O enoturismo, ou turismo focado em vinhos, é uma atividade que não para de crescer no Brasil e há muito tempo não se limita somente à Serra Gaúcha. A visita à vinícolas costuma incluir passeio por parreirais, tour guiado pelas instalações onde acontece a elaboração da bebida e, claro, a degustação.
Uma referência dessa prática no estado de São Paulo é Espírito Santo do Pinhal, situada em meio à Serra da Mantiqueira: a cidade fica a 200 km da capital paulista e a 70 km da mineira Poços de Caldas.
O local tem um cenário moldado por altitudes que variam entre 900 e 1.300 metros e clima tropical de altitude com invernos secos e verões moderados. A combinação propícia de elementos acaba criando as condições ideais para o cultivo de uvas que resultam em vinhos de grande qualidade.
No centro desse movimento se encontra a Vinícola Guaspari, um verdadeiro símbolo do enoturismo local. A propriedade tem cerca de 50 hectares de vinhedos plantados, além de áreas em que também são cultivados cafezais e oliveiras.
Fundada em 2001, a Guaspari começou o plantio de suas parreiras em 2006, mas foi só em 2014 que passou a comercializar seus vinhos. Desde então, coleciona prêmios importantes. Alguns dos seus rótulos, como o Syrah Vista da Serra, já foram reconhecidos internacionalmente em concursos como o Decanter World Wine Awards, uma das mais prestigiadas competições do setor.

Fui até a vinícola com um objetivo especial: viver a experiência da vindima, como é conhecida a tradicional colheita das uvas. A data varia dependendo do ano, sendo geralmente no primeiro semestre, quando os cachos atingem o ponto ideal de maturação.
Este ano, a visita da vindima da Guaspari se iniciou em maio e, mais do que um simples passeio, é uma celebração: visitantes são convidados a conhecer de perto todas as etapas do processo de produção de vinho, desde a colheita manual até a degustação.
Toscana paulista
Saí de São Paulo por volta das 8h10 e em cerca de duas horas e meia alcancei Espírito Santo do Pinhal. Em geral, é uma cidade de serras e muito verde, um contraste absoluto em relação à paisagem urbana que vejo todos os dias da Marginal Pinheiros.
A chegada à Guaspari chega até ser cinematográfica: aos poucos, a estrada vai se rendendo à natureza, o asfalto dá lugar à terra e aos tijolos que deslizam fácil sob as rodas do carro. De repente, você já está envolvido pelo cenário que anuncia que a experiência vai muito além de degustar vinhos.
Rumo aos vinhedos
A visita começou com um café da manhã caprichado, montado com produtos da fazenda: frutas frescas, pães, croissants, embutidos.
Depois, segui rumo aos vinhedos a bordo de uma espécie de caminhãozinho aberto – meio rústico, meio bucólico. E em instantes a linda Serra da Mantiqueira vai se revelando. A paisagem, entre montanhas e parreirais, é daquelas que merecem muitos cliques.

Topei com vinhedos carregados e um aroma adocicado no ar. Um detalhe curioso me chamou a atenção: as roseiras plantadas nas extremidades das fileiras de parreiras. Antes, eu pensava que elas estavam ali apenas para embelezar o cenário, mas aprendi que elas também têm uma função prática e ancestral. Por serem plantas mais sensíveis, as roseiras servem como uma espécie de “sentinela”, indicando com antecedência a presença de pragas que possam afetar as videiras. Além disso, na Guaspari a cor das flores também atua como um código visual: rosas brancas ou amarelas marcam os vinhedos que dão origem aos vinhos brancos; rosas vermelhas ou de tons mais escuros identificam os parreirais cujas uvas resultarão em tintos.

Nesta edição da vindima, o destaque é a colheita da usa sangiovese, uma variedade que foi plantada em 2021 e que, agora, três anos depois, passa a integrar oficialmente o terroir da vinícola. A sangiovese tem sua origem na Itália e sua adaptação ao solo e ao clima de Espírito Santo do Pinhal representa mais um capítulo importante para a Guaspari, que tem sua história ligada à produção da uva syrah.
Os passeios da vindima se diferenciam das visitas tradicionais justamente por oferecerem essa vivência direta: ao invés de apenas caminhar pelos vinhedos e participar de degustações, o visitante é convidado a colocar a mão na massa – ou, melhor dizendo, na uva. Além disso, nesta época, o menu harmonizado servido na vinícola também muda, incorporando pratos especialmente pensados para o período.
A colheita deste ano se concentra exclusivamente na sangiovese. O momento é cuidadosamente conduzido pelos funcionários da vinícola: nos organizamos em fila, recebemos uma tesoura de poda e, com orientação, aprendemos a identificar os cachos prontos para a colheita. É um gesto simples – escolher, cortar e segurar o cacho com as próprias mãos -, mas que carrega um simbolismo enorme. Não é exagero dizer que eu tinha em mãos o ouro da vinícola. A textura da uva e o aroma fresco que escapa logo depois do corte reforça a conexão com o processo natural que antecede a produção dos vinhos. Tive a chance de provar uvas ali mesmo, direto do cacho.
Do tanque à garrafa: os bastidores da produção

Depois da colheita, seguimos para a parte industrial, onde pude conhecer de perto as etapas que transformam as uvas colhidas em vinho. A visita começa na sala dos tanques de aço inox, onde acontece a fermentação alcoólica, e passa pelos chamados “ovos” de concreto, estruturas que favorecem a micro-oxigenação e preservam melhor as características das uvas.
Em seguida, chegamos à sala das barricas de carvalho, um dos espaços mais emblemáticos da vinícola. Ali, o vinho repousa e amadurece lentamente, ganhando corpo, complexidade e aromas que só o tempo e a madeira são capazes de conferir. A escolha do tipo de barril interfere diretamente no perfil sensorial de cada rótulo da Guaspari, e é por isso que a vinícola trabalha com as barricas de maior qualidade, feitas com carvalho francês.
Percebi, nessa etapa, como o processo é silencioso. Depois de tanto trabalho nos vinhedos e na vinificação, o vinho precisa apenas de tempo para se transformar em um ambiente de temperatura e umidade cuidadosamente controladas. Chama atenção ainda a diferença de temperatura entre a sala dos barris e o exterior: ali dentro, o ar era mais fresco e tive até que colocar meu casaco.
Por fim, conhecemos a cave de garrafas, onde os vinhos ficam armazenados antes de serem lançados ao mercado. Estar nesse espaço me fez entender o quanto a produção é um trabalho de longa duração, feito de muitas esperas e escolhas meticulosas.
A visita, nesse sentido, é importante justamente por permitir que o visitante acompanhe todas essas fases, saindo da ideia mais superficial do vinho como um produto final e percebendo-o como o resultado de um processo artesanal, técnico e profundamente enraizado no tempo.
A hora mais esperada: o almoço harmonizado
A parte mais aguardada de toda a visita é sem dúvida o almoço harmonizado. Para os passeios especiais da vindima de 2025, o menu foi criado pelo chefe Tuca Mezzomo, do restaurante Charco, de São Paulo, e será servido todos os fins de semana de julho no restaurante da vinícola, o Cozinha de Raízes.
Conhecido por sua destreza no preparo a lenha e no carvão, Tuca elaborou um cardápio em quatro tempos valorizando ingredientes sazonais da região, muitos deles cultivados na própria fazenda. A ideia é exaltar a potência dos vinhos Guaspari, harmonizando cada prato com um rótulo diferente.
Antes dos pratos, os visitantes podem se deliciar de petiscos para preparar o paladar, com opções de tábua de frios e pães artesanais, acompanhados do vinho do Vale da Pedra Branco.
Depois, o primeiro tempo: uma salada de folhas, stracciatella fresca, supreme de laranja-Bahia, folhas de erva-doce e ovas de salmão – também com o Vale da Pedra Branco. O prato é uma experiência gastronômica, com as ovas que estouram na boca.

No segundo tempo, berinjela grelhada glaceada com romã, creme de castanha-do-pará e cevada crocante, ao lado do Porcellino Tinto. Confesso que não sou a maior fã de berinjela, mas pela primeira vez comi o vegetal com gosto: o tempero acabou sendo um diferencial no prato.

Depois, um dos meus favoritos: camarão carabineiro levemente defumado, purê de abóbora cabotiá e abóbora de pescoço tostada e farofa de amêndoas, servido com bisque e harmonizado com o Guaspari Terroir Pinot Noir.

No quarto tempo, a chuleta de vaca velha vem em uma porção para dividir, acompanhada de cuscuz campeiro, radicchio, tomates com butarga, broccolini tostado e romesco. O prato é harmonizado com o Guaspari Syrah Vista da Serra.

Para fechar, a sobremesa: um picolé de coco tostado com caramelo salgado, servido com café ou chá (ambas as bebidas são produzidos na própria Guaspari e vendidos em sua lojinha). O sorvete com o chá finalizou o menu de forma leve.

A comida estava excelente e o vinho, melhor ainda, então não custa repetir a recomendação: beba sempre com moderação.
Serviço
A Vinícola Guaspari fica na Rua Pedro Ferrari, número 300, no bairro Parque dos Lagos, em Espírito Santo do Pinhal. A propriedade realiza diferentes tipos de visita ao longo do ano. Confira a seguir:
Quando? Em junho, às sextas-feiras, sábados e domingos. Duração de aproximadamente 6h.
Quanto? R$ 868 por pessoa e inclui café da manhã, visita ao vinhedo, colheita, tour pela vinícola e almoço harmonizado.
Quando? Nos fins de semana de julho (dias 5, 6, 12, 13, 19, 20, 26 e 27). Duração de aproximadamente 6h.
Quanto? R$ 980 por pessoa e inclui café da manhã, visita ao vinhedo, colheita, tour pela vinícola e menu harmonizado.
Degustação Vista
Quando? Durante todo o ano, mas é preciso consultar a disponibilidade. Duração de cerca de 2h30.
Quanto? R$ 348 por pessoa e inclui café da manhã, visita ao vinhedo e à vinícola e degustação.
Quando? Durante todo o ano, às sextas-feiras, sábados e domingos, mas é preciso consultar a disponibilidade. Duração de 4h.
Quanto? R$ 598 por pessoa e inclui café especial, visita ao vinhedo e à vinícola e menu harmonizado em 5 tempos.
Experiência Seleção Guaspari Syrah
Quando? Durante todo o ano, às sextas-feiras, sábados e domingos, mas é preciso consultar a disponibilidade na agenda. Duração de 3h30.
Quanto? R$ 428 por pessoa e inclui café especial, visita ao vinhedo e à vinícola e degustação dos Syrahs acompanhados de finger foods.
Fonte: viagemeturismo