A Terra Indígena Umutina, localizada em Barra do Bugres (MT), abriga quatro etnias em uma área de 28 mil hectares. Em uma pequena parcela desse território, menos de 10%, 13 famílias da Aldeia Massepô vêm transformando a paisagem e a economia local com o cultivo de café robusta amazônico.
A iniciativa, que já completa quatro anos, é conduzida pela Associação Indígena Hokemana e representa uma nova fonte de renda para o povo Balatiponé, unindo tradição e agricultura sustentável.
A ideia surgiu em 2015 quando os indígenas começaram a buscar conhecimento sobre a cafeicultura, que foi uma das primeiras culturas cultivadas no oeste de Mato Grosso e responsável por aumentar o povoamento da região na década de 80.
O sonho se concretizou em 2021 quando a Empresa Mato-grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural (Empaer) doou três mil mudas como pontapé inicial para a produção.
Atualmente, 2,5 hectares são destinados à cultura, sendo que 0,8 hectares estão efetivamente sendo utilizados para plantio que seguem a legislação para produção agrícola em terras originárias.
“Não utilizamos defensivos agrícolas. Nossa atenção especial é em relação a correção do solo que é feita por adubação fosfatada e calcário; e à irrigação porque como é um café clonal, que veio por muda, a raiz não é profunda”, explica o extensionista da Empaer, Irapuan Rodrigues da Silva.
De acordo com o profissional, a produção dos indígenas tem vantagens em comparação a outros cafeicultores, como a seleção manual dos grãos. “Eles têm mão-de-obra para selecionar grão por grão e isso é um diferencial, porque em outros locais, como não tem essa disponibilidade de pessoal, pode ser que grãos ardidos fiquem misturados com os bons. No caso deles, não”, destaca.
Para os próximos quatro anos, a expectativa é ampliar a área destinada ao cultivo do café, de 2,5 para 15 hectares, que devem exigir ainda mais trabalho das 52 pessoas envolvidas no processo.
“Precisamos fazer mais investimentos em máquinas, tecnologias e conhecimento, porque a renda ainda não é o suficiente e precisamos ampliar o negócio ainda mais”, afirmou o cacique Felisberto de Souza Cupudunepá Filho, que junto à comunidade também produz outras culturas como a banana e a mandioca, matéria-prima para fazerem a farinha.
Beneficiamento
Quatro anos depois de receberem as primeiras mudas, os indígenas fazem além de produzirem a matéria-prima, a comunidade realiza o beneficiamento: seleciona os grãos, processa, torra, mói e embala. O resultado da produção pode ser adquirido em pacotes de 250g, pela marca Café Massepô, mesmo nome da aldeia. Como eles mesmo intitulam, o primeiro café indígena de Mato Grosso. “Não compensava vender a saca, por isso escolhemos beneficiar na própria aldeia”, afirma Cupudunepá.
Artesanalmente são comercializados por mês uma média de 250 a 400 pacotes por mês e agora a comunidade busca um novo passo para se expandir: a regularização pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). “Precisamos ter um produto certificado e regulamentado para dar mais segurança. As exigências para o pequeno produtor são as mesmas do grande e esse tem sido um entrave hoje, mas é importante para que melhoremos a comercialização”, destaca o cacique.
Outro desafio é o acesso a linhas de crédito que impactam nos investimentos à produção. “Quando foi criado o Estatuto do Indígena não se imaginava que os povos originários fariam parte do mundo contemporâneo dessa forma. Hoje, o indígena quer ter acesso à tecnologia e à educação de qualidade sem perder as tradições e a gente esbarra em muitos processos, porque não entendem isso”, afirmou.
Mudança de vida
Além dos benefícios econômicos para a comunidade, a produção de café trouxe impactos sociais, ambientais e culturais e resgatou antigos moradores que haviam deixado a aldeia.
Nadir Naupe Spinelli, por exemplo, trocou o trabalho como nutricionista de saúde indígena fora da aldeia de origem para coordenar uma equipe com cinco mulheres que estão à frente do trabalho de produção na Massepô.
“Antes a gente pensava que o futuro garantido estava fora da aldeia. Estudar, trabalhar e arrumar um emprego fora. Mas não. O nosso futuro é aqui hoje, graças ao café eu me sinto pertencente à comunidade”, destaca.
O retorno para a aldeia se deu após um período de reflexão durante a descoberta de um câncer. Na época, Nadir trabalhava em Juína e decidiu voltar à terra de origem para junto da família e hoje, a produção agrícola ajuda na reconstrução dos laços familiares. “Hoje meus filhos também ajudam na produção de café e passar mais tempo com eles, ajuda a retomar a convivência da época em que estive fora”, afirma.
Para o cacique, ter a nova geração dentro da aldeia é uma forma de manter as tradições vivas. “Nós vimos benefícios em várias áreas, dentre elas a possibilidade de transmitir os saberes tradicionais aos mais jovens dentro da nossa terra, porque com a produção podemos mais qualidade de vida, educação e alimentação de qualidade e não precisamos sair da aldeia”, explica.
A produção de café no Brasil
De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a safra 2025 deve alcançar 55,4 milhões de saca de café, um aumento de 1,8% em relação à última safra. Os dados consideram as duas maiores variedades semeadas no país: arábica e conilon, que também é conhecida como Robusta, a variedade produzida na aldeia indígena.
A produção do café Conilon teve um aumento de 37,2% em relação à safra anterior, índice que a Conab atrela majoritariamente à regularidade climática que favoreceu as lavouras e as floradas. Em 2025, essa variedade deve representar 20,1 milhões de sacas no país.
Mato Grosso é o 9º maior estado produtor de café com 278,7 mil sacas, ainda bem atrás do líder em produção: Minas Gerais com 25,3 milhões de sacas. A participação de materiais clonais é uma das razões pela qual a safra do Estado apresentou aumento de 3,8% em relação à safra anterior, segundo a Conab.
De acordo com a Secretaria de Estado de Agricultura Familiar (Seaf), nos últimos dez anos, o Estado aumentou em 258,7% a produção de sacas do grão por hectare plantado. Ainda segundo o órgão, hoje uma lavoura bem cuidada pode produzir até 170 sacas por hectare, cada uma sendo atualmente comercializada por cerca de R$ 1,3 mil.
O cultivo do café em Mato Grosso se concentra na região noroeste impulsionado por novas tecnologias e pelo cultivo do Café Robusta Amazônico, que se adapta bem ao clima local. Com destaque para os municípios de Colniza, Juína, Aripuanã, Nova Bandeirantes e Cotriguaçu.
Com o intuito de fortalecer a cultura do café, o governo do Estado e a Empaer também distribuem kits de irrigação e mudas com alta produtividade e resistência às principais doenças que atacam os cafeeiros.
Fonte: primeirapagina