As células se dividem o tempo todo – e, nesse processo, é normal que mutações acontecem. Na maior parte do tempo, nada de muito urgente acontece: células mutantes e não saudáveis acabam morrendo ou são eliminadas pelo organismo pouco tempo depois.
Entretanto, dependendo da mudança, a célula mutante pode começar a se achar dona do pedaço. Ela começa a se reproduzir descontroladamente, formando o que conhecemos como tumor. Instaura-se um câncer.
Cada vez que uma célula se divide, há uma chance pequena de ocorrer uma dessas mutações. Por isso, quanto mais células um organismo tem, mais oportunidades surgem para que erros aconteçam, certo? Nem sempre.
Um elefante tem milhares de vezes mais células do que um humano, e vive muito mais tempo do que um rato, por exemplo. Pela lógica, quanto maior e mais longevo for um animal, maior deveria ser também o risco de que algumas dessas células acumulem mutações perigosas ao longo da vida e causem câncer.
Mas, surpreendentemente, não é isso que acontece com os elefantes: 4,8% dos elefantes morrem em decorrência de câncer, enquanto essa taxa varia entre 11% a 25% nos humanos. Entender por que isso é possível pode ser uma chave não apenas para a compreensão da fisiologia dos grandalhões, como também para desvendar novas formas de combater tumores em humanos.
Os elefantes têm um complexo sistema de defesa contra as mutações que podem se tornar cânceres. Parte da explicação começa com o gene TP53, responsável por detectar e responder a danos no DNA. Enquanto os humanos possuem duas cópias desse gene, os gigantes da savana contam com impressionantes 40 – haja backup. Essa diferença crucial reduz as chances de mutações acumuladas levarem a tumores.
As cópias extras do TP53 nos elefantes não são apenas numerosas, mas também altamente eficientes. Quando as células desse animal sofrem danos, em vez de tentar consertar o DNA defeituoso, elas rapidamente se autodestroem. É uma solução radical para eliminar o risco de uma mutação se espalhar.
Além do TP53, outro elemento-chave é o gene LIF6. Apelidado de “gene zumbi“, ele estava inativo nos ancestrais dos elefantes, mas foi “revivido” ao longo da evolução. Quando ativado pelo TP53, o LIF6 produz proteínas que atacam as mitocôndrias — estruturas essenciais para a sobrevivência celular. É mais um mecanismo interno de destruição de mutações.
Pesquisadores acreditam que a combinação entre múltiplas cópias funcionais do TP53 e o ressurgimento do LIF6 foi decisiva para que os elefantes desenvolvessem um sistema robusto de defesa contra o câncer.
A várias cópias do gene TP53 nos elefantes funcionam como diferentes modelos de alarmes de segurança, cada um sensível a tipos variados de problemas. Assim, quando alguma célula do corpo sofre um dano, sempre há algum desses alarmes prontos para perceber o perigo e acionar o sistema de defesa.
As vantagens não param por aí: os diferentes tipos de proteínas produzidas pelas cópias do TP53 em elefantes respondem a variados sinais moleculares, aumentando ainda mais a eficácia na detecção e eliminação de células defeituosas.
Os cientistas continuam investigando outros mecanismos que possam explicar a baixa incidência de câncer nos elefantes. E isso pode trazer consequências para a medicina: estudos mostram que, ao introduzir o gene TP53 de elefantes em células humanas de osteossarcoma, por exemplo, essas células cancerígenas rapidamente se autodestruíram.
Compreender plenamente esses processos pode inspirar novas abordagens terapêuticas. Afinal, se a evolução foi capaz de equipar os elefantes com tais defesas, talvez possamos aprender a imitá-las.
Fonte: abril