
A vitamina D não cumpre a definição de vitamina na letra fria da lei: nós somos, sim, capazes de produzi-la, basta tomar sol. Por isso, o mais adequado é classificá-la como hormônio. Mesmo assim, as diretrizes alimentares de vários países optam pela precaução e citam quantidades diárias que seriam necessárias apenas para um vampiro, um barman de Berlim e outros tipos que jamais veem a luz do dia.
O nutriente batizado com a quarta letra do alfabeto é uma chave química que se encaixa em apenas uma fechadura – batizada com o nome assaz óbvio de “receptor de vitamina D”, ou simplesmente VDR na sigla em inglês. O VDR fica na carioteca, nome da membrana que isola o núcleo de uma célula das demais áreas.
Relembrando: com exceção das hemácias, que transportam oxigênio no sangue, todas as células do nosso corpo contêm uma cópia completa do material genético, protegida dentro do camarote molecular do núcleo. Por sua vez, o citoplasma é o chão de fábrica onde ficam as linhas de montagem de proteínas, os ribossomos – bem como muitas outras organelas que cuidam de funções cotidianas, como as mitocôndrias, responsáveis por queimar açúcar e gerar energia para o corpo.
De maneira muito simplificada, cada um dos genes é o manual de instruções para construir uma proteína, e nosso corpo é um montão de proteínas bem-organizadas. Tais instruções precisam atravessar a carioteca para sair do escritório do DNA e chegar aos ribossomos operários – essa é a função das moléculas de RNAm (o ême é de “mensageiro”, afinal, ele carrega mensagens).
Na carioteca, há componentes que regulam o ritmo de envio dessas mensagens – o que nos leva de volta à vitamina D. Quando ela se encaixa no receptor VDR, rola um “supergêmeos, ativar”: os dois juntos se tornam um fator de transcrição, que é o nome de qualquer molécula capaz de estimular ou desestimular a síntese da proteína de um certo gene.
No caso da vitamina D, alguns dos genes incentivados são os responsáveis pelas proteínas TRPV6 e calbindina, que têm a ver com a absorção de cálcio no intestino e seu transporte pelo sangue. Daí a importância de um solzinho para seus ossos, dentes e afins.
A divisão de tarefas entre nossos genes não é trivial – é uma ilusão imaginar que existe um trechinho de DNA especificamente para olhos azuis ou qualquer outra característica. Do mesmo jeito que programas de computador como Word, Excel e PowerPoint compartilham certos menus e trechos de código, um mesmo gene pode ser importante na construção e operação de várias partes e sistemas diferentes de uma pessoa.
Sabemos que os genes regulados pela VDR também interferem, por exemplo, nas células do sistema imunológico – e que esses guardiões microscópicos dão bug na ausência dela: podem acabar atacando partes inocentes do nosso próprio corpo. A deficiência desse nutriente já foi associada ao risco de desenvolver doenças autoimunes.
Assim como boa parte de seus colegas micronutrientes, a vitamina D se apresenta em cinco vitâmeros: moléculas que são estruturalmente distintas, mas capazes de realizar a mesma função em nosso corpo – o que torna indiferente a ingestão de uma ou outra. A vitamina D3, cujo nome é colecalciferol, é a versão fabricada pela pele. Já a vitamina D2, uma molécula chamada ergocalciferol, é a versão que geralmente aparece em suplementos de farmácia e na alimentação.
Como todas as vitaminas, a D teve seu grau de influência na história da humanidade. Não só porque sua deficiência causa uma doença gravíssima em crianças, o raquitismo – mas também porque ela é uma das responsáveis pela existência de pessoas brancas: conforme o sapiens ocupou regiões menos ensolaradas ao norte do planeta, a seleção natural beneficiou peles com menos melanina para facilitar a absorção de radiação UV e a síntese desse nutriente.
Fonte: abril