Economia

Como as empresas brasileiras estão contornando o aumento de tarifas dos EUA

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A imposição de tarifas pelos EUA às importações do Brasil, embora parcialmente abrandada por uma lista de exceções com quase 700 produtos, provocou um tremor imediato na economia nacional. Diante desse cenário desafiador, diferentes segmentos da economia brasileira estão adotando estratégias específicas para contornar as barreiras tarifárias.

O impacto real das tarifas dos EUA no Brasil

O resultado da aplicação das tarifas de 50% foi uma saída significativa de capital e uma mudança no sentimento dos investidores, forçando empresas a rever completamente suas estratégias para o mercado norte-americano – segundo maior destino das exportações brasileiras e principal mercado para a indústria de transformação.

Produtos estratégicos para os Estados Unidos, como petróleo, suco de laranja e aeronaves, foram incluídos na lista de exceções. Mesmo assim, a tarifa efetiva média sobre produtos brasileiros deve subir para 30,9%, ante 1,3% em 2024, de acordo com cálculos do BTG Pactual.

Considerando a economia brasileira como um todo, os efeitos diretos das tarifas dos EUA são limitados, mas não desprezíveis. A XP calcula uma redução de 0,15 ponto percentual no crescimento do PIB neste ano.

Outro estudo, do Núcleo de Estudos em Modelagem Econômica e Ambiental Aplicada da Universidade Federal de Minas Gerais (Nema/UFMG), sinaliza perda entre 0,1 e 0,26 ponto percentual do PIB, dependendo do efeito da efetivação das tarifas americanas sobre outros países e de uma eventual retaliação chinesa.

Distribuição regional dos efeitos entre os estados

A análise regional revela que as consequências não se distribuem uniformemente pelo território nacional. As tarifas atingem com mais força os estados do Sudeste e Sul, segundo estudo atualizado no início do mês pelo Nema. Os estados que enfrentam os maiores efeitos negativos são:

  • São Paulo: perda estimada em R$ 11,3 bilhões
  • Rio Grande do Sul: R$ 4 bilhões
  • Rio de Janeiro: R$ 3,2 bilhões
  • Minas Gerais: R$ 1,6 bilhão
  • Bahia: R$ 1,4 bilhão
  • Paraná: R$ 1 bilhão

Estratégias de adaptação: a resposta do setor privado às tarifas

O agronegócio emerge como um dos setores mais vulneráveis às barreiras tarifárias, com as exportações de carne bovina para os Estados Unidos sendo “praticamente inviabilizadas” devido à tarifa total de 74%, afetando empresas como JBS e Marfrig.

Agronegócio: frigoríficos e usinas redirecionam foco para outros mercados

A indústria da carne bovina é um dos segmentos que mais deverá ser afetado. A consequência direta é o redirecionamento de parte da produção para o mercado interno e para outros destinos, como China, outros países da Ásia e Oriente Médio, aponta a Blue3 Investimentos.

O cenário também gera excesso de oferta no Brasil, pressionando as margens de lucro no curto prazo e levando a uma queda pontual nos preços. No longo prazo, a inviabilidade de exportar pode levar a uma redução no abate de fêmeas, o que diminuiria a oferta futura de gado e impulsionaria os preços novamente.

Grandes players como JBS e Marfrig são altamente expostos, mas sua natureza global oferece resiliência. A JBS não prevê impacto material direto em sua operação consolidada, pois sua plataforma global permite o redirecionamento da produção para outros mercados. Para a Marfrig, as exportações do Brasil para os EUA representavam apenas 2% da receita das operações na América do Sul, e a diversificação geográfica para países como Uruguai, Argentina, Filipinas e Indonésia, além do fortalecimento de suas operações nos EUA, ajuda a mitigar os efeitos.

A Minerva Foods, que tinha cerca de 15% de sua receita bruta de exportações para os EUA, também se beneficia de sua presença internacional. A empresa pode redirecionar volumes de suas operações no Brasil para suas plantas na Argentina, Uruguai e Paraguai, que já são aprovadas para o mercado americano, minimizando o impacto em sua performance consolidada.

No segmento sucroalcooleiro, a Jalles Machado, que tem o açúcar orgânico como um dos principais produtos de exportação para os EUA, avalia que o impacto direto é a “redução da competitividade do açúcar orgânico no mercado norte-americano”, levando ao redirecionamento de parte do volume para o mercado interno na forma de açúcar cristal, produto de menor valor agregado.

A empresa estima impacto no fluxo de caixa de R$ 20 a 25 milhões. Contudo, adota postura cautelosa e não pretende realizar mudanças drásticas de estratégia no curto prazo, dada a imprevisibilidade do cenário e a dependência dos EUA pelo açúcar orgânico brasileiro – o Brasil é o maior produtor global.

A São Martinho também prevê o redirecionamento da produção de açúcar para outros mercados, enquanto o foco no mercado interno de etanol oferece uma “válvula de escape”. A Cosan afirma que as tarifas não geram “impactos materiais” em suas operações, dada a baixa dependência das exportações para os EUA.

Papel e celulose: negociação direta e diversificação de mercados para contornar tarifas dos EUA ao Brasil

O setor apresenta panorama diversificado. As exportações de celulose da Suzano para os EUA foram isentas da tarifa adicional de 50%, mas alguns produtos de papel foram incluídos. Para mitigar isso, a Suzano tem formado estoques nos EUA e planeja redirecionar grande parte de suas exportações de papel a outras regiões, reduzindo sua exposição ao mercado americano, que hoje representa cerca de 20% das exportações.

A empresa também conseguiu negociar com clientes americanos para que estes arcassem com a tarifa de 10% sobre a celulose. A Klabin, com seu modelo de negócios diversificado e forte presença na América Latina, está mais resiliente a choques externos.

Indústria aeroespacial: o caso de resiliência da Embraer

A Embraer foi beneficiada pela decisão do governo americano de incluir aeronaves, suas partes e peças, bem como motores elétricos para o setor de aviação na lista de exceções à alíquota adicional de 40%. Segundo a Blue3 Investimentos, a exceção foi vista como movimento estratégico dos EUA para proteger suas cadeias de suprimentos e estabilizar preços internos.

A estimativa da terceira maior fabricante mundial de aviões comerciais é que o custo adicional nas aeronaves seja inferior a 10%, dado o alto percentual de componentes de origem norte-americana. Parte desse custo pode ser repassada aos compradores. O impacto total projetado para a Embraer em 2025 é de cerca de US$ 65 milhões, já com medidas de mitigação incluídas nas projeções financeiras.

A empresa tem atuado junto aos governos brasileiro e norte-americano para retornar à política de tarifa zero para a indústria aeroespacial, que vigorou por mais de 45 anos. A Embraer enfatiza sua relevância para a economia americana, citando a criação de 13 mil empregos e projeções de superávit comercial de US$ 8 bilhões em favor dos EUA até 2030.

Outros setores também se adaptam às tarifas dos EUA para produtos do Brasil

A metalúrgica Tupy, cujas exportações do Brasil para os EUA representam cerca de 14% de suas receitas e estão sujeitas à tarifa de 50%, planeja transferir produção para o México, aproveitando que produtos que cumprem os requisitos do USMCA (acordo comercial entre EUA, México e Canadá) são isentos de tarifas.

A WEG, especializada em equipamentos eletroeletrônicos industriais, está se valendo de sua “presença industrial global” para realocar rotas de exportação. “Podemos usar o Brasil para atender a demanda local no México e Índia, e usar a produção desses países para atender o mercado americano”, explicou executivo da empresa.

A siderúrgica Gerdau, embora não diretamente impactada por suas operações locais nos EUA, reconhece que seus clientes brasileiros, que transformam aço em máquinas e equipamentos para exportação aos EUA, serão afetados. Diante desse cenário e da “competição predatória” de importados no Brasil, a Gerdau decidiu reduzir investimentos no país e já demitiu cerca de 1,5 mil pessoas.

Fonte: gazetadopovo

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