O Tá Lendo o Quê? desta semana abre espaço para uma obra que chega para provocar, iluminar e reorganizar a forma como olhamos para o cinema produzido em Mato Grosso. “BlackOut: o Negro no Cinema de Mato Grosso”, do pesquisador e produtor Maurício Pinto, lançado no dia 27 de novembro, na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), nasce como leitura indispensável para quem acompanha cultura, audiovisual e debates sobre raça no Brasil.
A obra chega como um convite para olhar o cinema mato-grossense com mais atenção e curiosidade. Maurício Pinto costura décadas de histórias, bastidores e disputas de narrativa para revelar como a presença negra aparece, e muitas vezes desaparece nas produções locais.
É o tipo de livro que abre caminhos, instiga perguntas e leva o público a revisitar filmes, políticas culturais e personagens que ajudam a compreender quem está diante e atrás das câmeras.
Um livro que faz ver o que o cinema apagou
Com base em filmes realizados entre 1992 e 2020, Maurício mergulha em quase três décadas de produção audiovisual para analisar ausências, estereótipos, resistências e autorias negras. Ele explica que o ponto de partida foi perceber como certos corpos se tornam invisíveis, mesmo quando a câmera está apontada para eles.
Como inspiração para o autor, a obra se apoia em referências como Patricia Hill Collins, bell hooks, Stuart Hall e Jeferson De para discutir o peso das narrativas, a força das imagens e o impacto social do cinema produzido em Mato Grosso.
O processo que deu origem ao livro também revela a dimensão prática e afetiva da pesquisa. Maurício conta que tudo começou com uma percepção em campo: “Dentro de vários sets de gravação, pude perceber que faltavam pessoas negras nas posições de criação e também na frente das câmeras”, conta o escritor.
A constatação o levou a mergulhar na análise de décadas de filmes produzidos em Mato Grosso. “A partir dessa provocação, fui para a pesquisa, tive acesso aos filmes do estado e pude assistir todos eles”. O caminho, porém, não foi simples: “Levantar esses filmes é um problema no Brasil e em Cuiabá também, porque não existe um acervo. Você depende de encontrar as pessoas e localizar onde esses filmes estão”, explica.
Entre apagamentos e resistências
Um dos destaques do livro é a proposta de uma cronologia do cinema negro em MT, com análises sobre como políticas públicas, como a Lei Hermes de Abreu e a Lei Aldir Blanc, moldaram o cenário da produção local.
O autor também celebra iniciativas de resistência, como coletivos, diretores, curtas e experiências que romperam a lógica hegemônica.
Parte desse material sequer sobreviveu ao tempo. “O filme original A Cilada com Cinco Morenos foi perdido; hoje só temos cópias”, relata.
Outro desafio foi definir o que se entende por “cinema negro” no contexto mato-grossense, um conceito em debate na academia, mas que, segundo o autor, ganhou contornos mais claros ao longo da pesquisa. Ele destaca que o apagamento da população negra não é exclusivo de Mato Grosso.
“Não é apenas o meu estudo que evidencia esse apagamento. Os anuários da Ancine mostram os mesmos números no cinema brasileiro”. E o problema se repete em outros recortes: “Se pesquisarmos cinema feminino, queer ou indígena, veremos números igualmente espantosos”, revela.
Maurício também reforça a importância das políticas públicas na viabilização de pesquisas como essa, já que permitem que temas pouco discutidos pela grande mídia cheguem ao público de forma qualificada. Ele ressalta ainda que o trabalho não foi solitário: contou com o apoio de sua orientadora, Letícia Capanema, e de profissionais do audiovisual mato-grossense, como Jaqueline Silva, Juliana Segóvia e Emília Top Tiro, além da colaboração de diversos realizadores que ajudaram a localizar filmes e informações necessárias para a construção do livro.
Cuiabá, Cinema e Ancestralidade
Realizado com apoio do edital Fornada, da Prefeitura de Cuiabá, e financiado pelo Governo Federal por meio da Lei Paulo Gustavo (LC nº 195/2022), o projeto reforça a importância das políticas públicas na preservação da memória e na valorização da produção negra no audiovisual mato-grossense.
Maurício Pinto é produtor, pesquisador e mestre em Comunicação pela UFMT. Atuante no audiovisual mato-grossense, dirigiu curtas como Pandorga (2016) e o documentário Missivas (2018). É fundador do coletivo Aquilombamento Audiovisual Quariterê, voltado à valorização e ao fortalecimento da produção negra no estado.
Fonte: primeirapagina






