Muitos gênios não sabem que foram gênios. Décadas antes de Darwin, dois pesquisadores descobriram a seleção natural independemente – mas, sem perceber o poder explicativo da ideia, a relegaram como uma curiosidade, em notas de rodapé.
Um deles, um botânico chamado Patrick Matthew, admitiu a decepção consigo mesmo depois de ler A Origem das Espécies: “A concepção desta lei da Natureza me veio intuitivamente, como um fato auto-evidente, quase que sem esforço de pensamento. Neste ponto, o sr. Darwin parece ter mais mérito na descoberta do que eu – para mim, ela não surgiu como uma descoberta.”
O problema é quando você inventa, sem saber, algo que alguém já inventou.
O problema mesmo é quando esse alguém é o Newton. Ou, sei lá, sabe como é… o Leibniz.
O problema fica maior ainda quando o crédito pela invenção em questão foi motivo de uma briga de décadas entre Newton e Leibniz.
E nós nem mencionamos o fato de que a tal invenção se tornou a ferramenta mais importante das ciências exatas há três séculos – e é ensinada como disciplina introdutória na maioria dos cursos universitários (inclusive alguns que nem parecem tão próximos assim da matemática, como Farmácia ou até, dependendo da universidade, Sociologia).
Por fim, trata-se da invenção por trás do meme we’ve got a badass over here (“temos um f*dão aqui”):
Essa invenção é o Cálculo, claro. O manual de redação da Super não fala nada sobre grafar o “C” maiúsculo, mas vamos abrir uma exceção só nessa frase porque, caramba: que invenção.
O cálculo diferencial e integral é incompreendido. Dentre os iniciados, tem fama de carrasco. Dentre os leigos… também. Newton criou essa ferramenta matemática com 24 anos – um feito de genialidade tão ímpar que fez o astrofísico Neil deGrasse Tyson ter o faniquito no GIF ali em cima. Desde então, universitários mais ou menos da mesma idade pastam para entendê-la.
A ideia básica do cálculo é determinar a área debaixo da curva de um gráfico). Em muitos gráficos, isso é moleza. Se a sua série de dados sobe ou desce em linha reta, ela acaba formando um triângulo retângulo com o eixo X, e determinar a área de um triângulo desse tipo é um passeio no parque: cateto vezes cateto divido por dois.
Mas o que a gente faz quando encontra um gráfico da vida real, todo cheio de curvas? Vide esse aqui embaixo. Há alguma maneira de descobrir a área S?
Dá para fazer. Você precisa imaginar que, em vez de uma curva, esse gráfico é formado por várias barras. Quanto mais estreitas forem essas barras, mais próximas do contorno original elas vão chegar. Se você tiver infinitas barras, todas infinitamente estreitas, você terá exatamente o contorno original.
Agora, é só somar a área das barras. É difícil de explicar escrevendo, mas o infográfico abaixo dá conta do recado (ele é parte de uma matéria maior sobre a história do cálculo, que você pode ler aqui).
Perfeito. Parece um típico ovo de Colombo: uma ideia que parece simples em retrospecto, mas que é um bocado difícil de se ter. Acontece que, em 1994, uma médica chegou lá à moda Céline Dion, all by herself.
Em fevereiro daquele ano, Mary Tai publicou o artigo “A mathematical model for the determination of total area under glucose tolerance and other metabolic curves”, ou “Um modelo matemático para a determinação da área total embaixo das curvas de gráficos de tolerância a glicose e outras curvas metabólicas” em português. Você pode vê-lo aqui na íntegra.
O artigo recebeu 329 citações, sinal de que muitos outros médicos acharam o método extremamente útil e o aplicaram em suas pesquisas (ainda que algumas citações tenham sido meramente jocosas). Pouco depois, um outro artigo “desmascarou” Mary, ainda que a palavra não se aplique: ela claramente não sabia que estava reinventando o trabalho de Newton.
“Nós ficamos desconcertados com a leitura do artigo de M. M. Tai”, diz o texto. “A autora parece alegar que a Fórmula de Tai é um novo método para computar a área sob uma curva. (…) É de nosso entendimento que a regra trapezoidal já era conhecida por Isaac Newton no século 17.”
Moral da história: tá difícil ser genial na pós-modernidade. Quem nasceu no século 17 pode ter sofrido um bocado com a ausência de privadas e os surtos de peste bubônica, mas pelo menos ainda havia alguma coisa para se inventar.
Fonte: abril