Saúde

Clima da Amazônia pode ficar hipertropical até 2100, ameaçando árvores: estudo alerta

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  • À medida que as temperaturas globais sobem, a Amazônia caminha em direção a um novo regime climático, com secas quentes e prolongadas que põem em xeque a sobrevivência de suas árvores. Especialistas nacionais e internacionais alertam que, se nada for feito para frear as mudanças climáticas, o clima da floresta amazônica pode evoluir para um regime “hipertropical” até o final do século.

    Os “hipertrópicos” são biomas mais quentes que 99% dos climas tropicais históricos, caracterizados por suas secas intensas. Não são coisa de agora: climas semelhantes foram registrados nos trópicos pela última vez entre 10 e 40 milhões de anos atrás, quando as temperaturas globais eram muito mais altas.

    A estimativa é que, até 2100, os períodos de seca da Amazônia – que vão de agosto até outubro – possam se estender por até 150 dias anualmente. Essas secas cada vez mais quentes poderiam contribuir para um aumento de 55% na mortalidade das árvores.

    As projeções foram publicadas na última quarta-feira (10) na revista Nature. O estudo é fruto de uma colaboração de uma década entre o Laboratório Nacional Lawrence Berkeley, na Califórnia, e o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), em Manaus – que monitora a biomassa da floresta há mais de 30 anos.

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    Para entender por que as árvores morriam durante as secas intensas, os pesquisadores monitoraram o movimento das águas, de minuto em minuto, dentro de 87 árvores. Isso no decorrer das duas últimas grandes secas, em 2015 e 2023. Mediram também a umidade do solo e a temperatura no interior da copa das árvores.

    “Para nós interessa o quê? Interessa essa capacidade de troca da floresta com a atmosfera”, diz Niro Higuchi, cientista do INPA envolvido no estudo. Os pesquisadores constataram que, durante períodos de secas intensas, a fotossíntese é prejudicada – a produtividade da floresta cai e a transpiração das árvores aumenta.

    Para realizarem a fotossíntese, as árvores também obedecem um certo limiar de temperatura. Se o ambiente estiver quente demais, os estômatos – que são os buraquinhos pelos quais a planta sequestra o carbono da atmosfera para produzir energia – se fecham para evitar a perda de vapor d’água. “Pelo mesmo buraco que entra alimento, sai a água”, resume Higuchi.

    Porém, os cientistas também observaram que, quando a umidade do solo cai para menos de um terço, as árvores – que não se fecharam – também podem morrer por outro caminho, desenvolvendo embolismos (bolhas de ar) na seiva.

    Climas hipertropicais fragilizam as árvores, principalmente as mais altas, de crescimento rápido e com pouca densidade de madeira. Porém, quem dá o golpe final são as tempestades.

    Mesmo em períodos áridos, temporais acontecem, derrubando porções significativas da floresta de uma só vez. “Quando essa [árvore] mais frágil, principalmente as grandes, caem, ela não escolhe quem ela vai matar por baixo. Aqui nós temos um estudo que diz o seguinte: cada árvore que cai mata pelo menos outras 15 menores – e aí ela não escolhe. Ela pode pegar uma totalmente sadia e vai matar igual, pelo peso dela”, explica Higuchi.

    El niño, La niña

    Os anos de seca severa condizem com um evento climático cíclico chamado El Niño. Ele ocorre quando as temperaturas das águas do Pacífico se elevam, afetando a circulação de ar e água no oceano. Essa alteração causa secas em regiões como a Amazônia, enquanto provoca chuvas fortes em partes mais ao sul do Brasil.

    O El Niño foi batizado de “o menino”, em espanhol, justamente por ocorrer em ciclos próximos ao natal (uma referência ao menino Jesus). Em ciclos irregulares de dois a sete anos, ele reveza com o La Niña, outro evento climático que ocorre quando as águas se esfriam e invertem os regimes de seca e chuva.

    Em tempos recentes, porém, as mudanças climáticas causadas pelo ser humano têm distorcido essa sazonalidade – e estendido o El Niño para períodos ainda mais longos e intensos. Foi o caso nos anos de 1997–98, 2015–16 e, mais recentemente, entre 2023 e 2024.

    “Só que, no El Niño em 2023-24, nós estávamos equipados, nós tínhamos sensores, nós tínhamos vários equipamentos para monitorar o efeito desse El Niño que aconteceu durante um ano inteiro, de julho de 2023 até julho de 2024” conta Niro Higuchi. “Foi, na realidade, a primeira vez que se acompanhou praticamente o dia a dia do El Niño e o efeito disso sobre a floresta”.

    No monitoramento desses anos, os pesquisadores identificaram um limite para as altas temperaturas e a falta de chuva que supõem ser o “limiar da floresta”. Caso ultrapassado, Higuchi opina, seria um cenário desastroso para a floresta.

    A tendência é que, caso a humanidade continue emitindo os mesmos níveis de gases do efeito estufa, os períodos de seca severa desses eventos se tornem cada vez mais recorrentes, longos e intensos. A alternância entre as secas do El Niño e os temporais do La Niña também resultaria em um estrago muito maior nas florestas.

    Prevendo o clima do mundo

    A parceria entre o Laboratório Nacional Lawrence Berkeley e o INPA foi feita com um objetivo principal na cabeça: resolver o problema das previsões climáticas do planeta.

    Quem vive no Brasil sabe que a previsão do tempo daqui tem sua boa parcela de limitações. Países da Europa e da Ásia possuem equipamentos meteorológicos muito menos defasados e bem melhor calibrados, e, por isso, conseguem antever quase perfeitamente os movimentos do clima. Porém, o jeito de fazer isso em escala global continua sendo um mistério.

    Os cientistas de ambas as instituições propuseram, então, uma hipótese: o “gargalo” do clima mundial estaria nas florestas tropicais, os biomas mais quentes e úmidos do planeta. A complexidade, diversidade e fragilidade dessas regiões seriam o caminho para fazer uma previsão climática global.

    “Quando você olha todas as florestas tropicais, a atenção se volta para a Amazônia, que é talvez a floresta mais bem preservada do planeta Terra, entre as florestas tropicais. Quando você faz um zoom em cima da floresta Amazônia, a gente se dá conta também que a nossa área aqui, em Manaus, é a que tem os estudos mais longos e mais contínuos”, afirma Higuchi.

    A ideia, agora, é estender o monitoramento do INPA para Rondônia, Pará e Amapá. As mudanças climáticas descritas no estudo, porém, não são restritas apenas à Amazônia. Os pesquisadores apontam que transições para climas hipertropicais também podem ser observadas em florestas tropicais da África e do Sudeste Asiático.

    Fonte: abril

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