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Educação

Como Decreto de Lula afeta liberdade das famílias na educação especial

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O governo Lula acaba de aprovar uma medida que impõe obstáculos ao ensino de crianças e adolescentes com deficiência. Além de ignorar leis que são conquistas históricas, o decreto federal que institui a Política Nacional de Educação Especial e Inclusiva ameaça o direito das famílias de escolher o modelo educacional mais adequado aos filhos com deficiência, não segue evidências científicas e nem ouviu a opinião das próprias pessoas com deficiência — direito assegurado pela Lei Brasileira de Inclusão (LBI). 

“Essa é uma clara demonstração de sectarismo, de ideologia, de violência contra as entidades [que oferecem atendimentos especializados], as famílias e as pessoas com deficiência, ao arrepio do que fala toda a legislação”, declarou o senador Flávio Arns (PSB-PR) na tribuna do Senado Federal, ao comentar a política, implementada por meio do Decreto 12.686/2025, assinado pelo presidente Lula em 20 de outubro. Arns apresentou um Projeto de Decreto Legislativo (PDL 845/2025) para tentar sustar a norma.

De acordo com o governo federal, o documento foi criado pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC).

“Se os professores de educação especial que estão inseridos em sala de aula fossem ouvidos, o MEC não teria cometido um erro tão bárbaro como esse decreto”, diz Lucelmo Lacerda, doutor em Educação pela PUC-SP. “O MEC desde há muito vem se comportando com uma ideologia que se opõe aos dados científicos disponíveis e às melhores práticas presentes. Uma das formas de se afastar de ideologias nesse campo é observar a realidade que está dentro da sala de aula, por exemplo, convidando professores que estão em sala de aula para serem ouvidos”, completa.

Obrigatoriedade de matrícula em escolas comuns pode prejudicar alunos com deficiência

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) determina que alunos com deficiência recebam atendimento educacional especializado “preferencialmente na rede regular de ensino” (Art. 4, inciso III). O uso do termo “preferencialmente” é estratégico, pois garante a possibilidade de matrícula em escolas especializadas quando isso for mais benéfico ao estudante. O novo decreto de Lula, porém, suprime esse termo, o que implica a obrigatoriedade de matrícula em escolas regulares, independentemente das necessidades individuais.

“O problema mais grave deste decreto é o fechamento de escolas e salas especializadas que atendem um público com maiores comprometimentos e que se beneficia significativamente desses ambientes. A obrigatoriedade de estar em uma escola comum coloca-os em uma situação que lhes traz menos benefícios ou, como apontam muitas pesquisas, prejuízos”, alerta Lacerda.

“Temos uma variedade tão grande de pessoas com deficiência. Na deficiência intelectual, por exemplo, temos pessoas que vão para as Paralimpíadas — que maravilha, que bom! —, mas temos pessoas também com deficiência intelectual que precisam ser atendidas nas suas necessidades de comer, de engolir, de serem felizes, de participarem da vida da família”, afirmou Arns ao criticar a inclusão total prevista no decreto.

Para o advogado Thiago Lopes, que atua em causas relacionadas às pessoas com deficiência, não há dúvidas de que a legislação vigente assegura às famílias o direito de decidir e escolher qual formato de instituição de ensino atende melhor às demandas específicas de seus filhos. Ele lembra, ainda, que a Constituição Federal é clara ao estabelecer que a responsabilidade pela educação é compartilhada entre Estado e família.

“Esse decreto deve ser interpretado à luz de um ponto fundamental: o artigo 215 da Constituição Federal. Estado e família são duas colunas que sustentam a educação. Quando uma domina — neste caso, o Estado — a outra se enfraquece”, adverte.

Documento enfraquece instituições como APAEs e Pestalozzis

O decreto também enfraquece o apoio institucional e financeiro a instituições sem fins lucrativos, como APAEs e Pestalozzis, que oferecem serviços educativos e terapêuticos para pessoas com deficiência intelectual, múltipla, autismo, entre outras. Há instituições que ofertam o ensino regular para pessoas com deficiência, que não conseguem acompanhar as atividades em uma sala de aula regular, e outras que realizam o Atendimento Educacional Especializado (AEE), geralmente oferecido no contraturno escolar, com o objetivo de complementar ou suplementar o ensino recebido em escolas comuns.

O artigo 9º do decreto estabelece que o AEE deve ser realizado em instituições como APAEs e Pestalozzis apenas de forma excepcional. Além disso, essas entidades não são mencionadas diretamente no capítulo que trata dos repasses de recursos da União. 

“O texto não menciona de forma expressa que irá acabar com as APAEs, mas há um desincentivo ao não apoiar com recursos e ao pontuar o acesso a elas como algo excepcional”, destaca Michelly Siqueira, advogada e membro da Comissão Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB Nacional.

O deputado Diego Garcia (Republicanos-PR), que também apresentou um projeto para sustar a norma (o PDL 846/2025), afirmou, na justificativa do pedido, que o decreto atua contra os vulneráveis ao ameaçar as escolas especializadas. “A sociedade brasileira não pode aceitar que, sob o manto da ‘modernização educacional’, o Poder Executivo destrua, por decreto, a rede de escolas e centros especializados que garantem educação, afeto e desenvolvimento a milhares de crianças, adolescentes e adultos com deficiência”, escreveu.

Em um vídeo em resposta às críticas que o documento vem recebendo, Zara Figueiredo, que lidera a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi) do MEC, afirma que o documento “não extingue nenhuma entidade dessa natureza e também não é verdade que o governo não vai mais aportar recursos financeiros ou técnicos para essas instituições”. De acordo com ela, há outras leis, como Fundeb e PDDE, que garantiriam o aporte de verbas.

Precariedade na formação de profissionais da educação inclusiva

O decreto também está sendo criticado por não exigir formação adequada para professores que atendem as crianças e jovens com necessidades especiais. O documento determina apenas que o professor do AEE tenha formação docente, indicando como opcional uma formação específica com carga horária mínima de 80 horas. Já o profissional de apoio deve ter ensino médio e, obrigatoriamente, um curso específico também com carga mínima de 80 horas. 

“Muitos professores que decidem atuar nessa área se dedicam a pós-graduações de 360 horas, às vezes de até 600 horas, para se qualificarem. Agora o governo reduz essa exigência para um curso de 80 horas, sem qualquer regulamentação”, aponta Lacerda.

Siqueira alerta para o risco de surgimento de cursos a distância de baixa qualidade, criados apenas para preencher formalmente o requisito curricular da formação específica. “As pessoas com deficiência precisam de profissionais técnicos, para que se garanta a integridade do artigo 27 da LBI, que diz que a educação é um direito de toda pessoa com deficiência, visando ao máximo o desenvolvimento de seus talentos e habilidades”, acrescenta.

A secretária da Secadi, Zara Figueiredo, rebateu, nas redes sociais, que as 80 horas não são para a formação inicial e sim para a formação continuada. “Essas oitenta horas serão o piso, não o teto”, defendeu. Ela explica que municípios pequenos teriam dificuldade de oferecer, por iniciativa própria, cursos com mais horas, por exemplo.

O mesmo artigo 27 da LBI também assegura às pessoas com deficiência o direito ao aprendizado ao longo de toda a vida. O decreto, porém, restringe a formação educacional a cursos e formações acadêmicas realizadas após a graduação.

Lacerda explica que a aprendizagem ao longo da vida envolve a construção de projetos pessoais definidos pelos próprios indivíduos com deficiência. “Esses projetos são para, especialmente, pessoas com quadros mais complexos que queriam perseguir objetivos como ter um emprego, tocar um instrumento ou encontrar pessoas para conviver”, ilustra.

“Inclusão não significa estar em uma escola comum. Inclusão é um processo mais amplo que os indivíduos podem desenvolver o máximo de suas potencialidades”, conclui Lacerda.

Fonte: gazetadopovo

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