Antes de mais nada, leitor, fique tranquilo: o hidrogênio não está exatamente em falta. De fato, é o resto da tabela periódica que é raro em comparação a esse gás, onipresente no Universo.
Instantes após o Big Bang, o cosmos consistia em uma grande nuvem quente com três partes de hidrogênio para uma parte de hélio, e não havia qualquer outro elemento. (Tudo bem, “nenhum” é exagero: também se formaram quantidades residuais de lítio.)
Ao longo de bilhões de anos, o hidrogênio e o hélio foram formando estrelas pela ação da gravidade. No núcleo dessas estrelas, sob pressão e temperatura intensos, esses átomos foram se fundindo pouco a pouco para criar átomos maiores. Oxigênio, carbono, nitrogênio…
Até hoje, porém, três em cada quatro átomos do Universo ainda são hidrogênio. A gênese de elementos mais pesados ao longo de 13,8 bilhões de anos existência do Universo não fez cócegas nessa proporção.
Basta pensar que a Terra, com os átomos de carbono, nitrogênio ou fósforo que compõem nossos corpos, não perfaz nem 1% da massa total do Sistema Solar. Ela está quase toda no Sol, e o Sol é quase todo hidrogênio e hélio.
Dito isso, metade do hidrogênio do Universo andava sumido. Quando os astrônomos estimavam o conteúdo total de hidrogênio em todas as estrelas, nuvens de gás e outras estruturas visíveis, eles encontravam apenas uma fração do que deveria ter sido produzido no Big Bang de acordo com nossas melhores equações.
Agora, uma dupla de astrônomos da Universidade da Califórnia em Berkeley, que contou com a colaboração de outros 73 pesquisadores de todo o mundo, parece ter encontrado uma explicação para o gás perdido.
Os resultados, disponíveis em PDF neste link, ainda não passaram pela revisão de outros especialistas, mas deverão sair no periódico especializado Physical Review Letters.
A solução do mistério não é nada de tirar o fôlego. Calhou que há mais hidrogênio do que imaginávamos antes flutuando ao redor das galáxias. Esse gás passa facilmente despercebido porque é muito difuso, está diluído ao longo de distâncias imensas e não conta com tantas fontes de luz próximas para denunciar sua presença.
O hidrogênio desaparecido forma filamentos que conectam as galáxias entre si. Fios tênues que delineam a estrutura do Universo em larga escala.
A razão desse material se afastar tanto das galáxias, apesar da atração gravitacional imensa que elas exercem, é que os buracos negros supermassivos localizados no centro de cada uma delas ejetam esses gases a distâncias impressionantes (nem só de deglutição vivem esses astros anômalos).
Para ver esses filamentos de hidrogênio, foi necessário usar a única luz de fundo que permeia todo o Universo: a radiação cósmica de fundo, um brilho primordial emitido pouco após o Big Bang que, de tão “cansado”, hoje trafega na forma ondas eletromagnéticas longas, preguiçosas e invisíveis aos olhos humanos.
Em suma: metade do conteúdo de matéria bariônica do Universo estava perdido na forma de gigantescos… puns. Que bom que encontramos esses flatos de buraco negro, e resolvemos uma indigestão astronômica.
Fonte: abril