais vocais.
Fonte: abril