A revelação de vínculos pessoais, contratuais e decisões judiciais controversas envolvendo os ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes no caso do Banco Master, instituição suspeita de fraude bilionária, colocou o Supremo Tribunal Federal (STF) no centro de uma nova crise de credibilidade que impulsiona a criação de um código de conduta e novos pedidos de impeachment.
Por ora há indícios, e não provas definitivas, das relações entre Toffoli, Moraes e os controladores do Banco Master. Os fatos mais recentes envolvem a decisão de Toffoli de realizar uma acareação em pleno recesso, que vem sendo interpretada por analistas como uma forma de intimidar servidores do Banco Central (BC); e ainda os contatos entre Moraes e o presidente do BC, Gabriel Galípolo, em uma suposta tentativa de pressão em favor da compra do Master pelo BRB, o Banco de Brasília.
O ministro Alexandre de Moraes disse que se reuniu com Galípolo para tratar dos efeitos da aplicação da Lei Magnitsky (sanção americana contra Moraes que foi retirada). Sobre sua esposa ter um contrato para receber R$ 129 milhões do Master, o ministro disse que ela nunca lidou com qualquer assunto ou pressão para aquisição do banco pelo BRB.
Toffoli não se pronunciou, mas seu argumento para manter o caso no STF e decretar sigilo total sobre as investigações é a existência de um contrato recolhido pela Polícia Federal como evidência que tem o nome de um deputado federal, que tem foro privilegiado.
O escândalo envolve a atuação do Banco Master, alvo da Operação Compliance Zero, da Polícia Federal, que apura operações com suspeita de irregularidades estimadas em R$ 12,2 bilhões, as quais envolveriam a venda do Master para o BRB. A instituição foi liquidada pelo Banco Central em novembro, e seu controlador, Daniel Vorcaro, chegou a ser preso.
Além desses pontos, o Banco Master patrocinou ao menos seis eventos no Brasil e no exterior com a presença de ministros do STF — entre eles Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Luiz Fux —, além de ministros aposentados, membros da Procuradoria-Geral da República e do Executivo. Os encontros ocorreram em cidades como Nova York, Roma, Londres, Paris e Cambridge.
Uma fonte ligada ao Banco Master, que pediu para não ter o nome revelado por tratar de temas sensíveis, disse que o contato informal entre membros da cúpula da instituição e o STF é antigo.
Toffoli assume o caso e decreta sigilo após viajar em jatinho de advogado
O ministro Dias Toffoli tornou-se um dos principais focos de críticas após assumir a relatoria do caso no STF. Onze dias depois da prisão de Daniel Vorcaro, Toffoli foi sorteado relator do recurso apresentado pela defesa do banqueiro e, no mesmo dia, viajou a Lima, no Peru, para assistir à final da Libertadores em um jatinho no qual também estava o advogado de um dos diretores do banco.
Posteriormente, o ministro decretou sigilo máximo sobre o processo, alegando que a investigação envolve dados sensíveis do sistema financeiro. Também determinou que o caso permanecesse no STF, sob o argumento de que haveria envolvimento de um parlamentar com foro privilegiado. O Ministério Público Federal (MPF), no entanto, sustentou que o parlamentar não integra o núcleo central das investigações e defendeu a remessa do caso à primeira instância.
Toffoli ainda determinou, de ofício, a realização de uma acareação, prevista para acontecer nesta terça-feira (30), entre Daniel Vorcaro, o ex-presidente do BRB Paulo Henrique Costa, e o diretor de Fiscalização do Banco Central, Ailton Aquino.
A medida foi tomada sem pedido da Polícia Federal ou da Procuradoria-Geral da República e gerou críticas por suposto desvio de competência e tentativa de interferência na investigação. Mesmo após a PGR pedir a suspensão do ato, o ministro manteve a acareação.
Como não há o que ser acareado num momento em que os investigados começam a ser ouvidos, analistas levantam hipóteses sobre o real motivo da determinação de Toffoli. A linha de raciocínio que vem ganhando mais força é a de que uma ou mais vozes no Banco Central estão revelando de forma anônima à imprensa e a outras autoridades as pressões realizadas pelos ministros do STF em favor do Banco Master. A acareação seria uma forma de tentar intimidar essas vozes.
“Uma acareação sigilosa e sem motivação jurídica clara pode servir para identificar fontes de vazamentos. Se usada para blindar autoridades ou intimidar quem divulga irregularidades, configura um grave desvio institucional”, afirmou o jurista André Marsiglia.
Segundo ele, a acareação deveria ocorrer apenas na fase final de uma investigação, quando há contradições objetivas entre depoimentos já colhidos. “Não se trata de um instrumento para iniciar apurações. Quando usada dessa forma, ela perde fundamento jurídico e passa a ter contornos políticos”, completou.
O ex-deputado Deltan Dallagnol, do Partido Novo, escreveu em sua coluna na Gazeta do Povo que pode estar acontecendo uma inversão de valores, na qual o foco das investigações passa a ser em quem descobriu as irregularidades do Banco Master.
Ele chama atenção para uma coincidência “que salta aos olhos”: o diretor de Fiscalização do Banco Central, Ailton de Aquino Santos, que foi chamado para a acareação, teve audiência com Vorcaro, o dono do Banco Master, no dia 14 de agosto. No mesmo dia, Alexandre de Moraes chamou o presidente do BC, Galípolo, para uma conversa, onde o ministro diz que não tratou do Master, mas das sanções da Lei Magnitsky. “Ou seja, no mesmo dia em que o Master tomava um calor do BC, Galípolo tomava pressão de Moraes – essa é a suspeita”, escreveu Dallagnol.
Outra hipótese levantada por analistas é que alguma declaração dada por Aquino na acareação acabe vazando e sirva de argumento para Toffoli tentar anular o processo de liquidação do Banco Master e assim salvar a instituição.
Relações entre Moraes e o Banco Master colocam ministro no centro da crise
Alexandre de Moraes passou a ocupar posição central nas controvérsias envolvendo o Banco Master após a revelação de que o escritório de advocacia de sua esposa, Viviane Barci de Moraes, firmou um contrato de R$ 129 milhões com a instituição financeira. O acordo previa pagamentos mensais de cerca de R$ 3,6 milhões e estabelecia que o escritório atuaria “onde fosse necessário”, embora tenha sido encerrado antes da execução integral, após a liquidação do banco. O escritório de Viviane não enviou documentos nem pediu reuniões oficiais sobre o banco Master, mesmo sendo remunerado, segundo apurou o jornal O Globo por meio da lei de acesso à informação.
A revelação do contrato levantou questionamentos sobre possível conflito de interesses, especialmente diante das investigações conduzidas no âmbito do Supremo Tribunal Federal envolvendo o Banco Master. O caso ganhou ainda mais repercussão após reportagens indicarem que Alexandre de Moraes teria procurado o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, para supostamente tratar da situação da instituição financeira.
Moraes negou qualquer interferência indevida e afirmou que os encontros tiveram como único objetivo discutir os efeitos da aplicação da Lei Magnitsky, que atingiu seu nome e o de sua esposa.
O Banco Central confirmou as reuniões, mas informou que elas se limitaram a esse tema e não envolveram tratativas sobre a compra do Banco Master pelo BRB.
Posteriormente, reportagem do jornal Folha de S.Paulo apontou que Moraes teria buscado informações junto à Polícia Federal sobre o andamento das investigações. A versão foi negada tanto pelo ministro quanto pelo diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, que afirmou não ter tratado do assunto com o magistrado.
As revelações ampliaram a pressão política no Congresso e alimentaram pedidos de investigação sobre eventual conflito de interesses. Para parlamentares da oposição, a soma de contratos privados, reuniões institucionais e decisões judiciais envolvendo o mesmo caso expôs fragilidades na separação entre interesses públicos e privados dentro da cúpula do Judiciário.
O senador Eduardo Girão (Novo-CE) afirmou que o episódio simboliza a perda de limites no Judiciário. “O Toffoli viaja com advogado do banco e depois impõe sigilo máximo. A esposa do ministro Alexandre de Moraes tem contrato milionário com o banco. Isso não é normal. Está tudo errado”, afirmou.
Para o especialista André Marsiglia, o caso revela um risco concreto de erosão da confiança pública no Judiciário. “Se houver a percepção de que o STF atua para proteger seus próprios integrantes ou interesses privados, a credibilidade institucional fica seriamente comprometida”, concluiu.
Congresso pressiona por CPI e impeachment enquanto presidente do STF tenta código de conduta
A escalada das revelações envolvendo o Banco Master intensificou a pressão política no Congresso por uma investigação formal sobre a atuação de ministros do Supremo Tribunal Federal. Parlamentares da oposição passaram a articular a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar a relação entre o banco, seus controladores e integrantes da cúpula do Judiciário, além de discutirem a apresentação de pedidos de impeachment contra ministros do STF.
Autor do pedido de CPI, o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) criticou a decisão de Dias Toffoli de determinar uma acareação sem provocação da PF ou da PGR. Para ele, a medida representa uma tentativa de intimidação e de interferência indevida na investigação.
“É uma inversão completa do papel do Judiciário. Quando um ministro conduz diligências sem base técnica, o risco é transformar a Corte em instrumento de proteção política”, afirmou.
O senador Magno Malta (PL-ES) protocolou na sexta-feira (26) um ofício no Senado Federal solicitando a suspensão do recesso parlamentar para que o Congresso Nacional apure denúncias consideradas graves envolvendo o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e o Banco Master.
Parlamentares da oposição trabalham em novos pedidos de impeachment de Moraes, mas dessa vez pelo caso do Banco Master. A alegação da oposição é de que hipoteticamente poderia ter ocorrido o crime de advocacia administrativa – que é usar um cargo público para patrocinar um interesse privado em relação à administração pública – e também pelas movimentações financeiras atípicas entre o escritório da mulher do ministro e o Banco Master.
Enquanto cresce a pressão no Congresso, o presidente do STF, ministro Edson Fachin, tem buscado conter o desgaste institucional ao defender a criação de um código de conduta para magistrados. A proposta, apresentada por ele ao assumir a presidência da Corte, voltou ao centro do debate após a sucessão de episódios envolvendo ministros e relações privadas com investigados.
Ex-ministro da Corte, Celso de Mello afirmou que a proposta é “moralmente necessária, politicamente republicana e institucionalmente urgente”. “Em democracias consolidadas, a confiança pública na Justiça exige não apenas juízes honestos, mas também regras claras, que impeçam qualquer aparência de favorecimento, dependência ou proximidade indevida com interesses privados e governamentais”, afirmou Mello em entrevista à CNN Brasil.
O ex-ministro tem sido consultado para a elaboração do código de conduta, assim como Rosa Weber, ex-presidente do STF e aposentada em 2023. Celso de Mello cita como exemplo a experiência de outros países, como Estados Unidos e Alemanha, para embasar a elaboração do documento brasileiro.
O código de conduta alemão impõe restrições severas ao recebimento de presentes, benefícios, hospitalidades ou vantagens oferecidas por terceiros, admitindo apenas atenções de caráter social insignificante, destituídas de potencial para comprometer a confiança pública na integridade, imparcialidade e independência da jurisdição constitucional.
O modelo alemão estabelece, ainda, limites estritos às atividades extrajudiciais, especialmente quanto à participação em eventos, conferências ou compromissos que possam acarretar conflitos de interesses, exposição indevida ou risco à percepção de imparcialidade.
Fonte: gazetadopovo






