Quarenta preservativos, torres de argila e cigarras. A combinação pode soar improvável, mas essa foi a base de um experimento conduzido por jovens cientistas para responder a uma questão ainda em aberto na ecologia: para que servem as estruturas cilíndricas erguidas pelas ninfas de cigarras no solo da floresta?
A pesquisa foi realizada em julho de 2025, durante a etapa de campo do Programa de Formação em Ecologia Quantitativa, iniciativa do Instituto Serrapilheira que reúne estudantes de diferentes áreas para investigar biomas brasileiros.
Quatro pesquisadoras lideraram o estudo: Marina Méga, doutoranda em ecologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Maria Luiza Busato e Izadora Nardi, mestrandas na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); e Sara Feitosa, da Universidade Federal do Ceará (UFC).
A orientação ficou a cargo dos professores Pedro Pequeno, da rede INCT-SinBiAm, e Rodrigo Fadini, da Universidade Federal do Oeste do Pará.
As chamadas torres de cigarras, feitas de argila misturada às fezes do animal, já eram conhecidas, mas sua função permanecia pouco clara. Pesquisadores sabiam apenas que surgiam um ano antes da metamorfose, quando as ninfas ganham asas, deixam o solo e se transformam em adultas.
“Desde a primeira vez que andamos pela floresta, no início da etapa da Amazônia, essas estruturas chamaram a atenção de toda a turma. Elas apareciam em manchas, concentradas em partes específicas da floresta, e tinham diferentes tamanhos. Nunca tínhamos visto nada parecido e ficamos impressionados quando os professores nos contaram que eram construídas pelas cigarras”, lembra Maria Luiza à Super.
“Quando um colega derrubou sem querer uma delas, ficamos ainda mais intrigados: por dentro, eram lisas, bem esculpidas e firmes. Aquilo nos encheu de perguntas. Como nem os professores nem a literatura traziam respostas claras, percebemos que ali havia um modelo perfeito para investigar”, acrescenta Marina.

O grupo levantou a hipótese de que as torres poderiam auxiliar na regulação fisiológica das ninfas, facilitando as trocas gasosas entre o interior e o exterior. Para testar essa possibilidade, era preciso encontrar uma forma de vedar as estruturas.
A solução surgiu em tom de brincadeira. “Olhamos para as torres, observamos seu formato sugestivo… Até que alguém pensou em usar preservativos”, conta Marina.
“Como um bom grupo de amigos isolados na floresta, a ideia virou o material perfeito para o humor. Tanto os professores quanto os colegas comentaram bastante, e não faltaram piadas,” diz Maria Luiza.
Ao todo, foram utilizados 40 preservativos, fornecidos com apoio dos coordenadores do curso.
Com as torres vedadas, foi possível simular a redução da circulação de ar e observar como as ninfas reagiam ao acúmulo de CO2 e à menor disponibilidade de oxigênio. O resultado confirmou a hipótese: as estruturas estão, de fato, relacionadas à regulação de gases.
O experimento também confirmou que, para as cigarras, tamanho é documento. As construções menores, após 18 horas de vedação, tiveram o crescimento interrompido, enquanto as maiores cresceram mais rápido.
“Acreditamos que a vedação tenha funcionado como uma pista ambiental para que as ninfas acelerassem a construção das torres em busca de melhores trocas gasosas. Nas menores, o fechamento atingiu o limite crítico mais rápido, inibindo o crescimento”, explica Marina.
O grupo ainda registrou a maior torre de cigarra já documentada no mundo, com 47 centímetros – sete a mais que o recorde anterior.
O uso dos preservativos não foi o único improviso. Para testar se as estruturas oferecem proteção contra predadores, as estudantes criaram “iscas” de água, farinha e sardinha, simulando ninfas vulneráveis. O teste indicou que as torres realmente reduzem o risco de ataque, já que a predação foi menor sobre elas do que no solo exposto.
Esse espírito criativo, segundo Marina, foi decisivo. “Sem criatividade, não teríamos avançado. O apoio dos professores também foi fundamental: eles confiaram no processo e nos deram liberdade para experimentar, o que valorizamos demais.”
Fonte: abril