Existem 13 espécies de pássaros famosos, conhecidos como “tentilhões de ”, nas Ilhas Galápagos, no Equador. São pequenas aves, com tamanhos e cores bem parecidos.
As diferenças principais entre as espécies são a dieta, o habitat e o formato de seus bicos. É que cada uma se adaptou a um tipo específico de alimentação. Os tentilhões do gênero Geospiza, por exemplo, têm bico largo, perfeito para se alimentar de sementes e artrópodes crocantes. A espécie Certhidea olivacea, por outro lado, exibe um bico fino e pontudo, ideal para alcançar insetos que se escondem entre as folhas.
Já o Camarhynchus pallidus é um tentilhão “pica-pau”. Ele usa o bico para cutucar a casca das árvores e, assim, coletar insetos e larvas – às vezes, até usa um espinho como ferramenta para facilitar a tarefa. Não faltam exemplos entre os tentilhões; você pode conferir outros neste infográfico. Mas, afinal, como explicar essas diferenças?
Os tentilhões surgiram de um ancestral comum. Ao longo de várias gerações, cada descendente se diferenciava um pouco de seus pais – e quem nascia com características vantajosas para o ambiente em que estava inserido tinha mais chances de sobreviver – e passar tais características para frente. Na ilha em que as refeições eram sementes, deu sorte quem tinha o bico ideal para pegá-las e comê-las, por exemplo. E assim por diante.
Dada a diversidade de bicos, os tentilhões se tornaram um exemplo clássico da rápida evolução de um grupo (animal ou vegetal) em espécies com grande diversidade ecológica e morfológica – um fenômeno que os biólogos chamam de radiação adaptativa. E eles passaram a ser associados, mais do que qualquer outra espécie do mundo, ao naturalista britânico Charles Darwin, o pai da . Ganharam, assim, o apelido de “tentilhões de Darwin”.
Só tem um problema: essa história é balela.
A verdade é que Darwin não descobriu a evolução, num momento eureka, quando viu os bicos dos tentilhões nas Ilhas Galápagos, durante a bordo do navio HMS Beagle. Ele sequer disse que descobriu a coisa toda em Galápagos, como você certamente costuma ouvir por aí.
Esse é um dos “mitos sobre Charles Darwin” listados em um artigo escrito pelo professor de biologia Kevin Padian, da Universidade da Califórnia, Berkeley (Estados Unidos). “Darwin não reconheceu os tentilhões como tentilhões”, escreveu Padian. “Excepcionalmente, ele não manteve um registro cuidadoso das ilhas de onde vieram os vários pássaros; isso teve que ser reconstruído a partir dos registros de outros membros do navio, como o capitão e Syms Covington (um faz-tudo da tripulação que, mais tarde, virou assistente de Darwin).”
Sobre Galápagos, Padian afirma: “[Estas ilhas] deram-lhe o que pensar sobre biogeografia, porque ele reconheceu que os animais tinham que vir de outro lugar (neste caso, o oeste da América do Sul), mas só mais tarde ele vinculou isso a ideias evolutivas sobre adaptação e especiação isoladamente.”
De fato, o naturalista britânico começa (1859), indicando a América do Sul como sua inspiração – e não especificamente Galápagos ou o Equador. “As relações geológicas que existem entre a fauna atual e a fauna extinta da América meridional, assim como certos fatos relativos à distribuição dos seres organizados que povoam este continente, impressionaram-me profundamente quando da minha viagem a bordo do navio Beagle, na qualidade de naturalista”, escreveu Darwin.
Nas 500 páginas do livro, ele menciona os tentilhões três vezes – e brevemente, falando sobre aves no geral. Os pássaros ganham o mesmo espaço (secundário) no Journal of Researches (1845), o primeiro livro publicado pelo britânico, sobre sua expedição.
John van Wyhe, um historiador da ciência britânico, estuda a lenda dos tentilhões e de Galápagos há décadas. Ele afirma que Darwin esteve associado às ilhas desde o início da década de 1840, mas que seria um erro presumir que, quando A Origem apareceu, as pessoas acreditavam que Galápagos era o local da descoberta de Darwin.
Quando o naturalista morreu, por exemplo, Alfred Russel Wallace () recontou a vida e obra de Darwin em uma revista, afirmando que a viagem a bordo do Beagle foi sim o pré-requisito essencial para a teoria. Mas mencionou Galápagos como uma das várias influências importantes.
As ilhas e os tentilhões não eram vistos como elementos centrais da teoria de Darwin até as décadas de 1970 e 1980, segundo van Wyhe. Eles cresceram em importância, de maneira independente, até que a história “Darwin descobriu a evolução observando os bicos dos tentilhões em Galápagos” se consolidasse.
Veja só: em 1935, rolou o centenário da chegada de Darwin às ilhas – na época, o lugar mais famoso que ele havia visitado durante sua expedição. Então, ergueu-se um monumento ao naturalista por lá; o governo equatoriano (Galápagos pertence ao Equador) aprovou leis para proteger a vida selvagem; e aconteceram uma série de comemorações. “[Isso] levou diferentes pessoas em diferentes contextos a modificar independentemente a maneira como contaram a história de Darwin”, afirma o historiador britânico.
No mesmo ano, Percy Lowe, curador de pássaros do Museu de História Natural, apresentou um trabalho em um encontro de pesquisadores cujo tema era (adivinhe) Darwin nas Galápagos. Ele estudava os tentilhões das ilhas e, na ocasião, cunhou a expressão “tentilhões de Darwin”. Mais tarde, em 1947, o biólogo evolutivo David Lack lançou um livro com este título, depois de fazer sua própria expedição à ilha – o que ajudou a tornar os pássaros ainda mais populares.
E estes são só alguns exemplos. O historiador traçou centenas de elementos que, possivelmente, contribuíram para a formação da lenda de Galápagos e dos tentilhões – assim como fizeram outros pesquisadores. Ele defende que a história não surgiu do erro de alguém ou como produto de um projeto de um grupo específico.
“As lendas que se desenvolveram foram o resultado de incontáveis interpretações idiossincráticas de indivíduos sobre o que ouviram e leram [sobre as viagens do naturalista], além de seus motivos políticos ou pessoais para contar a história de Darwin de uma certa maneira em determinados momentos.” Um grande telefone sem fio ao longo do século.
A origem das espécies
Fonte: abril