Muitos analistas polĂticos conservadores estĂŁo em verdadeiro ĂȘxtase com a posse de Trump. Para eles, isso significa uma guinada mundial para as pautas conservadoras. Essa percepção ganha força se notarmos a impressionante e rĂĄpida troca de lado dos principais representantes do mundo tecnolĂłgico, de Mark Zuckerberg a Jeff Bezos, respectivamente os titĂŁs da Meta e Amazon. Os dois nĂŁo sĂł compareceram Ă posse do novo presidente norte-americano como aplaudiram de forma efusiva suas falas, obviamente, nĂŁo por convicção polĂtica, mas por interesse. Antes disso, jĂĄ haviam cortado na raiz as polĂticas woke em suas companhias, sinalizando que o progressismo identitĂĄrio jĂĄ cansou tanto as empresas quanto os seus usuĂĄrios, ou que o conservadorismo liberal soava agora mais lucrativo e estratĂ©gico â ou ambas as coisas.
SĂŁo novos ares, julgam os analistas Ă direita. Muitos colunistas e opinadores Ă esquerda, de certa maneira, concordam que hĂĄ uma mudança clara de paradigma. Mas o que fez tais ventos mudarem, afinal? A ascensĂŁo dos conservadores no mundo nĂŁo Ă© exatamente algo novo. Isso acontece com mais vigor, pelo menos, desde meados de 2013 com as vozes de Olavo de Carvalho â no Brasil â, Roger Scruton, Ben Shapiro, Jordan Peterson, alĂ©m de outros liberais como Friedrich Hayek, Ludwig von Mises e Murray Rothbard.Â
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Todas elas ressoaram com força atravĂ©s das redes sociais, ganhando inĂșmeros polĂticos, estudantes e homens comuns no mundo todo. Aos poucos, liberalismo e conservadorismo deixaram de ser palavrĂ”es ditos Ă s escondidas para se tornarem identidades polĂticas assumidas. Quase que do dia para a noite, começamos a escutar frases como âimposto Ă© rouboâ e âo marxismo busca destruir o seio familiar tradicionalâ, dois discursos que mesclaram liberais e conservadores numa sĂł pauta. Editoras foram criadas quase que exclusivamente para publicar livros de intelectuais que refletiam e defendiam o ponto de vista liberal e conservador, e documentĂĄrios, aulas e vĂdeos esparsos explicando ou analisando o cenĂĄrio polĂtico e histĂłrico a partir do ponto de vista liberal-conservador começaram a viralizar de uma forma que poucas vezes havia acontecido atĂ© entĂŁo.

A sensação clara, para um observador mais ou menos centrado e justo, Ă© que tais visĂ”es de mundo deram vazĂŁo a uma espĂ©cie de desabafo popular que era reprimido ou pouco verbalizado. Aos poucos, como eu mesmo pude comprovar, o simples operĂĄrio estava lendo Olavo de Carvalho e nĂŁo Marx ou Foucault; a dona de casa estava vendo vĂdeos da Ana Caroline Campagnolo, e nĂŁo refletindo sobre as falas de Marilena ChauĂ e Simone de Beauvoir, como pensavam os militantes mais afobados.
Todavia, ainda que eu seja um conservador confesso, nĂŁo sou iludido ao ponto de achar que tal movimento de tomada de consciĂȘncia conservadora-liberal seria o suficiente para mudar a polĂtica nacional de forma duradoura e, muito menos, uma geopolĂtica global extremamente tendente Ă nova esquerda recauchutada do pĂłs-UniĂŁo SoviĂ©tica. Uma mudança dessa natureza, de carĂĄter de mentalidade e ação comum, social, demandaria uma transformação profunda de carĂĄter cultural; e, ainda que eu consiga, sim, ver tais mudanças em curso, algo assim demora muito mais do que 15 ou 16 anos para se estabelecerem. O que explicaria, entĂŁo, um retorno de Trump e as marĂ©s prĂł-conservadorismo no mundo? A resposta me parece muito clara: os erros rematados do esquerdismo.
A esquerda clĂĄssica estabeleceu-se numa forte tecitura filosĂłfica, polĂtica e econĂŽmica. Ainda que eu julgue toda essa base como um formidĂĄvel trabalho de anĂĄlise social construĂdo sobre grandes erros analĂticos e morais, deve-se dar a Marx e seus predecessores os louros do âerro bem feitoâ. A crĂtica marxista, nĂŁo fosse pelas incontĂĄveis falhas de anĂĄlise e pelas soluçÔes propostas sem arrimo na realidade, seria uma contraposição real ao livre mercado e Ă moralidade ocidental clĂĄssica, tenho que reconhecer. ParecerĂĄ contraditĂłrio o que direi agora, mas o marxismo clĂĄssico tinha uma virtude e um defeito bem estabelecidos:
- : eles analisavam e criticavam eventos sociais realmente problemĂĄticos, como a realocação populacional do campo para as cidades sem uma estratĂ©gia social de acomodação, a misĂ©ria degradante gestada a partir desse ĂȘxodo sem mĂ©todo e a situação sub-humana dos operĂĄrios nas fĂĄbricas nascentes.
- : propunham soluçÔes filosĂłficas e polĂticas fundamentadas num futurismo irreal, apostando na utopia polĂtica e no rearranjo moral do homem como resolução final de um problema econĂŽmico e social.
A nova esquerda, por sua vez, abandonou a Ășnica virtude crĂtica que o marxismo tinha â a anĂĄlise factual de um problema REAL â e apostou todas as suas fichas em seu defeito estabelecido. A esquerda identitarista Ă© a metĂĄstase da engenharia utĂłpica do marxismo clĂĄssico, agora nĂŁo mais buscando construir uma polĂtica econĂŽmica para alĂ©m do capitalismo, mas antes reconstruir a prĂłpria identidade humana a partir de teorias descoladas da realidade. A esquerda abandonou o pobre para abraçar âproblemasâ e âdefeitosâ de identidade, em grande medida criados por eles prĂłprios a fim de justificar suas teses de torre de marfim.
O homem comum do sĂ©culo XXI, por fim, parou de ver na esquerda uma ideologia que buscava sanar seus problemas de carĂĄter pĂșblico. O socialismo, agora, se tornou uma ideia abstrata que cuidava de tribos especĂficas: os trans, os negros de esquerda, os indĂgenas, os gordos, etc. A fome e a indignidade da misĂ©ria humana nĂŁo parecem mais importantes na lista das prioridades dos polĂticos de esquerda. Agora, eles precisam batalhar para que crianças tenham o direito de decepar suas genitĂĄlias antes dos 12 anos ou para que o antigo âSergiĂŁo mecĂąnicoâ, agora um trans convicto, pudesse usar o banheiro feminino no shopping.

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A esquerda parou de falar com o povo, e esses mesmos homens comuns, que por vezes eram seduzidos por determinadas pautas e propostas de esquerda â e que votavam decididamente no Lula desde a dĂ©cada de 1990 â, mas que ainda mantinham em sua alma cristĂŁ uma Ă©tica conservadora arraigada, começaram a encontrar nos discursos conservadores e nos livros dos intelectuais Ă direita uma coerĂȘncia entre seus valores de vida e as açÔes polĂticas da direita. Aos poucos, milhĂ”es deles foram ajustando suas percepçÔes sociais e polĂticas, ao ponto de elegerem Bolsonaro em 2018.
Esse movimento, todavia, é global. O redneck do Texas e o negro da periferia de Nova York não entendem o que Judith Butler fala. E quando veem suas crias ameaçadas por uma ideologia sexual totalmente bizarra, eles naturalmente buscam um discurso mais alinhado à sua moral e à sua própria visão da realidade.
O movimento mundial rumo ao liberal-conservadorismo que assistimos hoje com Javier Milei, Giorgia Meloni e Donald Trump, por exemplo, acontece muito mais pela completa incompetĂȘncia e sandice progressista do neossocialismo do que puramente pelos mĂ©ritos do conservadorismo consciente. Mas atĂ© aĂ, sem problemas: devemos aproveitar o momento para criar essa contrarrevolução cultural e reafirmar os valores clĂĄssicos ocidentais, pois eles sĂŁo, de fato, os arrimos para uma sociedade livre e prĂłspera. Esta Ă© a hora de falarmos e estudarmos Roger Scruton e com mais profundidade, traduzirmos o conhecimento conservador de e Michael Oakeshott em discursos palatĂĄveis ao Dito e Ă Ana. Este Ă© o momento dos conservadores, seja por mĂ©rito ou pela burrice da oposição. Devemos levar os erros da esquerda como exemplos prĂĄticos do que nĂŁo fazer, como se afastar da realidade do homem comum, ou se apegar puramente a teorias idealizadas de redesenho do homem, ao invĂ©s de buscar uma genuĂna reforma social e polĂtica atravĂ©s das autocorreçÔes virtuosas. Agora Ă© hora de retomar espaço no Ocidente e mostrar que nossos valores nĂŁo sĂŁo miragens ou vitrais de capela, mas sim uma postura de vida praticĂĄvel, decidida e frutuosa.
Fonte: revistaoeste