📝RESUMO DA MATÉRIA
- O sono desempenha um papel fundamental na consolidação da memória por meio de mecanismos neurais que reproduzem e reforçam informações obtidas há pouco tempo, em um processo que integra novos conhecimentos às memórias já existentes.
- Pesquisadores da Northwestern University descobriram que padrões de respiração durante o sono coordenam as ondas cerebrais do hipocampo, marcando a primeira ligação direta entre ritmos respiratórios e atividades cerebrais relacionadas à memória.
- A pesquisa também demonstrou que, durante o sono de ondas lentas (SWS), os neurônios alternam entre períodos de maior atividade e repouso, sincronizando as redes neurais e fortalecendo as vias de memória; quando o sono é interrompido, esse equilíbrio é prejudicado.
- A apneia do sono afeta bastante a formação de memórias, e pessoas com esse problema têm 50% mais probabilidade de relatar dificuldades cognitivas em comparação às que não apresentam sintomas, de acordo com uma pesquisa de 2024.
- As opções de tratamento para apneia do sono focam em abordar as causas fundamentais por meio de aparelhos orais, terapia miofuncional e o Método de Respiração Buteyko, em vez de tratar apenas os sintomas.
🩺Por Dr. Mercola
A relação entre sono e memória é reconhecida há séculos. Um estudo recente1 da Northwestern University destaca a observação do estudioso romano Quintiliano, que disse: “uma única noite de descanso aumenta muito a força da memória”. Desde então, a neurociência moderna demonstrou que esse efeito acontece por causa da capacidade do cérebro de revisitar e consolidar memórias durante o sono.
Esse processo não só fortalece as informações adquiridas há pouco, como também as integra ao conhecimento prévio, tornando o sono um componente essencial para a aprendizagem e o desempenho cognitivo. Isso envolve mecanismos neurais precisos, como a reativação de circuitos cerebrais ligados à memória e a sincronização das ondas cerebrais, fatores que facilitam a codificação e o armazenamento duradouro das memórias.
O estudo da Northwestern University ampliou esse entendimento ao identificar uma conexão entre os ritmos respiratórios e a consolidação da memória durante o sono. É o primeiro estudo a associar de forma direta esses ritmos às atividades cerebrais voltadas à memória, o que traz implicações importantes para condições como a apneia do sono, em que a respiração desordenada atrapalha a capacidade do cérebro de consolidar memórias.
A respiração sincroniza as oscilações do sono no hipocampo
Publicado na Proceedings of the National Academy of Sciences, o estudo em destaque propõe que a respiração influencia de maneira direta a coordenação dos ritmos cerebrais relacionados ao sono. Os autores explicaram:
“Os ritmos cerebrais durante o sono coordenam a atividade em diferentes sistemas neurais, como parte dos processos de consolidação da memória. Essas oscilações coordenadas do sono ocorrem em rajadas ao longo do sono não-REM [movimento rápido dos olhos] e, até então, presumiu-se que surgissem de forma intrínseca em geral, sem ritmo ou estímulo externo algum”.
Os pesquisadores observaram que essas oscilações do sono seguem um ritmo lento a cada três a seis segundos, frequência que coincide com o padrão natural de respiração durante o sono. As descobertas indicam que a respiração gera um ritmo lento no hipocampo, região do cérebro responsável por codificar e consolidar memórias. Esse ritmo se sincroniza com as oscilações de sono do hipocampo, garantindo a coordenação precisa dos processos ligados à memória.
Além disso, os pesquisadores descobriram que a respiração facilita o aninhamento de “sharp wave ripples”, rajadas rápidas de alta frequência que ocorrem no hipocampo. Esse aninhamento é fundamental para a consolidação de memórias, pois permite que o hipocampo se comunique de forma eficiente com o córtex, fortalecendo e armazenando memórias.
Essas descobertas sugerem que a respiração não é apenas um processo fisiológico passivo durante o sono, mas contribui de forma ativa para a sincronização da atividade cerebral envolvida no processamento da memória, ressaltando a importância de um padrão respiratório estável para a saúde cognitiva.
“As pessoas que apresentam respiração comprometida durante o sono precisam procurar tratamento”, afirmou Andrew Sheriff, um dos autores do estudo. “Quando você não dorme bem, seu cérebro sofre, sua cognição fica prejudicada, você fica confuso. Também sabemos que a respiração desordenada durante o sono está associada a derrames, demência e distúrbios neurodegenerativos, como a doença de Alzheimer”.
Essas descobertas estão em sintonia com pesquisas anteriores publicadas no Journal of Neurophysiology, que mostraram que a sincronização induzida pela respiração ocorre tanto durante o sono quanto na vigília. Nos estados de vigília, isso melhora o foco, a atenção e a capacidade de resolver problemas. Já durante o sono de ondas lentas (SWS), otimiza a transferência de informações do hipocampo para o córtex.
A importância do sono profundo na formação da memória
O sono profundo, em especial o sono não-REM, tem papel fundamental na formação de memórias ao reforçar as conexões entre neurônios (consolidação sináptica). Um ponto central nesse processo envolve as oscilações entre períodos de maior atividade neural (estados UP) e repouso (estados DOWN).
Um estudo recente publicado na Nature Communications investigou o papel desses estados cerebrais na consolidação sináptica, processo que reforça as conexões entre os neurônios. Usando tecido cerebral de pacientes submetidos a neurocirurgia, os pesquisadores analisaram como esses estados oscilatórios afetam a comunicação neural no neocórtex.
Durante o SWS (sono de ondas lentas), os neurônios alternam entre estados UP de maior atividade e estados DOWN de repouso, que silenciam o sistema de maneira temporária. Esse ciclo cria oportunidades para os neurônios se reajustarem e se sincronizarem, melhorando o fluxo de informações. Os pesquisadores constataram que os estados UP aumentaram a força das conexões entre os neurônios ao ampliar os sinais elétricos no cérebro.
Esse efeito ficava ainda mais evidente quando os estados UP e DOWN aconteciam em sequência, gerando condições ideais para os neurônios se sincronizarem e trocarem informações. Se essa sincronização falhava, as conexões neurais enfraqueciam, evidenciando a importância de uma atividade bem sincronizada durante o sono.
As descobertas também mostraram que os estados UP e DOWN refinam a comunicação entre os neurônios ao estabilizar conexões fortes e enfraquecer as menos relevantes. Esse processo seletivo otimiza a capacidade do cérebro, preservando as informações essenciais e descartando as irrelevantes. O sono interrompido compromete esse equilíbrio, prejudicando a capacidade do seu cérebro de organizar e reter memórias.
Como a apneia do sono afeta a cognição e a saúde em geral
A apneia do sono é um distúrbio comum, caracterizado por interrupções repetidas na respiração durante o sono. Estudos mostram que ela atrapalha bastante a sincronização da atividade cerebral necessária para a consolidação da memória, afetando tanto a memória de curto quanto a de longo prazo.
Por exemplo, um estudo de abril de 2024 publicado na revista Neurology analisou dados de uma pesquisa nacional com adultos nos EUA e encontrou uma forte relação entre sintomas de apneia do sono e problemas de memória. Pessoas que apresentavam sinais de apneia do sono, como engasgo, ronco ou pausas na respiração durante o sono, tinham muito mais probabilidade de relatar lapsos de memória, confusão, dificuldade de concentração e problemas na tomada de decisões.
Mesmo após levarem em conta fatores que influenciam a memória e o pensamento, como idade, raça, gênero e escolaridade, os pesquisadores concluíram que indivíduos com sintomas de apneia do sono tinham 50% mais probabilidade de relatar problemas de memória ou pensamento em comparação aos que não apresentavam sintomas.
Em crianças, a apneia do sono também pode ter um grande impacto. Uma pesquisa publicada no Journal of Clinical Sleep Medicine descobriu que crianças com apneia obstrutiva do sono associada ao sono REM (AOS-REM) tinham mais dificuldade para consolidar memórias declarativas em comparação às crianças com apneia não-REM (AOS-NREM) ou sem problemas de sono. Esse estudo foi feito com crianças de 6 a 14 anos que passaram por exames de sono e testes de memória.
As crianças com AOS-REM tiveram resultados piores em tarefas de recuperação de memória do que as saudáveis e as que apresentavam outros tipos de distúrbios respiratórios do sono. A gravidade das interrupções na respiração durante o sono REM também se associou a um desempenho menor da memória de reconhecimento, reforçando a importância do sono REM ininterrupto para a formação de memórias. Isso sugere que os déficits de memória em casos de AOS-REM estão relacionados de forma direta a processos interrompidos no sono REM, e não apenas a despertares frequentes.
Além de prejudicar a cognição, as interrupções na respiração também fazem mal à saúde e elevam o risco de doenças crônicas da seguinte maneira:
- Reduzem a quantidade de oxigênio no sangue, prejudicando o funcionamento de órgãos internos e agravando outras condições de saúde existentes
- Retardam ou impedem a desintoxicação do tecido cerebral, já que o sistema de remoção de resíduos do cérebro, o sistema glinfático, só funciona durante o sono profundo
- Desregulam o ritmo circadiano, resultando em menor produção de melatonina e alteração de outros compostos do corpo
- Inibem a liberação do hormônio do crescimento, impedindo um desenvolvimento ideal
- Aumentam a atividade simpática, levando a enurese noturna, suor noturno, terrores noturnos, sono agitado e ansiedade
Trate o problema principal da apneia do sono para melhorar a saúde
Se você ou alguém da sua família tem apneia do sono, identificar e abordar a causa principal é essencial para obter alívio duradouro e uma saúde geral melhor. Comece consultando um profissional especializado em sono. Tente encontrar especialistas que visam corrigir a fonte dos problemas, pois muitos acabam focando em máquinas de CPAP para controlar os sintomas.
Embora as máquinas de CPAP ofereçam alívio de sintomas, elas não tratam a causa principal e costumam criar problemas como desconforto, necessidade de manutenção e risco de interromper o sono devido ao ruído e a campos eletromagnéticos. Além disso, o uso prolongado de CPAP não é ideal, sobretudo para crianças, pois pode alterar a estrutura facial ao longo do tempo.
Em alguns casos, amígdalas ou adenóides aumentadas contribuem para o problema, e a remoção delas pode ser recomendada. Contudo, se os padrões de respiração e os hábitos de mastigação e deglutição não forem corrigidos, problemas estruturais nas vias aéreas reaparecerão. Se a obesidade for um fator, a perda de peso alivia bastante a apneia do sono.
Nos casos em que o problema se relaciona à posição da língua ou da mandíbula, um dentista especializado em apneia do sono poderá desenvolver aparelhos orais personalizados para expandir o palato e projetar a mandíbula ou o rosto para a frente, solucionando o problema em sua fonte. Combinar esses dispositivos com terapia miofuncional, que fortalece os músculos envolvidos na respiração e na deglutição, aumenta a eficácia.
Para adultos, aparelhos orais como os dispositivos de reposicionamento mandibular projetam a mandíbula para a frente, enquanto outros mantêm a língua na posição correta sem alterar a mandíbula. Esses dispositivos fazem parte do padrão de cuidado para apneia do sono desde 1995 e costumam ser recomendados como tratamento de primeira linha em casos leves a moderados. Incluir a terapia miofuncional no plano de tratamento também diminui o risco de desconforto na mandíbula ou de problemas na articulação temporomandibular (ATM).
Para saber mais sobre a terapia com aparelhos orais, a American Academy of Dental Sleep Medicine é um recurso confiável para encontrar especialistas. Além disso, um terapeuta miofuncional oral oferece um apoio valioso para corrigir padrões de respiração e a função oral. Você pode encontrar terapeutas qualificados por meio da Academy of Orofacial Myofunctional Therapy.
Uma respiração nasal adequada é essencial para uma melhora duradoura. Explore técnicas como o Método de Respiração Buteyko para reeducar os hábitos de respiração e aprimorar a função das vias aéreas. Com uma abordagem abrangente, você poderá lidar com a apneia do sono de maneira efetiva, obtendo um sono melhor e mais saúde em geral.
Otimize sua respiração com o método Buteyko
O Método de Respiração Buteyko, batizado em homenagem ao médico russo que o desenvolveu, é uma abordagem bastante eficaz para reduzir a apneia do sono. Ao aprender a respirar sempre pelo nariz em vez da boca, você normaliza o volume de respiração, possibilitando a oxigenação ideal de tecidos e órgãos, incluindo o cérebro.
Sua dieta desempenha um papel significativo na formação dos seus padrões de respiração. Alimentos processados acidificam o sangue, fazendo com que seu corpo tenha que se sobrecompensar para manter níveis normais de pH. Isso leva a uma respiração mais intensa e crônica, pois o dióxido de carbono, um regulador importante do pH sanguíneo, é expelido rápido demais. Manter uma dieta rica em antioxidantes e praticar atividade física regularmente aumentam a capacidade do corpo de produzir e utilizar CO2 de forma mais eficiente.
Sinais de respiração excessiva incluem respirar pela boca, respiração superficial no peito, suspiros frequentes, respiração audível em repouso e grandes inspirações antes de falar. Reconhecer esses padrões é importante, pois respirar de forma inadequada durante o dia aumenta o risco de problemas de respiração relacionados ao sono. O Método de Respiração Buteyko oferece uma solução comprovada para restaurar hábitos respiratórios saudáveis e melhorar sua função respiratória geral.
Fonte: mercola