As baleias-jubarte não viajam sozinhas. Ao longo de suas rotas migratórias, carregam um passageiro. Seus inquilinos, crustáceos conhecidos como cracas, se fixam nesses animais como ostras o fazem em rochedos.
Um estudo realizado no Instituto de Biociências (IB) da USP relaciona o tamanho, a forma e a posição das cracas no corpo das baleias com o fluxo de água que passa pelos cetáceos. Pesquisadoras descobriram que os crustáceos da espécie Coronula diadema são diversos ao longo do corpo de um mesmo animal.

“Cracas mudam de forma a depender de onde elas estão na baleia,” afirma Teresa de Filippo, pesquisadora que primeiro assina o estudo. As autoras apontam que as pressões da circulação da água podem moldar a morfologia dos epibiontes — animais que se fixam em outros animais. Quanto maior a turbulência, menor a craca.
Os resultados foram publicados na revista científica Evolutionary Ecology como produto da iniciação científica de Filippo.
A parte que habitam
“Uma de nossas primeiras hipóteses era que o comportamento das baleias mudaria o formato da craca”, conta Teresa de Filippo. Isso indicaria que a agressividade dos machos durante o período reprodutivo definiria o formato e a robustez dos crustáceos associados — pelo menos, dos que permanecessem fixados.
“Mas isso não aconteceu”, continuou. As análises conduzidas pela equipe não mostram diferenças significativas entre as cracas de cetáceos machos e fêmeas. “Talvez o comportamento não seja tão diferente assim”, sugere Teresa.
As cracas estudadas foram coletadas entre 2000 e 2024 em baleias-jubarte encalhadas entre o sul da Bahia e o Rio Grande do Sul. As pesquisadoras fizeram medições morfométricas para as 136 amostras. Cada crustáceo foi fotografado e teve sua geometria analisada, o que possibilitou a comparação de diferenças de forma e tamanho entre os indivíduos.

Os resultados mostram um padrão claro: cracas fixadas na região genital, próxima ao pedúnculo caudal, são menores, mais grossas e com base mais larga. O artigo sugere que a turbulência gerada pela cauda pode estar associada ao tamanho reduzido e ao aumento da robustez dos crustáceos — o movimento da natação, mais intenso na parte posterior da baleia, promoveria o desenvolvimento de crustáceos mais resistentes.
Já aquelas fixadas nas mandíbulas, nas nadadeiras peitorais e no ventre tendem a ser maiores e mais alongadas. Nessas regiões, as cracas são beneficiadas por um fluxo de água mais suave e eficiente no transporte de nutrientes, o que possibilita um desenvolvimento maior.
“É um resultado muito interessante”, afirma Tammy Arai, orientadora de Teresa. Ela destaca que a descoberta da variabilidade das cracas dentro de um mesmo indivíduo “é um fato inédito”. Até agora, se imaginava que as disparidades seriam maiores entre indivíduos diferentes.
Tammy Arai afirma que o artigo é pioneiro ao sugerir mais um componente no estudo dos epibiontes de animais marinhos. “Não existe nenhum outro estudo que tenha medido o quanto a hidrodinâmica afeta as cracas de baleias e golfinhos.”

As pesquisadoras apontam que as cracas são hermafroditas — possuem órgãos sexuais masculinos e femininos. Portanto, não há dimorfismo sexual: todas as cracas são, a princípio, semelhantes. Fatores ambientais, como alimentação e hidrodinâmica, moldam cada indivíduo.
Fora da caixa
“Precisamos de estudos para entender melhor como as cracas conseguem se adaptar às baleias”, afirma Teresa de Filippo. Para isso, ela vê na integração de áreas dentro da biologia uma solução.
“Os animais crescem na interseção. Eles não crescem na caixinha”, afirma a bióloga. Não se pode bater martelo nas causas pelas quais as cracas se desenvolvem de formas diferentes ainda. Para isso, são necessários estudos que contemplem diferentes áreas. “Por que isso está acontecendo? Por causa da genética? Por não receberem comida direito? Tem a ver com a hidrodinâmica?”, questiona.
O artigo Phenotypic plasticity in shell morphometrics of the barnacle Coronula diadema (Linnaeus, 1767) reflects cetacean hydrodynamics está disponível neste link.
Mais informações: tedefilippo@usp.br ou tefilippo11@gmail.com, com Teresa de Filippo, e iwasa-arai@usp.br, com Tammy Arai.
*Estagiário com orientação de Fabiana Mariz.
Arte de Daniela Gonçalves, estagiária sob orientação de Moisés Dorado.
Fonte: abril






