Pesquisadores do Laboratório Nacional de Los Alamos e de outras instituições de pesquisa identificaram raios gama de energia altíssima, uma ordem de magnitude mais alta que qualquer medição já feita, oriundos do centro da Via Láctea.
As medições foram feitas no observatório de raios cósmicos HAWC, localizado a 4,1 km de altitude no vulcão Serra Negra, no México.
Esses raios parecem indicar que nossa galáxia é lar de um PeVatron, um tipo de acelerador de partículas natural que ocorre como consequência de certos fenômenos astrofísicos extremos.
O miolo da Via Láctea, como ocorre em todas as galáxias com forma de espiral, contêm um buraco negro supermassivo, com bilhões de vezes a massa do Sol.
Em torno dessa gigantesca anomalia, há uma densa população de estrelas de alta massa, estrelas de nêutrons, nuvens de gás a temperaturas altíssimas e outras delicadezas cósmicas letais.
Os raios gama oriundos dessa vizinhança turbulenta passam facilmente dos 100 teraelétron-volts (para fins de comparação, o maior acelerador de partículas da Terra, o LHC em Genebra, alcança energias de “só” 14 TeV).
Acredita-se que esses raios estupidamente intensos que alcançam a Terra às vezes sejam um efeito colateral desses fenômenos que funcionam como aceleradores de partículas naturais.
É possível que supernovas (o colapso gravitacional violento de uma estrela de alta massa quando seu combustível se esgota) deem origem a PeVatrons, bem como colisões entre buracos negros ou estrelas de nêutrons.
Os teóricos calculam que há PeVatrons capazes de acelerar prótons — as partículas de carga positiva que formam o núcleo dos átomos — a milhões de bilhões de TeV, em velocidades equivalente a mais de 99% da velocidade da luz. A interação desses prótons com nuvens de gás dá origem aos raios gama.
Até então, não havia nenhum PeVatron conhecido na Via Láctea.
“Muitos desses processos são tão raros que você não espera que eles ocorram na nossa galáxia. Muitas vezes, eles ocorrem em escalas que não são compatíveis com o tamanho da nossa galáxia”, diz o físico Pat Harding, líder da pesquisa, em declaração à imprensa.
O próximo passo da pesquisa é descobrir exatamente qual tipo de evento cósmico está funcionando como um PeVatron e ondem, exatamente, ele se localiza no vasto centro da galáxia.
Pode parecer estranho que um observatório como o HAWC não saiba exatamente de onde os raios vêm, mas isso tem a ver com a ideia de que um observatório astronômico é sempre um telescópio que opera com luz visível.
O HAWC, na verdade, consiste em gigantescos tanques d’água. Quando um raio de altíssima energia colide com a atmosfera da Terra, ele gera um chuveiro de partículas menos energéticas, mas ainda bastante aceleradas.
Quando essas partículas entram na água, elas emitem uma luz fantasmagórica chamada radiação Cherenkov. A radiação Cherenkov aparece porque elas estão mais rápidas do que a velocidade da luz na água (nada pode superar a velocidade da luz no vácuo, mas na água é outra história).
Isso significa que o HAWC pode ser usado para aferir as características dos raios gama que chegam à Terra, mas não consegue determinar com tanta precisão sua origem. O principal candidato é um objeto denominado HAWC J1746-2856, de natureza ainda desconhecida.
Um outro observatório de raios gama que está em construção no deserto do Atacama, no Chile, permitirá aprofundar as descobertas atuais, e revelar detalhes sobre as indigestões mais energéticas que ocorrem no coração do nosso condomínio cósmico.
Fonte: abril