Saúde

Cientistas premiadas com bolsas de R$50 mil no prêmio Para Mulheres na Ciência: Conheça as oito vencedoras

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  • Vanessa Nascimento nasceu em Casca, uma cidade no interior do Rio Grande do Sul de, na época, 7 mil habitantes. Foi “criada para casar”. O pai estudou até a 5ª série, a mãe não concluiu o ensino médio, e a expectativa era que a filha terminasse os estudos, arrumasse emprego no comércio ou, com sorte, no banco – “o sonho da família”.

    Como gostava de estudar e era “bem CDF”, precisou provar que valia a pena ir além. Quando passou na primeira tentativa em uma federal, ouviu do pai que, se conseguisse a vaga, poderia ir; se não, “acabou essa história”.

    Na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), onde estudou Química Industrial, percebeu que a cobrança mudava de forma. Ouviu de colegas e professores que teria de escolher entre a carreira e a maternidade. “Eu escutava muito isso. E não achava estranho, porque ninguém discutia esse assunto”, disse à Super. Depois veio o concurso, depois os filhos – gêmeos. 

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    E junto os juízos automáticos: agora a carreira teria acabado. “A gente tem que estar sempre provando. Muito mais. Não basta ter os mesmos números; temos que mostrar que fomos nós que alcançamos. A todo momento somos questionadas.”

    Para ela, parte da dificuldade está na falta de referências visíveis. “É muito difícil sonhar com algo que a gente não vê.” 

    Na sua área, não via mulheres: não estavam nos livros, não eram chamadas para palestrar e nem ocupavam posições de destaque. Por isso insiste que cientistas ocupem espaços públicos e institucionais, para que outras possam enxergar um caminho possível. “Se a gente não ocupa, eles não têm como criar regras que nos incluam. Eles não estão na nossa pele.”

    Vanessa foi uma das oito laureadas na 20ª edição do prêmio Para Mulheres da Ciência. A iniciativa é do Grupo L’Oréal no Brasil em parceria com a Academia Brasileira de Ciências e a Unesco. Cada uma recebeu uma bolsa de R$ 50 mil para impulsionar seus projetos.

    Segundo dados do relatório “Em direção à equidade de gênero na pesquisa no Brasil“, da Elsevier-Bori, entre 2002 e 2022 a participação feminina nas publicações científicas do país passou de 38% para 49%.

    No entanto, a distribuição por área continua irregular. A presença feminina permanece minoritária em disciplinas como Matemática (em que elas são 19%), Computação (21%), Engenharia (24%), Ciências da Decisão (27%), Energia (27%) e Física e Astronomia (27%). A graduação segue o mesmo padrão: só 27% das mulheres que entram em cursos de ciências chegam à conclusão.

    Nesse contexto, a cerimônia, que aconteceu na última quinta-feira (4) no Palácio da Cidade, no Rio de Janeiro, busca tornar visíveis cientistas que lideram investigações em temas de saúde pública, meio ambiente, energia, biodiversidade, química de ponta e vigilância sanitária. 

    Desde 2006, mais de 140 pesquisadoras já foram contempladas, somando um investimento superior a R$ 7 milhões. O alcance do programa também cresceu internacionalmente, ao integrar uma rede que apoia mais de 350 jovens cientistas todos os anos em 110 países.

    Conheça as laureadas

    Vanessa, que é pesquisadora da UFF (Universidade Federal Fluminense), em Niterói, foi vencedora da categoria de Ciências Químicas. Seu projeto propõe a síntese de uma molécula única que combina o antifúngico itraconazol, a naftoquinona e o elemento selênio para tratar a esporotricose, uma micose que se expandiu rapidamente no país. 

    A doença, que também é uma zoonose, se disseminou com o aumento de gatos abandonados e situações sem cuidado adequado. Muitos animais acabam infectados e transmitem o fungo para humanos – o crescimento entre jovens de até 15 anos chegou a 750%

    Com o Rio de Janeiro como principal foco da doença e diante de limitações das terapias atuais, ela busca uma formulação mais eficaz, de baixo custo e ambientalmente sustentável. O tratamento padrão, baseado no itraconazol, pode durar seis meses. Em contextos de abandono animal ou de famílias em condições mais precárias, a adesão é difícil; a infecção retorna, muitas vezes mais resistente, e os fármacos comerciais não dão conta.

    Na área de Ciências Matemáticas, a premiada foi Renata Rojas Guerra, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Sua atuação se dedica ao desenvolvimento de métodos estatísticos capazes de analisar dados que variam dentro de limites fixos e se transformam ao longo do tempo, como proporções e indicadores sociais. 

    Ela trabalha justamente com variáveis que possuem um valor mínimo e um máximo definidos, o que exige modelos específicos para cada problema. Essa abordagem é ampla e envolve áreas diversas: Renata emprega imagens de satélite para monitorar efeitos de queimadas e desmatamento na Amazônia e no Cerrado e, ao mesmo tempo, analisa indicadores educacionais para entender fatores associados à evasão e mapear desigualdades regionais. 

    Em Ciências Físicas, o destaque foi para Thaís Azevedo, professora da Universidade de São Paulo (USP). Seu foco está na estrutura das membranas celulares, que possuem composições distintas entre suas camadas interna e externa. 

    Ela investiga como essa assimetria influencia o comportamento das células e como alterações na distribuição do colesterol podem estar relacionadas a doenças, incluindo aquelas provocadas por vírus e outros parasitas. O avanço dessas análises pode abrir caminhos para métodos de diagnóstico mais precisos e orientar o desenvolvimento de medicamentos.

    A nova categoria incorporada ao prêmio, Ciências da Engenharia e Tecnologia, reconheceu o trabalho de Paula Maçaira, professora da PUC-Rio. Sua pesquisa se concentra no desenvolvimento de soluções para o descomissionamento de plataformas de petróleo, etapa em que estruturas já sem viabilidade de operação precisam ser desativadas com o menor impacto possível.

    Ela propõe reaproveitar plataformas desativadas em novas funções – de geração eólica ou solar a bases para cultivo de microalgas – em vez de simplesmente trazê-las à costa para descarte. O projeto busca apoiar tomadores de decisão, de governos a empresas, indicando quando vale transformar uma plataforma e quando, por segurança, é melhor desativá-la.

    Fotografia das cientistas laureadas na 20ª edição do prêmio Para Mulheres da Ciência.
    Cientistas laureadas na 20ª edição do prêmio Para Mulheres da Ciência. (Luis Cardoso/Divulgação)

    A edição de 2025 destacou quatro pesquisadoras na área de Ciências da Vida. Uma delas é Jaqueline Sachett, professora da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), que investiga os efeitos das picadas de jararaca entre populações indígenas, quilombolas e ribeirinhas. 

    Sua pesquisa combina o uso de fotobiomodulação, técnica de luz de baixa intensidade aplicada como apoio ao soro antiofídico, com o mapeamento de incapacidades físicas e neurossensoriais que podem se manifestar após o envenenamento. O objetivo é reduzir sequelas e acelerar a recuperação em regiões onde acidentes com serpentes são frequentes e refletem desigualdades históricas de acesso à saúde.

    Também na categoria Ciências da Vida, Juliana Hipólito, do Instituto Nacional da Mata Atlântica, foca em um dos processos ecológicos mais relevantes para a manutenção da biodiversidade e para a produção de alimentos: a polinização. 

    Para avançar nesse entendimento, ela utiliza DNA ambiental coletado na bacia do Rio Doce para rastrear interações entre plantas e animais mesmo quando elas não são diretamente observáveis. O estudo compara áreas com diferentes níveis de degradação e de restauração para construir mapas detalhados das redes de polinizadores, oferecendo ferramentas úteis para ações de conservação e recuperação de ecossistemas.

    Outra pesquisadora premiada na mesma área é Luana Rossato, da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Seu projeto busca entender como incêndios florestais e o uso intensivo de agrotóxicos no Pantanal alteram a presença e o comportamento de fungos ambientais capazes de infectar humanos. 

    A análise envolve amostras de solo, água e vegetação para identificar genes associados à resistência a medicamentos e à virulência. O trabalho pretende apoiar estratégias de vigilância sanitária, com foco em populações rurais e indígenas expostas a condições de maior vulnerabilidade.

    A quarta premiada na categoria é Sonaira Silva, professora da Universidade Federal do Acre (UFAC), que pesquisa formas de aprimorar o monitoramento das queimadas na Amazônia. 

    Em um cenário no qual o fogo se torna cada vez mais perigoso com o avanço do desmatamento mas ainda é usado para manejo agrícola, ela cruza dados de sensoriamento remoto, poluição atmosférica e inventários florestais para identificar diferenças entre queimadas agrícolas e incêndios florestais. O estudo busca oferecer parâmetros para compreender impactos no clima, na estrutura da floresta e no uso da terra.

    Cientistas e mães

    A maternidade aparece como um dos pontos mais sensíveis na trajetória de parte das laureadas, pesando de forma significativa na carreira científica. 

    Em resposta a isso, o prêmio adotou uma nova regra: pesquisadoras com filhos agora têm direito a um ano adicional para se candidatarem. Segundo Cristina Garcia, diretora de Pesquisa Avançada e Comunicação Científica do Grupo L’Oréal para a América Latina, a medida busca corrigir distorções geradas pelo modelo de avaliação vigente. 

    Ela explica que critérios centrados exclusivamente em números de artigos, publicações e apresentações acabam penalizando quem atravessa um período natural de redução do ritmo. “Se a mulher produz menos e o critério usado é só esse, ela será preterida”, afirma Garcia à Super.

    Para Paula, a licença-maternidade foi o período que considera o mais desafiador de sua trajetória. “Você não consegue parar totalmente. É um trabalho que exige de você”, diz à Super. Embora afastada das aulas, continuava revisando artigos e orientando alunos. “É impossível parar. Você está focada em uma coisa e não consegue se desvincular da outra.” 

    A volta ao laboratório também trouxe pressão adicional. “Existe a sensação e o fato de estar atrasada. Quando você volta, ficaram seis meses em que os outros avançaram.” Como resume Luana, que também é mãe, “equilibrar todos esses pratinhos é muito difícil”.

    Fonte: abril

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