Medir o tempo sempre foi um desafio científico. Da invenção dos primeiros relógios mecânicos à criação dos relógios atômicos atuais, foram necessárias muitas gerações de pesquisa para entender e controlar a passagem de cada segundo.
Esses sistemas são precisos porque dependem das condições físicas específicas da Terra (e mesmo por aqui manter a contagem do tempo não é uma tarefa trivial). Quando saímos do nosso planeta, o tempo deixa de seguir as mesmas regras. A relatividade mostra que gravidade e velocidade influenciam o ritmo dos relógios, o que torna complexa qualquer tentativa de estabelecer um padrão universal.
Com a perspectiva de missões cada vez mais ambiciosas a Marte, essa questão saiu da teoria para se tornar um problema operacional. Para coordenar naves, sondas, satélites e, no futuro, atividades humanas em outros mundos, é preciso saber com exatidão como o tempo passa fora da Terra.
Pesquisadores do Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia dos Estados Unidos (NIST) conseguiram calcular quanto o tempo em Marte se desvia do tempo terrestre de maneira mais precisa até agora.
O estudo, publicado no The Astronomical Journal, mostra que um relógio em Marte “anda ligeiramente mais rápido” que um igual na Terra. Em média, esse adiantamento é de 477 microssegundos por dia – menos de meio milésimo de segundo, mas suficiente para criar diferenças quando acumulado ao longo de semanas ou meses.
Esse número não é fixo. Como a órbita de Marte é mais alongada, sua distância do Sol muda bastante ao longo do ano. E isso altera a gravidade e a velocidade do planeta – dois fatores que influenciam diretamente a passagem do tempo.
Por causa dessas variações orbitais e das influências gravitacionais de corpos próximos, o adiantamento pode oscilar em até 226 microssegundos para cima ou para baixo, dependendo da época do ano marciano.
O novo resultado amplia um trabalho anterior da mesma equipe, publicado em 2024, que propôs como medir o tempo com precisão na superfície da Lua. Agora, os pesquisadores aplicaram o mesmo raciocínio – só que com mais variáveis – para resolver a versão marciana do problema.
Como o tempo muda fora da Terra?
Determinar um valor preciso para a passagem do tempo em Marte exige separar duas noções distintas: a duração do dia e a velocidade com que os segundos se acumulam.
O dia marciano é cerca de 40 minutos mais longo que o terrestre, e o ano tem 687 dias. Mas isso não explica como um relógio atômico comporta-se ali quando comparado com um idêntico na Terra.
Albert Einstein mostrou que o tempo desacelera onde a gravidade é mais intensa e acelera onde ela é mais fraca. Como a superfície marciana tem gravidade cerca de cinco vezes menor que a terrestre, relógios lá tendem a adiantar ligeiramente. Isso por si só já criaria uma diferença. Mas o cálculo real ainda considera outros fatores.
A órbita de Marte é mais excêntrica – ou seja, menos circular. Isso faz com que o planeta mude de velocidade ao longo do ano, o que também afeta a passagem do tempo. Além disso, Marte está imerso em um ambiente gravitacional complexo. O Sol concentra mais de 99% da massa do Sistema Solar, mas a atração gravitacional da Terra, da Lua e dos planetas gigantes também provoca pequenas perturbações.
“Sua distância do Sol e sua órbita excêntrica fazem com que as variações no tempo sejam maiores. Um problema de três corpos já é extremamente complicado. Agora estamos lidando com quatro: o Sol, a Terra, a Lua e Marte”, explicou o físico Bijunath Patla, do NIST, em comunicado.
Para padronizar o cálculo, os pesquisadores definiram um ponto de referência na superfície marciana – um equivalente marciano ao “nível do mar” terrestre. A partir daí, reuniram décadas de dados de sondas e rovers que passaram pelo planeta e estimaram a gravidade local com precisão.
Depois incorporaram todas as influências gravitacionais externas e os efeitos orbitais. O resultado final representa, até agora, o melhor modelo já obtido sobre a passagem do tempo no planeta vermelho.
A diferença de 477 milionésimos de segundo por dia pode parecer minúscula, mas tecnologias modernas dependem exatamente desse tipo de precisão. As redes 5G, por exemplo, exigem sincronização na casa de décimos de microssegundo. Erros que parecem insignificantes acumulam-se rapidamente e podem comprometer sistemas inteiros.
Hoje, mensagens enviadas entre a Terra e Marte levam de quatro a 24 minutos para completar o trajeto. Entender como o tempo passa em diferentes regiões do Sistema Solar é essencial para estruturas de comunicação mais avançadas, como uma futura “internet interplanetária”. Sincronizar sinais enviados por sondas, satélites e bases exige que todos os relógios envolvidos batam no mesmo ritmo.
O físico Neil Ashby, coautor do estudo, destacou que estamos longe de ter missões tripuladas permanentes em Marte. Ainda assim, é importante resolver esses desafios com antecedência.
“Podem passar décadas até que a superfície de Marte esteja coberta pelas marcas de veículos exploradores, mas já é útil estudar as questões envolvidas no estabelecimento de sistemas de navegação em outros planetas e luas”, afirmou em nota. “Assim como os atuais sistemas de navegação global, como o GPS, esses sistemas dependerão de relógios precisos, e os efeitos sobre a precisão desses relógios podem ser analisados com a ajuda da teoria da relatividade geral de Einstein”.
Além das aplicações práticas, o estudo fornece um teste adicional para a própria relatividade, já que combina efeitos gravitacionais e orbitais de múltiplos corpos em movimento, algo que era difícil de medir de forma direta.
“É bom saber pela primeira vez o que está acontecendo em Marte em termos de tempo. Ninguém sabia disso antes. Isso aprimora nosso conhecimento da própria teoria, a teoria de como os relógios funcionam e a relatividade”, concluiu Patla. “A passagem do tempo é fundamental para a teoria da relatividade: como a percebemos, como a calculamos e o que a influencia. Esses podem parecer conceitos simples, mas podem ser bastante complicados de calcular.”
Fonte: abril






