âHitler foi um ditador de direita e esse espectro polĂtico Ă© um dos responsĂĄveis pelo Holocaustoâ; âO STF Ă© o Poder Moderadorâ; âAs Forças Armadas sĂŁo submissas ao tribunalâ; âA urna eletrĂŽnica Ă© segura e hĂĄ lisura no processo eleitoralâ. Esses sĂŁo alguns tĂłpicos que uma professora paulistana de 47 anos teve de escutar durante o Curso da Democracia, oferecido a presos por causa do 8 de janeiro que assinaram o acordo de nĂŁo persecução penal (ANPP) da . O ANPP Ă© uma forma que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), encontrou para se livrar de milhares de pessoas acorrentadas a tornozeleiras eletrĂŽnicas e perturbadas diariamente por âmedidas restritivasâ hĂĄ mais de um ano. O acordo da PGR Ă© oferecido apenas aos detidos no Quartel-General do ExĂ©rcito, em BrasĂlia, em 9 de janeiro de 2023. Quem nĂŁo aceita a proposta corre o risco de ir ao julgamento em âlotesâ no plenĂĄrio virtual do STF e passar os prĂłximos 17 anos na cadeia.
âAquilo me pareceu um tremendo processo de lavagem cerebralâ, resumiu a a docente obrigada a escutar o palavrĂłrio dividido em quatro mĂłdulos pela Escola Superior do MinistĂ©rio PĂșblico da UniĂŁo. A primeira fase dos estudos trata de democracia e abrange o desenvolvimento histĂłrico e direitos fundamentais. A segunda e terceira etapas consistem na explicação de como funcionam Executivo, Legislativo e JudiciĂĄrio, alĂ©m de discorrer a respeito da âsubmissĂŁo das Forças Armadas aos Poderes Civis constituĂdosâ. Por fim, os alunos aprendem o âconceito de golpe militarâ, rememoram a âditadura e suas violaçÔesâ, entendem a importĂąncia do surgimento da ComissĂŁo da Verdade e se debruçam sobre os crimes contra o Estado DemocrĂĄtico de Direito. âĂ interessante nĂŁo terem citado Cuba, Venezuela ou China na aulaâ, recordou a acadĂȘmica.

Quando os âestudantesâ chegam ao local das aulas, no fĂłrum criminal especificado pela Justiça, sĂŁo orientados a desligar o celular, nĂŁo usar qualquer tipo de aparelho eletrĂŽnico e evitar conversas paralelas entre si. As aulas sĂŁo observadas atentamente por servidores do JudiciĂĄrio, que fiscalizam os manifestantes do 8 de janeiro. Segundo a professora, o clima Ă© bastante âpolicialesco e intimidadorâ. HĂĄ inĂșmeros relatos de colegas dela em outros Estados que sĂŁo obrigados a entregar o smartphone antes de entrar no local para acompanhar as sessĂ”es no tribunal.
As 12 horas do curso de quatro dias, que jĂĄ pareciam interminĂĄveis, somaram-se a outras medidas que prolongaram a agonia da professora. Para se livrar da tornozeleira eletrĂŽnica, teve de depositar R$ 5 mil em juĂzo â hĂĄ casos em que a multa chega a R$ 10 mil. A quantia foi obtida com a ajuda de parentes. Divorciada, a mulher que vive com dois filhos, sendo um menor de idade, sobrevive graças Ă ajuda de um irmĂŁo. Em virtude do estigma de ter sido presa, mesmo sem o cometimento de algum crime, ela tem dificuldade para encontrar emprego. Um dos entraves foi o cumprimento de 150 horas de um âserviço socialâ previsto no ANPP. Num primeiro momento, teve de limpar banheiros de uma escola pĂșblica, mas depois conseguiu fazer serviços menos braçais e passou a desempenhar funçÔes administrativas em uma creche. âTudo isso sem ter feito nada de errado, pois minha intenção era me manifestar pacificamente, mas acabei admitindo uma sĂ©rie de coisas que nĂŁo fiz nesse ANPPâ, observou a mulher, em alusĂŁo aos dois crimes de menor potencial que precisou assumir no inquĂ©rito do STF: associação criminosa e incitação ao crime.
Fonte: revistaoeste