Parece ficção cientĂfica, mas Ă© isso mesmo que vocĂȘ leu: o peixe da espĂ©cie Prionotus carolinus, conhecido no Brasil como falso-voador-marrom, possui apĂȘndices muito parecidos com perninhas, que ele usa para cavar no chĂŁo em busca de comida. Agora, uma equipe de cientistas descobriu mais uma coisa fascinante: essas patinhas possuem a habilidade de sentir gosto, como uma lĂngua, permitindo que o peixe procure por comida com mais facilidade.
A espĂ©cie fascina cientistas hĂĄ tempos por conta da sua aparĂȘncia bizarra: alĂ©m das âpernasâ, o falso-voado tem estruturas que parecem asas de aves. Agora, uma colaboração internacional de cientistas, liderados por pesquisadores de Harvard, mostrou que os âmembrosâ possuem receptores quĂmicos, parecidos com o que nĂłs temos na lĂngua.
Em dois novos papers, os cientistas fazem a descrição mais abrangente até agora sobre o uso das perninhas desses bichos, quais genes regulam o processo e o que podemos aprender com ele sobre evolução.
As âpernasâ do peixe sĂŁo, na verdade, extensĂ”es da sua nadadeira peitoral. Quando estĂŁo nadando prĂłximos ao fundo do mar, falso-voadores-marrons usam-nas para revirar o chĂŁo em busca de pequenas presas. Veja um vĂdeo:
NĂŁo se sabia, porĂ©m, se esses bracinhos eram acessĂłrios meramente mecĂąnicos, com o objetivo de cavar a areia e pedras, ou se tinha algum tipo de caracterĂstica sensorial.
Em uma sĂ©rie de experimentos em laboratĂłrio, os cientistas descobriram que a segunda opção Ă© a correta. Enquanto cavavam o chĂŁo, os peixes conseguiam encontrar o exato lugar onde estavam as presas sem nenhum tipo de dica visual, ou seja, estavam sentindo a presença deles de outra maneira. Quando os pesquisadores trocaram as presas por cĂĄpsulas contendo substĂąncias quĂmicas, os peixes tambĂ©m conseguiram encontrĂĄ-las com facilidade, indicando que os apĂȘndices sĂŁo sensĂveis a estĂmulos quĂmicos.
NĂŁo dĂĄ para falar que eles sentem gosto da mesma maneira que a gente, claro. Mas, de alguma forma, respondem aos estĂmulos quĂmicos.
SĂł poucas espĂ©cies desse tipo de peixe, porĂ©m, tĂȘm essa habilidade. Uma outra espĂ©cie â a P. evolans â tambĂ©m tem pernas, mas usam-nas apenas para a locomoção, e nĂŁo sĂŁo observados escavando o solo em busca de comida.
Comparando as perninhas das duas espĂ©cies, os cientistas notaram que as patas do falso-voador-marrom eram diferentes das do seu primo: possuĂam pequenas estruturas conhecidas como papilas, muito parecidas com as papilas gustativas que nĂłs, humanos, temos na lĂngua. A outra espĂ©cie, que tinha perninhas mas nĂŁo cavava, tambĂ©m nĂŁo possuĂa as papilas nas pernas. A equipe concluiu, entĂŁo, que essas saliĂȘncias constituem uma especialização â ou seja, primeiro esses bichos desenvolveram as pernas, e, mais tarde, algumas espĂ©cies do grupo passaram a usĂĄ-las para sentir gosto.
Fazendo uma pesquisa mais abrangente, os pesquisadores descobriram que as espĂ©cies desse gĂȘnero de peixes que usam as perninhas para vasculhar o chĂŁo sĂŁo restritas a poucos lugares do mundo, indicando que esse Ă© um traço relativamente recente na histĂłria evolutiva.
No segundo artigo, os cientistas descobriram quais os genes e fatores de transcrição estĂŁo envolvidos nesse super-poder dos peixes. Eles descobriram que um dos genes mais importantes Ă© o TBX3, que, em mamĂferos, tambĂ©m estĂĄ ligado ao desenvolvimento de membros (alĂ©m de vĂĄrias outras coisas). Quando os pesquisadores suprimiram esse gene em laboratĂłrio, os bichos nasciam com problemas no desenvolvimento das perninhas, das papilas e do comportamento de cavar o chĂŁo.
Fonte: abril